A composição poética constrói-se, em
parte, a partir da anáfora dos versos 1 a 5 (“Se” / “se”) e da repetição da
expressão “boa menina”, que traduzem o contraste entre o ponto de vista do
mundo adulto e o do mundo infantil e a incompatibilidade que existe entre
ambos.
Por outro lado, o poema configura
uma espécie de diálogo entre o sujeito poético – um adulto – e uma criança,
sendo que os versos 1, 2, 5 e 6 contêm as “falas” do primeiro e os 3, 4 e 7, as
do segundo.
A figura adulta oferece uma
recompensa a uma criança (e dar em seguida), se ela se comportar bem (“Se fores
boa menina”) e agir de acordo com o padrão estabelecido pelas pessoas adultas.
De seguida, o sujeito poético dá conta de que a menina recebeu o seu presente:
um periquito azul. No entanto, ela deixa-o escapar, pois esqueceu-se da porta
da gaiola.
A partir deste «episódio», mostra o
contraste existente entre os pontos de vista adulto e infantil, evidenciando as
lógicas diferenciadas que caracterizam os dois mundos. Se, à primeira vista, o
adulto exerce o seu papel de educador, já que parece estar preocupado com a
formação e educação da menina, alertando-a para as atitudes que adotar e evitar
para se tornar uma “boa menina”.
Por outro lado, podemos ler a fala
inicial do adulto como uma forma de chantagem: ele só dará o presente se a
menina obedecer às suas ordens/seguir os seus conselhos e se comportar de determinado
modo, ideia sugerida pelo uso do conectivo condicional «se» e pela variação de
tempos verbais, nomeadamente no modo conjuntivo, no futuro (“se fores”) e
pretérito imperfeito (“se tivesse”). O modo conjuntivo sugere a dúvida que o
sujeito poético tinha relativamente à conduta da menina, isto porque, antes
mesmo de ter dado o pássaro, o adulto já desconfiava dela, visto que, segundo
ele, se a menina tivesse sido boa menina, a ave não teria fugido. Assim sendo,
a recompensa dada pode ser interpretada como uma espécie de manobra por parte
do adulto, já que as suas suposições relativamente à criança se confirmaram:
ela não fora mesmo “boa menina”.
Por oposição, a fala da criança
traduz a sua certeza, visto que está convicta de que foi boa menina, ideia
traduzida pelo emprego de formas verbais no pretérito perfeito do modo
indicativo (“eu fui”). A mudança do modo conjuntivo, presente nas falas do
adulto, para o indicativo, característico das da criança, traduz o contraste de
pontos de vista e o seu inconformismo. De facto, para ela, o facto de ter
deixado, por descuido, a porta da gaiola aberta, não justifica o julgamento do
adulto, isto é, não compreende a razão por que não pode ser considerada uma “boa
menina”. O ato de abrir, sem querer, a porta da gaiola, não pode servir como
único determinante da sua conduta.
Há, aqui, uma espécie de conflito
quanto ao comportamento ético: o esperado pelo adulto e a conduta efetiva dela.
As regras impostas pelos adultos devem ser seguidas e cumpridas, o que faz com
que o presente que a criança tinha recebido deveria ter sido preservada com todo
o cuidado, o que faz com que o pássaro que se encontrava preso numa gaiola é,
de acordo com os parâmetros estabelecidos pelos adultos – e, no fundo, da sociedade
em geral, que dita as regras –, um indício de mau comportamento, já que as normas
do bom comportamento não foram observadas.
Todo o poema é percorrido pela
ironia, presente, desde logo, na expressão “boa menina”. Para o adulto, a sua
conduta configura o oposto: ela é uma “má menina”. Porém, ele não usa o
antónimo “má”, o que pode configurar uma forma de maldade por parte daquele,
dado que a ideia que a criança tem de “boa menina” se distancia da que está
presente na mente do seu interlocutor. Por outro lado, a repetição faz
ressaltar as noções de bondade e maldade. Em última análise, o poema questiona
quem pode ser realmente mau: o adulto, por causa da forma como recriminou a
menina, ou esta por não ter cumprido adequadamente o seu dever?