Um grupo de poetas e literatos com afinidades muito especiais começou a definir-se em 1912: Pessoa, Mário de Sá-Carneiro (1890 - 1916), Luís da Silva Ramos (1891 - 1947) (condiscípulo de Sá-Carneiro no liceu e posteriormente conhecido como Luís de Montalvor), Armando Cortes-Rodrigues (1891 - 1971) e António Cobeira (1892 - 1959) (colegas do curso de Letras depois de Pessoa o ter abandonado), Alfredo Pedro Guisado (1891 - 1975) (filho do proprietário do restaurante Irmãos Unidos, um dos sítios onde os jovens se juntavam), Mário Beirão (1890 - 1965) e o ainda muito jovem António Ferro (1895 - 1956). Não é que formassem uma tertúlia propriamente dita, mas sentiam - no meio dos muitos outros habitués dos cafés - uma afinidade de gostos e um comum desejo de renovar e internacionalizar as letras portuguesas, a começar pelas suas próprias produções literárias.
A Águia, revista saudosista ligada ao grupo Renascença Portuguesa, representava, para os jovens o que de mais novo e interessante havia em Portugal. Pessoa, porém, depressa superou a estética da "nova poesia portuguesa", tão longamente analisada e elogiada nos artigos por si publicados em A Águia, nos quais citava versos de Teixeira de Pascoaes e Beirão como modelos de "subtileza e complexidade ideativas" graças à sua maneira analítica de "desdobrar uma sensação em outras" e à sua feição espiritual de "encontrar em tudo um além".
(...)
[Pessoa] Chegou a definir o paulismo como "o culto da artificialidade", e preteriu-o em favor do "intersecionismo", que pretendia ser mais construtivista, uma espécie de cubismo aplicado à literatura - se bem que Pessoa, nas suas teorizações, imaginasse o novo "ismo" aplicado a todas as artes. À semelhança do movimento seu precursor, o intersecionismo (escreveu ele numa carta assinada por Álvaro de Campos em 4 de junho de 1915 e dirigida ao Diário de Notícias, embora provavelmente não enviada) caracterizava-se por uma "subjetividade excessiva" e um "exagero da atitude estática", mas procurava ser mais incisivo, justapondo, de forma bem nítida, diversos planos ou dimensões em simultâneo.
Empenhados nestes esforços de inovação, Pessoa e os seus discípulos - pois ele, embora reservado por natureza, era o mestre incontestável que guiava os outros - estavam sozinhos, sem terem onde se inserir no meio literário português. Tornava-se urgente criar uma revista que lhe desse voz. A ideia nasceu, inevitavelmente, de um projeto de Pessoa. No início de 1913, ou talvez ainda em 1912, Pessoa elaborou planos para uma revista mensal intitulada Lusitânia, que se debruçaria principalmente sobre os problemas políticos que a jovem república enfrentava e o lugar por ela ocupado na cena internacional.
(...)
Se Pessoa, sem sair de Lisboa, se conseguia manter a par das últimas tendências nas artes e letras, e em particular das correntes vanguardistas, era em parte graças às viagens de alguns camaradas desse grupo. Em outubro de 1912, Sá-Carneiro fora para Paris, dando início a uma animada correspondência literária com Pessoa, e no final do mesmo ano Montalvor partiu para o Rio de Janeiro, a fim de trabalhar como secretário de Bernardino Machado, nomeado embaixador de Portugal.
Em Paris, Sá-Carneiro convivia com Santa-Rita Pintor (1889 - 1918), um jovem artista português cheio de ideias e audácia mas de valor artístico controverso (a seu pedido, a família destruiu toda a sua obra quando morreu, em 1918). Em todo o caso, Santa-Rita conseguira impor-se ao ponto de Marinetti, que então vivia na capital francesa, o ter autorizado a traduzir e publicar manifestos futuristas em Portugal. Sá-Carneiro regressa a Lisboa em junho de 1913, volta para Paris um ano depois e regressa novamente no outono de 1914, altura em que a guerra também trouxe de volta Santa-Rita e o seu amigo Raul Leal, que, como ele, conhecera os futuristas. Os três estavam muito ao corrente das novidades artísticas (Picasso, o cubismo) e literárias (Max Jacob, Apollinaire) que se refletiam no modernismo português.
A Águia, revista saudosista ligada ao grupo Renascença Portuguesa, representava, para os jovens o que de mais novo e interessante havia em Portugal. Pessoa, porém, depressa superou a estética da "nova poesia portuguesa", tão longamente analisada e elogiada nos artigos por si publicados em A Águia, nos quais citava versos de Teixeira de Pascoaes e Beirão como modelos de "subtileza e complexidade ideativas" graças à sua maneira analítica de "desdobrar uma sensação em outras" e à sua feição espiritual de "encontrar em tudo um além".
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[Pessoa] Chegou a definir o paulismo como "o culto da artificialidade", e preteriu-o em favor do "intersecionismo", que pretendia ser mais construtivista, uma espécie de cubismo aplicado à literatura - se bem que Pessoa, nas suas teorizações, imaginasse o novo "ismo" aplicado a todas as artes. À semelhança do movimento seu precursor, o intersecionismo (escreveu ele numa carta assinada por Álvaro de Campos em 4 de junho de 1915 e dirigida ao Diário de Notícias, embora provavelmente não enviada) caracterizava-se por uma "subjetividade excessiva" e um "exagero da atitude estática", mas procurava ser mais incisivo, justapondo, de forma bem nítida, diversos planos ou dimensões em simultâneo.
Empenhados nestes esforços de inovação, Pessoa e os seus discípulos - pois ele, embora reservado por natureza, era o mestre incontestável que guiava os outros - estavam sozinhos, sem terem onde se inserir no meio literário português. Tornava-se urgente criar uma revista que lhe desse voz. A ideia nasceu, inevitavelmente, de um projeto de Pessoa. No início de 1913, ou talvez ainda em 1912, Pessoa elaborou planos para uma revista mensal intitulada Lusitânia, que se debruçaria principalmente sobre os problemas políticos que a jovem república enfrentava e o lugar por ela ocupado na cena internacional.
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Se Pessoa, sem sair de Lisboa, se conseguia manter a par das últimas tendências nas artes e letras, e em particular das correntes vanguardistas, era em parte graças às viagens de alguns camaradas desse grupo. Em outubro de 1912, Sá-Carneiro fora para Paris, dando início a uma animada correspondência literária com Pessoa, e no final do mesmo ano Montalvor partiu para o Rio de Janeiro, a fim de trabalhar como secretário de Bernardino Machado, nomeado embaixador de Portugal.
Em Paris, Sá-Carneiro convivia com Santa-Rita Pintor (1889 - 1918), um jovem artista português cheio de ideias e audácia mas de valor artístico controverso (a seu pedido, a família destruiu toda a sua obra quando morreu, em 1918). Em todo o caso, Santa-Rita conseguira impor-se ao ponto de Marinetti, que então vivia na capital francesa, o ter autorizado a traduzir e publicar manifestos futuristas em Portugal. Sá-Carneiro regressa a Lisboa em junho de 1913, volta para Paris um ano depois e regressa novamente no outono de 1914, altura em que a guerra também trouxe de volta Santa-Rita e o seu amigo Raul Leal, que, como ele, conhecera os futuristas. Os três estavam muito ao corrente das novidades artísticas (Picasso, o cubismo) e literárias (Max Jacob, Apollinaire) que se refletiam no modernismo português.
Richard Zenith, Fotobiografias Século XX, Fernando Pessoa