segunda-feira, 25 de setembro de 2017
"Certo enfermo, homem sisudo"
Certo enfermo, homem sisudo,
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Deixou por condescendência
Chamar um doutor, que tinha
Entre os mais a preferência.
Manda-lhe o fofo Esculápio
Que bote a línguas de fora,
E envia dez garatujas
À botica sem demora.
«Com isto (diz ao paciente)
A sepultura lhe tapo.»
Replica o pobre a tremer:
«Aposto que não escapo».
(IV, 143)
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Outro
grande tema da sátira epigramática de Bocage são os erros dos médicos, ou dos
falsos cirurgiões da sua época.
No
caso deste texto, eis que um homem adoece e decide recorrer, com temor e
hesitação (“Deixou
por condescendência...”), aos serviços da medicina. Na 2.ª estrofe,
Bocage apresenta ironicamente a figura do pretensioso médico (designado, com ironia,
por “fofo
Esculápio” – Esculápio era o deus da Medicina) observando o doente,
mandando-lhe deitar a língua de fora, e aviando uma receita ilegível (“dez garatujas”),
actos que consubstanciam a sua pretensiosa ciência/sabedoria. Finalmente, na
última estrofe, atente-se na irónica ambiguidade da afirmação do médico. Ao dizer
que tapa a sepultura ao doente, tanto afirma que o vai salvar da morte certa,
como pode significar que o mata definitivamente. E é nesta segunda acepção que
o pobre e desenganado paciente entende a declaração do médico. Em suma, a
sátira caricatural de que esta figura-tipo é alvo, incide sobre o tema dos
doentes que morrem mais depressa por causa dos erros da classe médica do que
por causa da própria doença e que, em alguns textos, leva Bocage a afirmar que
a Medicina é filha da própria Morte. Como diz a sabedoria popular, se não
morrem da doença, morrem da cura.
Por
vezes, como é o caso do texto em análise, Bocage serve-se de um breve mas
cómico diálogo entre médico e paciente, dando assim maior vivacidade e graça ao
cómico de situação ou de linguagem. Também é comum referir-se, algo jocosa e
metaforicamente, aos médicos como os descendentes de Galeno (anatomista grego),
os filhos de Esculápio (deus da Medicina) ou alunos de Hipócrates (médico
célebre).
domingo, 24 de setembro de 2017
"Um homem que toda a vida"
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Um homem que toda a vida
Passou fomes por querer,
Co’a muita debilidade
Pôs-se em termos de morrer.
Doutor, que de graça o via,
E co’a doença atinava,
Of’receu-lhe uns certos doces,
Para ver se o melhorava.
Obrigado (eis lhe responde
O enfermo estendendo a mão),
Dê cá... Bom será guardá-los
Para maior precisão.”
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Outro
dos alvos predilectos da sátira epigramática de Bocage é o pecado da avareza;
neste caso concreto temos o tipo do avarento que esconde a sua riqueza, não
tirando partido dela, nem mostrando algum tipo de generosidade para com os
demais.
Este
é o caso de um homem que, durante toda a vida, passou fome voluntariamente,
para não gastar o seu dinheiro e por isso ficou doente a ponto de estar em risco
de morrer. É então consultado gratuitamente por um médico que se apercebe de
que a causa da doença é a falta de alimentação, por isso oferece-lhe alguns
doces para o curar. O doente aceita mas – espanto dos espantos – decide
guardá-los “Para
maior precisão”.
Em
suma, neste epigrama a sátira de Bocage incide sobre o comportamento do homem
avarento que, posto na maior necessidade e até na iminência da morte, aferrolha
tudo a que pode deitar a mão. Este homem que poupa, avaramente, o próprio alimento
que o salvaria de morte certa, só pode ser alvo do ridículo.
sábado, 23 de setembro de 2017
"Dizem que o Caldas glutão"
Dizem que o Caldas glutão
Em Bocage aferra o dente:
Em Bocage aferra o dente:
Ora é forte admiração
Ver um cão morder na gente!”
Os epigramas
são composições poéticas breves, muitas vezes estruturadas em quadras, mas
sempre animadas pela sátira mais ou menos maliciosa, incisiva e sarcástica.
Este
epigrama tem como alvo um confrade da Arcádia, Domingos Caldas Barbosa, que se
teria excedido nas críticas a Bocage. De facto, este texto aparece como
resposta a um outro do padre Caldas, censurando a maledicência de Elmano
Sadino:
De todos sempre diz mal
O ímpio Manuel Maria;
E se de Deus o não disse,
Foi porque o não conhecia.
A
violenta resposta do poeta não se fez esperar, comparando a maledicência do
adversário a nada menos que uma investida canina.
Acrescente-se
que para a compreensão da sátira é importante ler a rubrica que muitas vezes
antecede o próprio texto poético. Neste caso, pode ler-se que o epigrama era
dedicado «A um mulato comilão que murmurava de mim».
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