Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer
Esta composição poética tem como
tema o ato de escrita, definido a partir de uma comparação estabelecida entre o
poeta e um pescador que pretende “apanhar um peixe / com as mãos”.
Segundo o sujeito poético, o poeta
necessita de ter atenção e cuidado com as palavras, tal como o pescador
necessita de muita atenção para pescar o peixe.
A metáfora do peixe traduz o
trabalho necessário durante o ato de escrita, visto que as palavras, “agindo
como peixes”, são escorregadias e fugidias. O instrumento do pescador é a cana,
enquanto o do poeta são as palavras, pelo que é necessário que o sujeito esteja
sempre atento a elas. Para que a palavra não escape das suas mãos, é preciso
ter cuidado em cada movimento, a cada verso. Tal como o pescar à mão é
complexo, pois o peixe “debate-se / tenta escapar-se / escapa-se”, o poeta
necessita também de persistir e lutar com as palavras para elaborar o poema.
A ideia de luta é traduzida também
pela estrutura formal do poema. De facto, a composição é constituída por uma
única estrofe, constituída por 23 versos alternados, contribuindo, assim, para
a construção da imagem de um peixe que, no instante em que parece estar preso
entre as mãos do pescador, logo de seguida parecer escapar. Esta imagem é,
pois, sugerida pela alternância de versos curtos (a maioria dos ímpares) e longos
(os pares), bem como à concentração de versos mais pequenos, constituídos, no
máximo, por três palavras, ocupando uma posição central no poema (versos 7 a
13).
Deste modo, o sujeito poético sugere
que o poema é o resultado de um trabalho árduo, que demanda esforço físico (“eu
persisto / luto corpo a corpo / com o peixe”) e paciência. Esta luta constitui
uma espécie de questão de vida ou morte.
Assim, para o poeta, que luta com as
palavras, existe apenas uma saída: a morte ou a salvação – “ou morremos os dois
/ ou nos salvamos os dois”. No fundo, o que está em causa neste poema é o ato
de escrita poética, temática abordada por diferentes escritores, sendo o mais
célebre Fernando Pessoa e o seu “Autopsicografia”. Durante esse ato, o sujeito
poético/poeta necessita de estar atento e concentrado e ser persistente, já que
as palavras são escorregadias, como a imagem do peixe sugere, o que implica a
tal atenção, precaução e persistência.
Por outro lado, estas imagens vêm
realçar a importância do trabalho com as mãos no ato de criação poética/artística,
que exige uma determinada agilidade manual. Com efeito, o poeta necessita de
selecionar adequadamente as palavras, as quais constituem a sua matéria-prima,
que se materializam e tornam concretas quando são postas no papel. Tudo isto
evidencia o “jogo perigoso” em que o poeta se vê envolvido durante o ato de
criação poética, bem visível na imagem sôfrega de alguém a tentar apanhar um
peixe com as mãos, o qual teima em escorregar e tentar escapar-lhe.
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