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domingo, 10 de janeiro de 2021

Epicurismo

 
            Epicuro foi um filósofo grego (nascido em Samos, em 341 a.C. e falecido em Atenas, em 271 a.C.).
            Após uma breve passagem por Atenas e Cólofon, criou um círculo de amigos em Mitilene (ilha de Lesbos) e em Lâmpsaco. Terá sido neste círculo que amadureceram as ideias que caracterizam a sua filosofia.
            Segundo o Epicurismo (a escola de filosofia fundada por Epicuro), a felicidade do Homem reside no prazer, sendo que este reconhecimento do valor insubstituível do prazer é independente e anterior a qualquer processo de justificação racional. O prazer está intimamente ligado à perceção e define-se como a ausência da dor em alguém que vive conscientemente.
            O prazer só pode aumentar até ao momento em que a dor é completamente afastada. A partir daí não há possibilidade de progressão. Quem assim vive pode conquistar a verdadeira independência e, através dela, a ataraxia ou estado de confiança proporcionado pelo gozo do prazer e ausência de dor e de qualquer perturbação. De entre os sentimentos humanos defendia que se deveria cultivar em especial a amizade.
            Epicuro e os seus discípulos enfatizaram a necessidade de eliminar dois fatores que estavam na origem de muitas perturbações não corporais: o medo dos deuses e o medo da morte. Os deuses não interferem nem se interessam pelos destinos dos homens. De resto, a física iria ensinar as leis básicas das coisas e dos acontecimentos. O medo da morte é igualmente infundado, dado que a alma é constituída por átomos muito finos, que se dispersarão quando, na morte, o invólucro do corpo deixar de os manter unidos. Assim, deixará de haver sensações e, portanto, prazer ou dor. Deste modo, a morte não deve ser temida, até porque, em rigor, não é um estado de nós mesmos.
 
ANTÓNIO Martins, «Epicuro» (texto adaptado)
 

domingo, 13 de dezembro de 2020

Análise dos capítulo X a XIV de A Guerra dos Tronos

 
Os presentes de casamento que Daenerys recebe revelam um pouco sobre cada uma das figuras que lhos ofereceram. Viserys oferta os seus escravos fornecidos por Illyrio e gaba-se de que nãos e trata de servos comuns, revelando, assim, todo o seu orgulho e egoísmo, apesar da sua incapacidade de comprar um presente para a irmã que ele vendeu para se casar. Jorah humildemente apresenta uma pilha de livros sobre a história dos Sete Reinos, escritos na Língua Comum. As obras refletem o seu desejo, compartilhado com Daenerys, de voltar para casa. Illyrio oferece-lhe três ovos de dragão fossilizados. Daenerys sabe que são muito caros, mas também tem consciência de que Illyrio poderia pagá-los facilmente. Os ovos são as formas imaturas e não nascidas dos dragões, o símbolo (ou “sigilo” na linguagem do romance) da família Targaryen. Ao oferecê-los a um Targaryen imaturo que acabou de se casar com um homem poderoso, Illyrio pode querer significar que espera grandes coisas de Daenerys. Ela tornar-se-á um dragão um dia. O último presente que lhe é dado, da parte de Dorog, é um cavalo de prata. Entre a tribo de cavalos Dothraki, a bela jovem fêmea pode ser um sinal de respeito ou uma ferramenta necessária para cavalgar com a tribo.

Ned, nesta fase, já percebeu que Robert não é mais o homem que conhecia, e as suas interações na estrada do rei destacam algumas das diferenças entre eles. A decadência e a moralidade frouxa de Robert fazem sobressair o comportamento sério de Ned e a adesão rigorosa a princípios como a lealdade e a justiça. Enquanto Robert ri rápido e aproveita os prazeres da vida, Ned é severo e reservado. O traço mais importante, porém, tem a ver com o facto de os dois homens terem conceitos de justiça drasticamente diferentes. Robert parece ser mais tolerante em relação ao desejo de Jorah de retornar a Westeros, mas o compromisso de Ned com o dever e a honra não o deixará perdoar o homem. No entanto, Ned pode perdoar os filhos Targaryen pelos crimes da sua família, enquanto Robert prefere perseguir e matar o último membro da família dos seus inimigos. Por outras palavras, Robert julga os indivíduos pelas ações da sua casa e família mais amplas e, portanto, um Mormont merece perdão por um crime e um Targaryen merece a morte, mesmo que ele ou ela não tenham feito nada de errado. Ned julga os indivíduos pelas suas próprias ações. Embora Robert e Ned tenham sido criados juntos, os dois homens atuam como contrapesos um do outro.

A observação de Tyrion sobre a aversão das pessoas a enfrentar verdades difíceis aplica-se a outras personagens, nomeadamente as principais, além de Jon Snow. Robert não quer admitir que Ned tenha motivos válidos para desconfiar dos Lannister e, por isso, opta por não ver os sinais claros da sua traição. Ned, entretanto, tem dificuldade em admitir que Robert se tornou um governante injusto, embora isso seja claro para si. Tyrion, por outro lado, é extremamente honesto consigo mesmo e com os outros, confrontando as suas verdades difíceis e apontando as homónimas com as quais vê os outros lutar. Através dos seus olhos verdes e pretos, Tyrion vê as coisas como elas são, seja literalmente dando uma bofetada em Joff ou lembrando a Jon que é um recruta bastardo entre os fora-da-lei. Essa clareza de visão serve-lhe bem, e o romance sugere que talvez seja a sua maior virtude. Isso permite-lhe conhecer os seus pontos fracos, mas também os fortes, que ele pode usar em seu proveito. Também reitera o motivo da visão: quando Tyrion pergunta a Jon o que vê quando olha para ele, Jon responde que vê Tyrion Lannister, ao invés de dizer algo sobre ter visto um anão ou um homem pequeno. Ao fazer isso, a conversa de Jon e Tyrion baseia-se no vínculo simbólico entre a visão e a verdade que foi introduzido pela luneta que Lysa Arryn enviou a Winterfell.

Ao lado da cama de Bran, Catelyn enfrenta o seu próprio conflito entre amor e dever. Enquanto Ned escolheu o seu dever de servir a Robert ao invés do amor pela sua família, Catelyn escolheu o amor por Bran, em detrimento dos deveres como chefe da família Stark. Ela negligencia tudo para ficar com Bran, permitindo que a administração do dia-a-dia da casa desmorone, até que Robb se voluntaria para assumir essa responsabilidade. Apenas o atentado contra a vida de Bran a traz de volta aos seus sentidos, levando-a a deixar Bran e navegar para Porto Real para avisar o marido. Significativamente, são as mãos de Catelyn que são feridas quando ela luta contra o assassino que tenta matar Bran. As mãos são um símbolo do dever no romance, exemplificado no papel de Ned como Mão do Rei. O principal dever de Catelyn, do seu ponto de vista, é proteger a família, e as suas mãos feridas parecem fazê-la perceber que não estava a cumprir esse dever. A partir daí, a sua prioridade muda e, como Ned, resolve cumprir o seu dever, por mais incómodo que seja. Quando ela parte para Porto Real, diz a Robb que abandona Bran para proteger a família.

 

Análise de A Guerra dos Tronos





III. Ação / Enredo

          1. Resumo

          2. Capítulos
               . Prólogo:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo I:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo II:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo III:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo IV:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo V:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo VI:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo VII:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo VIII:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo IX:
                    - Resumo.
                    - Análise.
               . Capítulo X:
                    - Resumo.
               . Capítulo XI:
                    - Resumo.
               . Capítulo XII:
                    - Resumo.
               . Capítulo XIII:
                    - Resumo.
               . Capítulo XIV.
                    - Resumo.
                    - Análise dos capítulos X a XIV.
               . Capítulo XV:
                    - Resumo.


IV. 

Resumo do capítulo XIV de A Guerra dos Tronos

 
De volta a Winterfell, Robb oferece-se para cuidar dos assuntos do castelo enquanto Catelyn vigia Bran. Subitamente, Robb apercebe-se que um prédio próximo está em chamas e sai para ajudar. Assim que parte, um homem entra na sala com uma adaga para assassinar Bran. Catelyn protege-o, agarrando a adaga com as próprias mãos, até que o lobo gigante de Bran aparece e mata o assassino. Mais tarde, Catelyn acorda com as mãos enfaixadas. Ela sente-se envergonhada por causa do modo como negligenciou tudo, exceto Bran. Catelyn sabe que este era um escalador habilidoso, que Jaime não se juntou à caça de Robert no dia da queda de Bran e que o assassino carregava uma arma muito mais cara do que cabia a um homem com a sua roupa e aparência. Ela conclui que os Lannisters empurraram Bran da torre e tentaram assassiná-lo, porque o jovem havia tomado conhecimento de algo que não deveria. Ela e Rodrik partem para Porto Real para avisar Ned.

Resumo do capítulo XIII de A Guerra dos Tronos

 
Na jornada para norte em direção à Muralha, Tyrion e o resto do grupo juntam-se a Yoren, um homem da Patrulha da Noite, e dois estupradores condenados que se estão a juntar à Patrulha em vez de permanecerem na prisão. Jon pergunta por que razão Tyrion lê tanto, e este explica-lhe que lê porque, como um anão, a sua mente é a sua única arma. Tyrion fala sobre a sua família e como ele fantasiou sobre as mortes do seu pai, Tywin, e da sua irmã, Cersei, quando ele era mais jovem. Tyrion nota que a Patrulha da Noite é composta pela escória da sociedade e não é o nobre que Jon pensava que era. Embora este discorde no início, admite que Tyrion está certo. Este elogia a honestidade do jovem, dizendo "A maioria dos homens prefere negar uma verdade dura do que enfrentá-la."

Resumo do capítulo XII de A Guerra dos Tronos

 
Enquanto percorre a estrada em direção ao sul de King's Landing, Robert diz a Ned que Jorah lhe enviou notícias do casamento de Daenerys. Cinco anos antes, Jorah violou a lei ao vender caçadores furtivos como escravos, mas fugiu pelo mar oriental antes que Ned o pudesse capturar para o sentenciar. Jorah agora serve como espiã para obter o perdão. Robert quer assassinar Daenerys e Viserys pelos crimes da sua família, mas Ned discorda. Robert lembra a este o modo como Rhaegar Targaryen, irmão do ex-rei, estuprou Lyanna e como Aerys matou o irmão mais velho de Ned, Brandon. Robert teme que, quando os filhos Targaryen crescerem, naveguem pelo Mar Estreito com um exército Dothraki. Ned diz a Robert que os Dothraki nunca navegarão e que a traição dos Lannister é uma ameaça muito mais imediata e realista. Ele lembra Robert de como os Lannisters traíram o último rei, Aerys Targaryen.

Resumo do capítulo XI de A Guerra dos Tronos

Em Pentos, Jorah Mormont jura lealdade a Viserys na noite em que Daenerys se casa com Drogo. Viserys está impaciente para comandar um exército fornecido por Drogo e, assim, possa reivindicar o Trono de Ferro de Westeros.
Durante o casamento, Daenerys esforça-se ao máximo para esconder o seu terror; enquanto isso, o povo Dothraki festeja, bebe, dança e faz sexo em público, como é seu costume. Como presentes de casamento, Viserys dá a Daenerys três servas de Illyrio, Jorah oferta os seus livros de Westeros e Illyrio três ovos de dragão antigos, que se transformaram em pedra. Por seu turno, Drogo presenteia-a com um lindo cavalo de prata. Antes de Daenerys e Drogo partirem ao pôr do sol, Viserys ameaça a irmã e ordena-lhe que agrade a Drogo. Quando chega a hora de consumar o casamento, Daenerys considera Drogo mais gentil do que ela esperava.
 

Resumo do capítulo X de A Guerra dos Tronos

 
Duas semanas após a queda de Bran, o grupo real está prestes a deixar Winterfell para King's Landing. Jon, enquanto isso, prepara-se para seguir para o norte, em direção à Muralha. Catelyn está ao lado da cama de Bran dia e noite desde que ele caiu e entrou em coma. Jon enfrenta o seu desprezo para se despedir de Bran, e Catelyn diz àquele que ele deveria ter caído da torre. Antes de partir, Jon abraça Robb e dá a Arya uma espada que ele havia feito para ela como presente de despedida. É muito fina e leve, e Arya decide batizá-la de Needle, uma piada que traduz o seu ódio pela costura. Jon dá ainda a Arya a sua primeira lição: diz-lhe para perfurar os seus inimigos com a ponta pontiaguda da espada.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A Cor do Dinheiro - 10/12/2020

A nostalgia da infância em Fernando Pessoa

 A nostalgia da infância

. A nostalgia constitui um conceito diferente da saudade (por exemplo, a saudade de alguém ausente). O sentimento da nostalgia é a lembrança de uma felicidade longínqua e aparentemente perdida, como se o passado fosse, por natureza, melhor do que o presente.

. Por outro lado, a infância é um motivo literário muito antigo e diretamente associado a valores como a pureza do ser humano e a inocência que o estado adulto já não permite. Encarada como uma espécie de paraíso perdido, a infância provoca muitas vezes atitudes nostálgicas.

. A decetividade que caracteriza o presente do eu lírico leva-o frequentemente a manifestar-se nostálgico em relação à infância.

. O tempo da infância, porém, é idealizado, sendo apresentado como um símbolo da inconsciência, ingenuidade, inocência e felicidade (ou seja, uma época dourada que se associa à ausência da dor de pensar) e do sonho (isto é, do refúgio num mundo de fantasia que permite ao eu libertar-se das amarras da realidade).

. Insatisfeito com o presente e incapaz de o viver em plenitude, o eu poético refugia-se numa infância idealizada, regra geral, desprovida de experiência biográfica e submetida a um processo de intelectualização. De facto, trata-se de uma nostalgia imaginada, intelectualmente trabalhada e literariamente sentida.

. O próprio eu tem consciência de que a infância é uma época idealizada, visto que, na realidade, nem enquanto era criança ele parece ter sido feliz: “E toda aquela infância / Que não tive me vem, / Numa onda de alegria / Que não foi de ninguém” (poema “Quando as crianças brincam”).

. Deste modo, a evocação da infância não passa de uma tentativa infrutífera de evasão da melancolia do presente através de um passado que, porque concebido apenas ilusoriamente como um paraíso perdido, acaba por não permitir ao eu libertar-se da tristeza, do tédio e da angústia que o atormentam.

. Para Pessoa, a infância é o passado irremediavelmente perdido, o tempo longínquo em que era feliz sem saber que o era, o tempo em que apenas sentia, inconsciente daquilo que sentia, sem pensar. Era o tempo em que ainda não procurava conhecer-se e, por isso, era um ser uno, não fragmentado em diversos «eus».

. A passagem da infância à idade adulta não é um processo evolutivo e tranquilamente natural; pelo contrário, é um processo de rutura, de corte, de morte: “A criança que fui vive ou morreu?”. Frequentemente, sente-se habitado por «outro», diferente da criança que foi: “Sou outro? Veio um outro em mim viver?”.

. Assim, o passado e o presente opõem-se, não se complementam. O passado – da infância – é alegria, felicidade inconsciente, enquanto o presente é nostalgia, ânsia, desconhecimento de si mesmo e do futuro.

 

Sonho e realidade em Fernando Pessoa

 Sonho e realidade

. Quando falamos de sonho, podemos referir-nos a duas dimensões. Por um lado, sonho, em sentido literal, refere-se à vivência, por alguém adormecido, “de recordações ou de traumas que nesse mundo (chamado onírico) se manifestam, às vezes de forma aparentemente incoerente ou até absurda.” Por outro lado, “o sonho pode referir-se também ao chamado «sonhar acordado»”, ou seja, aos projetos orientados para um futuro que há de vir. Nesse futuro, o que foi sonhado (isto é, desejado) vem a realizar-se ou não.

. Pessoa faz contrastar o sonho e a realidade. O eu lírico não encontra a felicidade na realidade do quotidiano, porque é dominado pela frustração, pelo vazio ou pelo tédio existencial. Então, idealiza o sonho, onde acredita conseguir realizar-se e atingir a plenitude, a felicidade ou o equilíbrio.

. Na sua poesia, o mundo do sonho (o espaço onírico) não funciona como forma de evasão ou escape, mas como um lugar onde o eu acredita que pode recuperar uma experiência perdida (a da infância) ou ser o que não se é no mundo “real”.

. O eu sonhado não é uma outra pessoa; é, sim, uma outra faceta do eu lírico: “Não sei se é sonho, se realidade”. O sujeito sente-se, pois, dividido entre o que é “realmente” e o que desejava ser. Está simultaneamente presente nestes dois mundos: nós somos, de facto, a realidade e sonho que sonhamos; ou, recorrendo às palavras de Shakespeare, “Nós sonhos a matéria de que são feitos os sonhos”.

. Se, na situação anterior, não há uma distinção clara entre o real e o onírico, noutros caso o eu lírico crê que ele próprio se encontra na fronteira entre estes dois mundos: “Entre mim e o que em mim / É o que eu me suponho / […] corre um rio sem fim”.

. No sonho, o eu lírico começa por se imaginar outro, um eu idealizado. Esse eu sonhado pode viver num outro espaço (uma ilha, um país, um palácio) onde, num primeiro momento, tudo parece perfeito e ele acredita ter encontrado a felicidade e a harmonia: “Ali, ali [na ilha do sonho] / A vida é jovem e o amor sorri.”. No entanto, num segundo momento, após uma reflexão mais atenta, o sujeito lírico constata que esse estado de perfeição é ilusório e que o sonho não é solução para os problemas existenciais que o minam: “Ah, nessa terra também, também / O mal não cessa, não dura o bem”.

. Assim sendo, o sonho não resolve as insatisfações e as ansiedades do eu lírico. Isso sucede porque o sonho é uma ilusão ou porque não é resposta para os problemas que se geraram: o tédio, o vazio existencial, as saudades da infância perdida.

. Por outro lado, o sonho pode ser, muitas vezes, uma forma de evasão para um eu poético que se sente prisioneiro no interior de si mesmo: “Quem me amarrou a ser eu / Fez-me uma grande partida. // Debaixo deste amplo céu, / Nem tenho vinda nem ida”.

. O poeta “passou a sua vida” a pensar e a sonhar. De facto, autoanalisa-se, recorrendo permanentemente ao pensamento, tentou iludir a vida através dos sonhos, mas, porque se entregou intensamente ao pensamento e se virou para o sonho, acabou por se separar do mundo e não atingiu a felicidade.

. Em “Não sei se é sonho, se realidade”, o poeta manifesta a esperança de alcançar a felicidade através do sonho, no entanto acaba por duvidar da possibilidade de viver tal forma de felicidade. E conclui mesmo que é impossível vivenciar a felicidade no sonho, pelo caráter efémero do bem e permanente do mal, o que gera um grande desânimo e desilusão.

. No final, o eu poético conclui que não é no sonho, de facto, que podemos encontrar a felicidade, mas no íntimo, no interior de cada ser humano.

. No poema “Entre o sono e o sonho”, o eu poético apresenta-se dividido entre aquilo que é, na realidade, e o que desejava ser no sonho. O real é pautado pela inatividade e pela inércia, enquanto o mundo onírico se caracteriza pela idealização, pelo que o eu desejaria ser. O «rio» constitui, no poema, a fronteira que separa a realidade do sonho; enquanto aquele flui, o eu está parado. Sempre que o eu se tenta aproximar da realidade, o rio já passou, pelo que nunca é possível aproximar o eu real do eu sonhado.

 

A dor de pensar em Fernando Pessoa

 A dor de pensar

. O pensamento permite ao homem ter consciência da sua existência (logo, na perspetiva de Fernando Pessoa ortónimo, aqueles que pensam são superiores aos inconscientes).

. Contudo, o pensamento sistemático, a razão omnipresente provoca a dor de pensar no eu, dor essa que decorre de uma tendência permanente para refletir sobre a realidade e para intelectualizar as suas emoções (terá sido mero acaso o facto de Pessoa, em “Autopsicografia”, ter selecionado a dor como exemplo da sua teoria poética?).

. O poeta tem consciência de que existe um enorme fosso entre aquilo que sente e o que pensa que sente, ou seja, está consciente de que não consegue exprimir o que realmente sente, o que gera nele angústia. Esta constatação leva-o a desejar não pensar.

. A dor de pensar – de ser lúcido – é a consequência da constante racionalização das emoções, da análise, da abstração. A intelectualização excessiva causa sofrimento, dor, angústia e frustração. De facto, o poeta sofre, porque é incapaz de se libertar da razão / do pensamento permanente e omnipresente, que o leva sistematicamente a refletir sobre a realidade e a intelectualizar as suas emoções. Assim sendo, torna-se impossível desfrutar da sua vida e vivências.

. O poeta apresenta-se angustiado e abúlico, centrado sobre si mesmo, sofrendo a dor de pensar, a distância entre o sonho e a realidade e, sobretudo, dividido entre a inconsciência e a consciência, entre o sentir e o pensar, numa tentativa de ultrapassar a infelicidade e a angústia geradas pelo pensamento.

. Para ultrapassar a dor de pensar, o poeta deseja ser inconsciente e apenas sentir. É o que sucede nos poemas “Ela canta, pobre ceifeira” e “Gato que brincas na rua”, bem como em “A lavadeira no tanque”, nos quais ele exprime o desejo de ser inconsciente como a ceifeira ou irracional como o gato, para, assim, fugir à dor de pensar e ser feliz.

. No entanto, o eu acredita que aquele que não pensa, que é inconsciente, não pode ser verdadeiramente feliz, visto que não tem consciência da sua suposta felicidade. Assim sendo, a tentativa do poeta de ser libertar da dor de pensar acaba por redundar em fracasso.

. Em “Ela canta, pobre ceifeira”, manifesta, de facto, o desejo de ser inconsciente (como o gatou ou a ceifeira), mas tendo consciência disso. Porém, este desejo é um paradoxo, é impossível de concretizar, o que mostra que é impossível libertar-se da dor de pensar e, consequentemente, que a tentativa de alcançar a felicidade é igualmente impossível de se concretizar. Com efeito, o poeta aspira à vida instintiva e dirige-se à ceifeira, encantado pelo seu cantar, exprimindo a aspiração impossível de ser conscientemente inconsciente.

. A ceifeira e o gato são felizes, porque não pensam, enquanto o poeta não alcança a felicidade porque é racional.

 
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