Português

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Causas do despertar da cantiga de amor em Portugal

            A influência provençal foi reconhecida entre nós publicamente desde o meado do século XIII. É conhecida a censura de Afonso X a Pêro da Ponte de não trobar como proençal, mas à maneira do segrel galego Bernal de Bonaval (CV 70); e mais conhecida ainda é a cantiga de D. Dinis, em que ele se propõe imitar a poesia occitânica.
            Crê-se geralmente que a imitação da cultura francesa entre nós data da vinda do conde borgonhês D. Henrique, ou melhor, desde quando começou a reger o Condado Portucalense, em 1094 ou 1095.
            Os cantares provençais penetraram na Península Ibérica devido a várias causas, a saber:

1.ª) A transmissão da coroa da Provença, em 1092, aos condes de Barcelona.

2.ª) A emigração, motivada pelas perseguições das cruzadas contra a heresia dos Albigenses.

3.ª) O recrutamento de gente francesa, no governo do conde D. Henrique, para as necessidades correntes da paz e da guerra. Com os reis seguintes continuou a infiltração francesa, por via do repovoamento de terras.

4.ª) As Cruzadas, que trouxeram ao litoral peninsular gente oriunda de França. Por exemplo, a tomada de Lisboa, em 1147, na qual entraram cruzados flamengos e anglo-normandos, teve grande importância, por serem a Flandres e a Inglaterra focos intensos de civilização em língua francesa. Realizada a conquista, Afonso Henriques repartiu com eles as terras desde Santarém até Lisboa. Guilherme Descornes foi povoar, com outros, a Atouguia; Jourdan estabeleceu-se na Lourinhã, Allardo em Vila Verde. Azambuja, Alenquer, Santarém ficaram também sendo núcleos de população franca.
Com D. Sancho I entramos no período áureo da colonização francesa. Agentes do rei andavam pela Europa, sobretudo pela Flandres, a aliciar colonos. Protegiam-se por meio de forais as colónias existentes e fundavam-se outras em Leziras, Sesimbra, Montalto de Sor, etc.

5.ª) As peregrinações a santuários (Santiago de Compostela – a partir de 829 tornou-se apóstolo protetor das Espanhas contra os árabes, chegando Compostela a rivalizar com Roma –, Tours, Santa Maria de Rocamadour), que reuniam peregrinos quer vindos de França, quer da Península, peregrinos esses que traziam consigo novas ideias, novas formas de vida, a música, poesias e danças.

6.ª) A influência de Afonso X de Castela, avô de D. Dinis, grande criador da poesia castelhana e um dos melhores poetas em galaico-português, onde as cantigas à Virgem se destacam com um lirismo, uma espontaneidade e um espiritualismo bem expressivos.

7.ª) Os casamentos de D. Mafalda, filha do conde de Sabóia, com D. Afonso Henriques; o de D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, em 1180, com o conde Filipe de Flandres, grande protector de trovadores, e o de D. Sancho I com D. Dulce, filha dos condes de Barcelona, que, tal como D. Mafalda, eram princesas de cortes muito ligadas à Provença e contribuíram também para a difusão destes cantares.

8.ª) O regresso a Portugal de D. Afonso III, que esteve treze anos exilado em Bolonha, onde frequentou as cortes e casou e onde conviveu com o gosto de trovar.

9.ª) As saídas de estudantes peninsulares para as grandes universidades além Pirenéus, onde contactaram com novas ideias e saber.

10.ª) D. Dinis, um dos grandes trovadores portugueses, foi educado por um professor francês, Américo d' Ebrard, futuro bispo de Coimbra, e casou com uma princesa de Aragão, corte onde a poesia era muito apreciada.

11.ª) As movimentações dos trovadores que, segundo o costume, andavam na Primavera ("no tempo da frol"), de castelo em castelo, divulgando as suas composições. Além disso, houve também o contacto e convivência com trovadores provençais. O conhecimento pleno, directo, da poesia provençal efectivar-se-ia, para os portugueses, fora do país, em Leão, sobretudo depois de terem saído para aquela corte numerosos fidalgos, descontentes com a política cesarista de Afonso II.

12.ª) A acção dos monges de Cister e Cluny, que deixaram muitas das suas influências na arquitectura e nas letras, antes de Portugal se tornar reino independente.

13.ª) O intercâmbio comercial entre Portugal e a França.

            A influência provençal nas cantigas de amor galego-portuguesas manifesta-se inclusivamente ao nível da linguagem. A missão da cultura francesa foi a de despertar os germes da poesia nacional; e aqui em Portugal esse facto produziu-se com maior intensidade, devido à existência dum rico filão de poesia popular cujo valor e qualidade são inquestionáveis.
            A nossa imitação foi sobretudo uma apropriação de formas. Ainda assim, não há um único verso português traduzido de autores estrangeiros. As semelhanças explicam-se mais por inevitável encontro de ideia e de expressão. Mantivemos, pois, intacto como nunca o nosso génio literário, o nosso temperamento nostálgico, a nossa humildade amorosa, que tão bem se espelha na saudade e no fatalismo das cantigas. E a influência francesa deu-se precisamente entre nós nos pontos e na medida em que lisonjeava esse temperamento.


Situação político-social e cultural da Provença

            A Provença, do latim Província, nome criado pelo imperador Augusto, é uma região do sul da França, um condado que, a partir do século XI, foi o "berço" de uma poesia lírica masculina e que vai fazer despontar o lirismo europeu nos séculos vindouros.
            A Provença também sentiu a força e a crueldade dos Árabes e tentou defender-se. O feudalismo era um meio eficaz contra estes invasores, a que ficavam expostas as pobres populações indefesas.
            Mas a cristandade também estava ameaçada por outros povos, como os Eslavos, Magiares e Dinamarqueses.
            O cavaleiro armado e o castelo transformam-se, assim, em formas ou meios de defesa extremamente importantes, acabando por se constituir uma hierarquia, desde o mais alto suserano ao mais desprezível servo da gleba.
            A Cavalaria surge como uma bênção, guerreira e combativa, que protege a pátria contra os infiéis. Surge, então, uma poesia épica que canta estes heróis.


Origem da cantiga de amor

            As cantigas de amor não são originárias da Península, ao contrário das de amigo, mas sim do Sul de França, da Provença. Guilherme de Poitiers, duque da Aquitânia, é considerado o primeiro trovador, pois a primeira cantiga de amor conhecida é da sua autoria e data de 1100: "Com a doçura da Primavera".

Definição de cantiga de amor

            As cantigas de amor são composições poéticas ao sabor provençal, cujo sujeito de enunciação é o trovador apaixonado que consagra à sua "senhor" um amor platónico, sem esperança, um amor-adoração.

Valor documental da cantiga de amigo

. Artístico: decoração, iluminuras;
o paralelismo com origem no ritmo natural do trabalho e da dança ou nos cânticos litúrgicos dialogados.

            . Histórico:     - costumes;
- maneiras de ser;
- formas de pensar;
- formas de vestir;
- elementos do al-Andaluz:
- a dança:
- as motivações bucólicas;
- a importância do mar;
- a guerra:    - o fossado / ferido (guerras da reconquista) (1);
                     - Castela (1).
            (1) De facto, o período da Poesia Trovadoresca coincide com a época de reconquista de terras aos mouros, luta em que se envolveram todos os reis peninsulares, dada a necessidade de afastar os mouros para África e retomar os territórios por eles conquistados. E as cantigas de amigo recriam esta época conturbada:
. a donzela, cheia de saudades do amigo, não sabe dele, pode estar em “cas del-rei”;
. na véspera da partida do amigo, despede-se dele, muito triste e preocupada;
. desabafa com a mãe a sua preocupação pelo amigo, que vai ou já partiu para o ferido.
            Além disso, convém também não esquecer as frequentes escaramuças com os castelhanos.

            . Linguístico: fase do Português Arcaico.

. Social:      - actividades domésticas (fiação, busca de água na fonte, etc.);
- a importância social da mulher  -  autoridade materna (a mãe proíbe ou permite os encontros amorosos da filha);  o seu papel  de mulher--mãe, que fica sozinha a resolver os problemas familiares, pois o homem está ausente;
- ausência dos homens (no "fossado", no "ferido" ou no mar);
- vida colectiva: romarias, bailes, festas populares;
- a hierarquia familiar;
- os sentimentos da mulher (donzela): a timidez, o pudor, a inexperiência do amor, a travessura, a alegria, a traquinice, a refilice, a mentirinha para  esconder os primeiros amores à mãe, a ansiedade de amar, a tristeza,  a saudade, a impaciência, o ciúme, o arrependimento, a alegria da reconciliação, a morte de amor, a ingenuidade, etc.;
- as ofertas de namorados.

            . Religioso:     - romarias;
                                   - forte religiosidade epocal (2):
® a fé;
® o aspecto lúdico.
            (2) a) A religiosidade do homem medieval está bem representada na cantiga de amigo, até porque se vivia em constante ambiente de guerra e era necessário rezar muito a "Nostro Senhor", pedindo-lhe protecção.

            b) As romarias reflectem esta preocupação, e os cânticos singelos e espontâneos transbordam de queixumes, anseios e preces a Deus. Daí as romarias, por exemplo, a Santiago de Compostela. Mas o povo, sobrecarregado de impostos e taxas e cheio de afazeres, não tem tempo nem dinheiro para se deslocar tão longe, por isso "limita-se" às pequenas ermidas, disseminadas por todo o lado. Essas romarias descrevem-nos uma variedade de situações apreciável:
* a donzela, chorosa, vai à ermida de San Simon, junto ao mar, pedir ao santo pelo seu amigo e lá fica à sua espera;
                        * se ele não voltar, está disposta a morrer;
                        * a menina ia também à ermida do Soveral, onde viu o amigo traidor;
* a donzela adorava ir a "San Simon de Val de Prados": as mães iam rezar, elas, eufóricas e traquinas, aproveitavam para bailar;
* um cavaleiro ficou desatinado quando foi a Santiago de Compostela e viu uma pastora muito bela.

            c) As fórmulas de juramento revestem muitas cantigas, recriando-nos a mundividência do homem medieval. Tudo gira à volta de Deus, é um mundo teocêntrico:
* por Santa Maria, roga a mãe à filha, por que não vai ela bailar para o amigo, não vá ficar encalhada para toda a vida;
* a donzela acredita em Santa Cecília e solicita-lhe ajuda para o amigo que partiu para o "fossado";
* a pastor, tão afastada de casa, no souto de Crexente, a falar, só, com um cavaleiro, mostra-se preocupada com a sua honra, com o que dirão as pessoas, e, então, pede-lhe, por Santa Maria, que se vá embora;
* por vezes, é o cavaleiro que exclama  "par Deus de Cruz"  ao  ouvir  cantar a mulher, sentindo de imediato que ela sofre uma grande "coita de amor";
* noutras ocasiões é a amiga da donzela que lhe pede, por Deus, que tenha pena dele, porque o viu sofrendo tanto.








Paralelismo perfeito

            A cantiga de amigo galego-portuguesa apresenta vestígios de uma poesia tradicional muito antiga. Em muitos poemas, encontramos um esquema estrófico e rimático em que predomina o chamado paralelismo, que revela o seu caráter popular.
 
1. Definição
 
            O paralelismo consiste na repetição da ideia expressa numa estrofe na estrofe seguinte, substituindo-se, nos versos paralelos, apenas as palavras em posição de rima por outras que sejam sinónimas.
 
 
2. Tipos de paralelismo
 
1.º) Literal ou sinonímico: consiste na repetição literal ou com recurso a sinónimos.
 
2.º) Estrutural ou de construção: consiste na repetição de uma determinada construção sintática e rítmica.
 
3.º) Concetual ou de pensamento: consiste na repetição de conceitos.
 
 
3. Refrão
 
            O refrão é um verso ou conjunto de versos que se repete integralmente no fim de cada estrofe.
            A presença do refrão constitui outra caraterística das cantigas paralelísticas.
 
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo! Refrão
 
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo! Refrão
 
 
4. Paralelismo perfeito
 
            As cantigas de amigo são paralelísticas perfeitas / de paralelismo perfeito quando possuem as seguintes características:
 
▪ Cada estrofe é um dístico monórrimo (isto é, constituída por dois versos com uma só rima), seguido de refrão de rima diferente (o refrão pode também surgir intercalado nos dísticos.
 
▪ O número de coblas/estrofes é sempre par: o primeiro dístico do par emparelha com o segundo dístico, isto é, este repete o conteúdo do primeiro, alterando-se apenas as palavras finais, que rimam – geralmente de vogal tónica a num dos dísticos de cada par e i ou e no outro (ou seja, os versos dos dísticos ímpares repetem-se nos pares, variando apenas a palavra da rima.
 
▪ A unidade rítmica não é a estrofe, mas o par de estrofes, ou, mais precisamente, o par de dísticos, dentro do qual ambos os dísticos querem dizer o mesmo, diferindo só, ou quase só, nas palavras da rima, que são de vogal tónica a num dos dísticos de cada par e i ou ê no outro.
 
▪ O último verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte.
 
▪ Uso do leixa-pren, isto é, deixa-toma ou larga-pega.
 



 
5. Leixa-pren
 
▪ O leixa-pren aproxima-se das desgarradas populares (ou cantigas ao desafio) e consiste em começar cada estrofe repetindo o último verso de uma estrofe anterior.
 
▪ O 1.º verso do terceiro dístico retoma o 2.º verso do primeiro dístico = o 2.º verso da 1.ª estrofe é o 1.º verso da 3.ª estrofe.
 
▪ O 2.º verso do quarto dístico retoma o 2.º verso do segundo dístico e repete, com variação, o 2.º verso do terceiro dístico = o 2.º verso da 2.ª estrofe é o 1.º verso da 4.ª; e assim sucessivamente.
 
▪ A progressão do pensamento verifica-se apenas no 2.º verso das estrofes ímpares.
 
            Através do paralelismo perfeito, é possível construir uma composição de 6 estrofes e 18 versos em que apenas há 5 versos semanticamente diferentes, incluindo o refrão.
 
 
 
6. Paralelismo imperfeito
 
            Quando o paralelismo está isolado em cada par de estrofes, não havendo qualquer ligação às outras estrofes, diz-se que o paralelismo é imperfeito.
 

Originalidade da lírica trovadoresca galaico-portuguesa

- Sujeito de enunciação feminino.

- Situações do quotidiano (rural, popular, doméstico): fiar o linho, ir à fonte buscar água, ir lavar a roupa e outros trabalhos domésticos.

- Espontaneidade sentimental/sinceridade.

- Paralelismo.


Características da cantiga de amigo

            1.ª. Muitas cantigas de amigo são constituídas por dois versos paralelos, seguidos de refrão.
            Estas composições estavam associadas ao canto e à dança: dois coros cantavam as estrofes alternadamente e o refrão era cantado pelos dois coros simultaneamente ou por um solista.

            2.ª. Existe também a repetição de versos, iguais ou muito semelhantes, de forma a constituir-se uma unidade rítmica.

            3.ª. As ideias repetem-se através de versos iguais ou muito semelhantes e de forma simétrica. É o chamado paralelismo.

            4.ª. Algumas cantigas paralelísticas apresentam alternância da rima de i ou e em a ou vice-versa: amigo - amado, sofrer - endurar.

            5.ª. Podemos também constatar o processo de leixa-prem, que consiste em retomar, no todo ou em parte, o último verso da estrofe anterior:
                                   "Ondas do mar levado
                                   se vistes meu amado!
                                               E ai Deus, se verrá cedo!

                                   Se vistes meu amado
                                   o que mentiu do que m'a jurado
                                               E ai Deus, se verrá cedo!"

            6.ª. Apresentam grande simplicidade.

            7.ª. A narratividade.

            8.ª. A donzela (moça solteira) exprime a situação amorosa ou os seus dramas na relação com o amigo.

            9.ª. A donzela é uma moça simples, por vezes ingénua, mas enamorada.

            10.ª. O amor é um sentimento natural e espontâneo.

            11.ª. O ambiente é natural e familiar. A natureza surge muitas vezes como confidente e reflecte o estado de espírito da donzela.

            12.ª. São de origem autóctone, galaico-portuguesa, de carácter popular e de tradição oral.


Estética da cantiga de amigo (simbolismo)

            * A cantiga de amigo contém uma certa componente simbólica, metafórica:
                        - a luz remete para o deslumbramento do amor;
- os cervos do monte turvando a água significam as primeiras perturbações do amor;
- a noite: fugidia quando a donzela está com o amigo, interminável quando está sozinha;
- as aves que cantam: são indício de felicidade, de relação amorosa – o renascer contínuo do amor;
                        - as ondas do mar são traiçoeiras como o amor/amigo.

* Testemunhando e refletindo uma vida primitiva, a natureza surge personificada (as coisas, os animais), quase à maneira das sociedades primitivas.

* O vocabulário é pobre e a adjectivação convencional e repetitiva, recorrendo-se muito a uma certa sinonímia: a donzela é quase sempre louçana, velida, ben talhada, fremosa, fremosinha, mesurada, de corpo delgado, coitada, leda, bela, de bom parecer.

            * Domina o paralelismo vocabular, de construção e semântico.

* Apóstrofes, metáforas, repetições, anáforas, aliterações e inversões são as figuras de estilo mais frequentes.

* O trovador coloca na boca da donzela arcaísmos para recriar o aspecto antigo destes cantares da alma popular.

* O ritmo embalador de arte maior e a musicalidade impregnam estes cantares de grande encanto e ternura, para os quais contribui muito a alternância da vogal tónica em i e a, ou então na sua traquinice e garridice (ex.: "Sedia la fremosa seu sirgo lavrando").


O tempo na cantiga de amigo

            O tempo está presente em várias composições, integrando a menina na realidade quotidiana.

            . As albas evocam o despontar da aurora, bem perigosa para os namorados, e a donzela aconselha o amigo a ir-se depressa, não vão olhos curiosos criar-lhe problemas.

            . A noite surge misteriosa e convidativa ao amor, bem fugaz, quando está com o amigo, mas longa e angustiante, que parece nunca mais acabar quando ele não está e a donzela fica sozinha.

            . Daqui se conclui que o tempo aparece na sua dimensão psicológica, que se concretiza à noite e de manhã, a passar bem rápido quando a donzela está feliz com o amigo, ou lento e cruel quando ele se encontra ausente.


            . A Primavera.

O espaço da cantiga de amigo

            Enquanto na cantiga de amor não há lugar para a natureza porque a paixão domina, nada mais permite ao trovador ver e sentir o mundo exterior, tudo se resume a um grande queixume; na cantiga de amigo, a natureza surge como um quadro, um cenário, ou, personificada, como confidente ou mensageira da donzela. Podemos até afirmar que a natureza, frequentemente, participa das alegrias e tristezas da donzela, reflectindo o seu estado de espírito: se está feliz e enamorada, as avelaneiras estão floridas e até as aves cantam o seu amor; mas se o amigo partiu e a donzela ficou triste, os ramos onde as aves pousavam ficaram partidos e as fontes onde se banhavam e bebiam secaram.
            Dentro do espaço físico, há a destacar alguns componentes:
* a fonte: pretexto para se encontrar com o amigo e namorar;
* o adro da igreja: espaço procurado pelas donzelas para bailarem e namorarem;
* a praia / o mar: aí pergunta às ondas pelo amigo; triste e apaixonada, receia que ele não regresse;
* o rio: local onde decorrem os diálogos líricos com a mãe e onde encontramos a donzela ocupada com os trabalhos domésticos.
            A natureza está sempre presente e a donzela bem integrada em espaços/ambientes: é a fonte, é o Souto de Crexente, é no campo, junto dos pinheiros ou das avelaneiras, ou vai pelo caminho francês, ou está junto do rio ou a ermidas, ou parte contente em romaria. De facto, a Natureza possui muitos recantos convidativos ao amor.


Papel da Natureza:
- cenário;
- confidente;
- mensageira;
- comparticipante;
- hostil.


sábado, 18 de novembro de 2017

Classificação formal da cantiga de amigo

            * Cantigas de refrão.

            * Cantigas de mestria: cantigas que não possuem refrão ou estribilho

* Tenções: são cantigas dialogadas entre a donzela e a mãe, a irmã, a amiga ou o amigo.

* Cantigas paralelísticas perfeitas: cantigas com refrão em que a ideia expressa numa estrofe se repete na estrofe seguinte, substituindo-se apenas nos versos paralelos as palavras finais por sinónimos (incluem o leixa-prem).

* Cantigas paralelísticas imperfeitas: cantigas que não respeitam as regras do paralelismo perfeito.

            * Cantigas de finda (raras).


Classificação temática da cantiga de amigo

. Barcarolas ou marinhas: cantigas onde predominam os motivos marinhos (mar, ondas, praia, barcos...).

. Cantigas de romaria: cantigas que referem romagens/peregrinações a santuários.

. Albas, alvas ou serenas: descrevem encontros amorosos que ocorrem com a alvorada, de madrugada.

. Bailias ou bailadas: contêm referências a bailes.

            . Pastorelas: são cantigas postas na boca de pastores.
            Têm um carácter híbrido: contêm características da cantiga de amor e da cantiga de amigo, muito influenciadas pelas pastorelas francesas.
            O trovador afonsino integrou a pastorela no quadro da cantiga de amigo, à maneira da pastorela francesa.


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

As confidentes da cantiga de amigo

            A função do confidente é levar e trazer recados, ouvir os desabafos da donzela, conciliar namorados desavindos, aconselhar a tomada de decisões e justificar atitudes.

1.º. A mãe (ver papel da mãe).

2.º. A irmã (geralmente a mais velha, porque conhece bem as preocupações da donzela, dado que já as viveu, ou a mais nova, que lhe deve obediência): a donzela pede-lhe que a acompanhe ao local onde o amigo se encontra.

3.º. A amiga / vizinha.

4.º. A natureza (as flores, as ondas ...):
- a donzela desabafa com a natureza, que surge personificada, animizada, e pergunta-lhe pelo amigo;
- esta, condoída da menina, procura sossegá-la, afirmando-lhe que o amigo estará com ela antes do prazo combinado terminar (intermediária);
- a natureza pode também despertar na donzela a saudade, o amor; as ondas do mar tão traiçoeiras, como traiçoeiro pode ser o amigo, devem saber dele, e ela pergunta-lhes onde ele se encontra.

NOTA:
casos há em que a confidente acaba por querer roubar o namorado.


Papel da mãe na cantiga de amigo

            Os condicionalismos históricos ditaram a ausência do pai; com efeito, este acompanhava o rei ao fossado, isto é, na guerra contra os mouros. Ora, na ausência do marido, era a mulher quem assumia todas as responsabilidades da casa: podia vender e comprar, tinha de vigiar os comportamentos das filhas, etc. Quando o marido voltasse, cumpria-lhe prestar contas de tudo.
            A mãe desempenha um papel importantíssimo na cantiga de amigo e uma pluralidade de funções.

1.ª. Opositora / controladora:
* o namorado da filha não lhe agrada e ela opõe-se ao namoro;
* a mãe gostaria de ser ela própria a escolher o namorado para a filha.

2.ª. Conselheira:
* a mãe, sozinha e muito sobrecarregada, preocupa-se com a sorte da filha e, frequentemente, aconselha-a a não ir encontrar-se com o amigo, pois este partiu e não a quis ver;
* outras vezes interroga a filha, desconfia dela, porque tardou "na fontana fria"; ela desculpa-se com os cervos que turvaram a água, mas a mãe, experiente, não se deixa enganar;
* noutras ocasiões, a donzela pede à mãe para ir a uma romaria com as suas amigas, ou avisa-a apenas de que vai dançar;
* menos frequentemente, é a própria mãe quem incita a filha a ir bailar para que o amigo a veja ou mesmo a falar com ele;
* quando, apesar das suas advertências, não há já nada a fazer, a mãe aconselha a filha a não deixar o amigo e a procurá-lo nos lugares habituais.

3.ª. Confidente / amiga:
* a donzela desabafa com a mãe a sua "coita de amor" ou a sua preocupação (o prazo expirou e o amigo não voltou ainda, o que a deixa a morrer de amor);
* outras vezes queixa-se, "sanhuda", à mãe porque ele não veio ao encontro;
* mas, mesmo que o amigo lhe tenha mentido, ela esquece, porque morre de amores por ele, por isso não admite a crítica ou a censura da mãe por o ver de novo;
* noutras ocasiões, a donzela desabafa com a mãe: viu o amigo e não lhe falou, apesar de o amar; quer-lhe "mui ben", mas quis "armar-se em boa", como se queixariam os rapazes de hoje das "meninas convencidas". E ela está arrependida e morre de amores por ele;
* desabafa ainda a sua tristeza e preocupação pelo facto de o amigo andar no ferido, ou na pesca, e ela receia que ele pereça lá.
            Afinal, quem melhor do que a mãe compreende o que vai no coração da filha? Quem melhor do que a mãe sabe o que é a coita de amor?

4.ª. Medianeira:
* a donzela solicita a intercessão da mãe junto do amigo.


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