Português

sábado, 10 de setembro de 2022

A fase arcádica de Gregório de Matos


    Se, por um lado, a poesia de Gregório de Matos se inseria nos cânones barrocos que tratavam assuntos não ligados à terra, por outro lado, a sua poesia chega a apresentar aspetos cronísticos. Esta é a vertente realista do Barroco. ou melhor, da sátira. A poesia satírica de Gregório está ligada à feição cronística.
    No entanto, vamos também encontrar essa vertente satírica de Gregório na fase seguinte, fase esta que convive com o Barroco, mas que o sucede. Ou seja, esta nova fase, embora surja quando o Barroco ainda manifesta um certo vigor, apresenta uma vitalidade diferente e própria. É o Arcadismo. O Barroco brasileiro estendeu-se por um longo período de tempo, daí ter convivido com o Arcadismo.
    Com este novo movimento, há uma mudança de eixo na poesia. Durante o período colonial, a cultura centra-se no Nordeste brasileiro (Baía e Recife); agora, com a descoberta do ouro, o eixo da produção poética, que vai estar em consonância com a economia, desloca-se para Minas Gerais. Há também uma produção que começa a surgir no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Isto acontece também por causa da produção aurífera, pois são os portos destas cidades que escoam o ouro para Portugal. O deslocamento do interesse cultural não é originado apenas pela fundação de novas cidades em Minas Gerais, mas também porque as pessoas ricas se centram aí e mandam os seus filhos estudar na Europa, sobretudo em Coimbra. Vamos, assim, encontrar aqui mais brasileiros que no tempo de Gregório de Matos. Entre eles, encontramos Cláudio Manuel da Costa, um brasileiro que foi importante num movimento que eclodiu em Minas.
    Com a deslocação do eixo da economia, Portugal começou a viver, não da produção do Nordeste, mas sim da aurífera. Os exploradores brasileiros tinham de pagar impostos aos portugueses. No fim do século XVIII, o ouro começa a escassear, mas os impostos continuam. Assim, os brasileiros que estudaram em Portugal e os portugueses ligados à exploração aurífera colocaram-se contra a derrama, um imposto. Entre os revoltosos contam-se Cláudio Manuel da Costa e Tomaz António Gonzaga (português que estava no Brasil). Além destes, houve uma outra figura que não era portuguesa nem tinha estudado em Coimbra: Joaquim José da Silva Xavier (conhecido por Tiradentes). Acresce ainda o português José Joaquim dos Reis. Estes e outros revoltaram-se contra a referida derrama. Surgiram, então, uns versos satíricos chamados "As cartas chilenas", que comparavam a exploração do Chile à situação mineira. O seu autor parece ter sido Tomás A. Gonzaga.
    Mas além destes versos, este grupo fez coisas concretas: pensavam que, no dia da derrama, não só não pagariam, como proclamariam a independência. Tinham inclusive uma bandeira com um lema latino:

    Este movimento chamou-se Conjuração Mineira / Inconfidência Mineira e foi abortado por Joaquim dos Reis, que descobriu que conseguiria mais favores da coroa se denunciasse os companheiros e assim o fez. Foram todos presos em pleno reinado de D. Maria I (1789): Cláudio Manuel da Costa foi preso e suicidou-se na prisão; Tomaz Gonzaga foi deportado para Moçambique; mas quem assumiu toda a culpa foi Tiradentes, que foi enforcado e esquartejado (1792) e os seus restos foram jogados na estrada desde o Rio de Janeiro até Minas Gerais, para servir de exemplo. Os poetas que aderiram ao movimento ficaram conhecidos como os Intelectuais da Conjuração.
    A sátira não era o forte destes poetas, com exceção de "As Cartas Chilenas", por causa da censura e porque a sátira não era o forte dos árcades. A poesia arcádica, em geral, não retrata uma realidade vivida, mas uma realidade imaginada. Daí que eles até adotassem nomes arcádicos.
    No Brasil, as Academias barrocas que proliferaram na Baía e no Rio de Janeiro acabaram por conviver com outras Academias de tipo árcade: as Arcádias. Nelas participaram autores como Cláudio Manuel da Costa e Tomaz Gonzaga.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

HM Queen Elizabeth II (II)


Marco de Angelis

 

HM Queen Elizabeth II (I)


Ben Jennings

 

Isabel II: the Queen is dead!


Denis Fildes, Her Majesty The Queen Elizabeth II (1962)

 1926 - 08.09.2022

A escola do século XIX em imagens - IX


Nicolay Bogdanov-Belsky, Cálculo mental na escola pública (1895)

    Esta interessante pintura russa retrata, de modo pouco habitual, a sala de aula: em vez de alunos alinhados nas suas carteiras, eles aglomeram-se, pensativos, em torno do quadro preto e da figura tutelar do professor. O que fazem? Tentam resolver, mentalmente, um problema matemático que o professor lhes colocou.

    Esclareça-se antes de mais que este docente não corresponde à figura convencional do mestre-escola em atividade nas escolas rurais oitocentistas. Trata-se de Sergey Rachinsky, um professor universitário de Botânica que a dada altura largou a vida académica em Moscovo para se tornar professor numa pequena cidade, onde não se limitava, como aqui se vê, a “dar a matéria”, mas se empenhava, através de desafios colocados aos seus alunos, em fazê-los pensar.

    Além desta mensagem clara que a pintura transmite – a escola pública deve desafiar os alunos, retirando-os da zona de conforto do facilitismo e da falta de exigência, exigindo-lhes esforço para aprender e colocando-lhes desafios que os façam desenvolver todo o seu potencial – há uma outra ideia pertinente que, quando a diminuição das qualificações exigidas para dar aulas está na ordem do dia, é importante salientar: o professor não precisa de saber apenas a matéria que ensina aos alunos. A sua preparação deve ser bem mais vasta e abrangente. A qualidade da formação científica e pedagógica dos professores é, mais do que avaliações do desempenho burocráticas e vexatórias, a melhor garantia que podemos ter em relação à qualidade da escola pública.

Fonte: Escola Portuguesa.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Biografia / Vida de Aquilino Ribeiro


             Aquilino Ribeiro nasceu em Sernancelhe, freguesia de Carregal de Tabosa, distrito de Viseu, na Beira Alta, a 13 de setembro de 1885 e faleceu em Lisboa, a 27 de maio de 1963, após uma doença rápida, tendo os seus restos mortais sido trasladados para o Panteão Nacional em setembro de 2007, 44 anos após a sua morte. Era filho de Mariana do Rosário Gomes e do padre Joaquim Francisco Ribeiro e teve uma infância, ao que se sabe, de uma criança bastante travessa, a tal ponto que ainda recentemente era possível encontrar nessa zona quem tivesse ouvido contar histórias picarescas de um menino destinado pela família à vida de sacerdócio.

            A sua vida, tal como a de muitas das personagens a que deu vida, foi movimentada e aventurosa. Aos 10 anos, mudou-se com os pais para a aldeia de Soutosa, concelho de Moimenta da Beira, onde passou grande parte da infância. Estudou na escola de Soutosa e, seguidamente, no Liceu de Lamego, onde fez os estudos preparatórios, mais tarde em Viseu, em 1902, onde estudou Filosofia e Teologia. A pedido da sua mãe, entrou para o Seminário de Beja, onde fez apenas o primeiro e parte do segundo ano de Teologia, dado que não vocação religiosa. Em 1904, foi expulso do seminário, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do Padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que dirigiam a instituição na época.

            Em 1906, encontramo-lo em Lisboa, onde inicia a sua longa carreira de jornalista, com artigos de opinião (e princípio de um romance em folhetins – A Filha do Jardineiro) publicados em jornais como A Vanguarda, uma publicação republicana, o Jornal do Comércio, O Século (do qual foi, mais tarde, correspondente em Paris), A Pátria, Ilustração Portuguesa e o Diário de Lisboa. Dedicou-se também à tradução (traduziu, por exemplo, Il Santo, de Fogazzaro) e à redação, em colaboração com José Ferreira da Silva, do folhetim A Filha do Jardineiro, uma ficção simultaneamente de propaganda republicana e de crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, incluindo o próprio rei D. Carlos. Além disso, foi um dos fundadores da Seara, onde também colaborou, escreveu em revistas como Homens Livres e Lusitânia e, juntamente com outros intelectuais seus amigos, entre os quais Raul Proença, constituiu-se como um dos animadores da publicação do Guia de Portugal.

            Verdadeiro homem de ação, um tipo social muito exaltado no início do século XX, aderiu ao movimento republicano, pelo qual se bateu, quer através da escrita, quer através da participação em iniciativas que acabaram por o levar à prisão. De facto, em 1907, foi acusado de bombista por causa do rebentamento de uns caixotes de explosivos que guardara no seu quarto e que levaram à morte de dois correligionários seus e detido na esquadra do Caminho Novo por fazer parte do Partido Republicano, de onde se evadiu em circunstâncias recambolescas, como se pode ler num volume de memórias. Chegou mesmo a correr um boato segundo o qual Aquilino teria sido, em 1908, a «terceira carabina», aliás inútil, já que os dois regicidas tinham levado a cabo a sua função de forma exemplar. Fugiu, portanto, da prisão e, após alguns meses de clandestinidade em Lisboa, refugiou-se em Paris, tendo frequentado na Sorbonne o curso de Filosofia e Sociologia. Aí, foi ensinado por mestres como George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl e Durckeim, e contactou com a intelectualidade portuguesa que, igualmente por razõees políticas, se exilara fora de Portugal. Além disso, conheceu Grete Teidemann, a sua primeira mulher, com quem foi residir e casou na Alemanha, tendo o seu primeiro filho nascido, porém, em Paris. Visitou brevemente Portugal em 1910, depois de proclamada a República, tendo regressado em definitivo no ano de 1914, depois da eclosão da Primeira Guerra Mundial, deixando incompleto o curso de Filosofia, que abandonou já depois de se ter matriculado no quarto ano, como se pode comprovar pela consulta dos registos guardados no Centre d’Accueil et de Recherche des Archives Nationales de Paris.

            Em Portugal, nunca descurando o seu trabalho de escritor (escrita ficcional e cronística para a imprensa periódica, uma atividade que desenvolveu de forma regular ao longo de toda a vida), exerceu a carreira de professor no Liceu Camões durante três anos e foi, posteriormente, segundo bibliotecário – mais tarde conservador – na Biblioteca Nacional, para onde entrou a convite do amigo Raul Proença. Esta função, entre outras vantagens, deu-lhe a possibilidade de alimentar o seu amor pelos livros antigos e raros, um gosto que o levou a produzir trabalhos de investigação, publicados, por exemplo, nos Anais das Bibliotecas e Arquivos, e que se refletiu também na sua produção literária, de que é exemplo o seu primeiro romance, A Via Sinuosa. Além disso, como já foi referido anteriormente, fez parte de um grupo de intelectuais que desenvolveu uma significativa atividade cívica e cultural que teve a sua expressão mais visível na revista Seara Nova, uma publicação importantíssima quer na difusão dos ideais republicanos, quer na evolução da conturbada vida política da Primeira República.

Foi demitido do cargo de bibliotecário em 1927 novamente por razões políticas. Desta vez, participou na revolta frustrada contra a ditadura militar que, entretanto, fora instaurada no país após o golpe de 28 de maio de 1926. Fugiu para a Beira Alta e, em seguida, refugiou-se de novo em Paris – segundo exílio. Quando, clandestinamente, regressou a Portugal, escondeu-se em Soutosa. Entrementes faleceu a sua esposa. Em 1928, voltou a participar numa iniciativa antirregime (o chamado movimento do regimento de Pinhel), mas foi capturado e levado para a prisão do Fontelo, em Viseu, um edifício que ainda hoje pode ser visto na cidade. Na companhia de António Mota, conseguiu voltar a evadir-se serrando as grades do cárcere enquanto numa grafonola tocava um disco para abafar o som. Escondeu-se nas serranias beiroas e encetou uma difícil jornada que o levou de novo a Paris – terceiro exílio. Na capital francesa, casou em segundas núpcias [a primeira esposa havida falecido em 1927] com D. Jerónima Dantas Machado, filha do presidente da República Bernardino Machado, também homiziado aí depois de deposto por Sidónio Pais, e foi viver com ela para o Sul de França (Ustaritz e Baiona, onde, em 1930, lhe nasceu o primeiro filho do casal e o segundo de Aquilino). Enquanto isso, em Lisboa, em 1929, foi julgado e condenado à revelia. Viveu depois em Vigo e em Tui, cidades espanholas, até regressar clandestinamente a Abravezes, Viseu. Acabou por ser amnistiado em 1932, tendo ido residir para Cruz Quebrada.

            Acalmados os seus instintos revolucionários, embora tenha continuado a participar em ações críticas da ditadura salazarista, Aquilo Ribeiro pode, então, dedicar-se plenamente à escrita, prosseguindo a sua produção ficcional, o trabalho de tradução, o trabalho ensaístico (latu sensu) e a colaboração na imprensa, além das suas lendárias idas ao Chiado, ao final da tarde, para tertúlias à porta da Bertrand, a sua editora. Literariamente, nunca abdicou da originalidade nem alinhou com nenhum dos movimentos literários do seu tempo, desde o Modernismo (pela leitura de algumas cartas de Fernando Pessoa, ficamos a saber que Aquilino era apreciado pelo poeta) ao Presencismo, que o criticou fortemente, em especial José Régio (críticas essas publicadas em grande número na revista do movimento, a Presença), passando pelo Neorrealismo. Como foi indiciado atrás, não obstante a acalmia que a sua vida conheceu nesta época, o escritor jamais abdicou da sua consciência cívica e política, tendo continuado a criticar o regime, aderido ao MUD (Movimento de Unidade Democrática), publicado textos na imprensa diária de defesa da causa, apoiado a campanha presidencial de Norton de Matos, integrado, juntamente com outras figuras do saber, a Comissão Promotora do Voto e militado na candidatura do general Humberto Delgado à presidência da República, em 1958.

            Em 1933, o conjunto de novelas As Três Mulheres de Sansão foi galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros, atribuído pela Academia das Ciências de Lisboa, e, em 1935, foi eleito sócio correspondente desta instituição, da qual se tornou sócio efetivo em 1957. Ao seu ativismo político soma-se a tenacidade com que, durante mais de duas décadas, lutou pela agregação forma e institucionalizada dos escritores até conseguir criar, apesar das forças políticas contrárias, a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1956, de que foi fundador, o primeiro presidente eleito e o sócio n.º 1. No ano seguinte, a Livraria Bertrand iniciou a edição das Obras Completas. Em 1959, foi publicado o romance Quando os Lobos Uivam, que, por causa do seu conteúdo incómodo para o poder político, que o considerou injurioso das instituições do poder, foi apreendido e o escritor processado, no entanto, em 1960, o processo foi amnistiado. Nesse mesmo ano, um grupo de intelectuais (entre os quais Francisco Vieira de Almeida, o proponente, José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Joel Serrão, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira como subscritores) candidatou Aquilino Ribeiro ao Prémio Nobel da Literatura. Todos estes factos, juntamente com as homenagens que recebeu no Brasil quando lá se deslocou em 1952, o movimento de defesa que se gerou em seu torno a propósito da já citada publicação de Quando os Lobos Uivam (além da defesa formal, da responsabilidade do advogado Heliodoro Caldeira, o escritor recebe o apoio de cerca de três centenas de intelectuais portugueses, que elaboram um abaixo-assinado pedindo o arquivamento do processo e François Mauriac redigiu uma petição em seu amparo que foi assinada por figuras como Louis Aragon e André Maurois, além de ter sido publicado em vários jornais e revistas franceses) atestam o enorme prestígio que Aquilino Ribeiro possuía.

            No momento em que se preparava, nomeadamente através da Sociedade Portuguesa de Escritores, uma homenagem pública nacional, promovida por várias cidades e tendo por base a celebração do cinquentenário da publicação da obra Jardim das Tormentas, o escritor adoeceu repentinamente, vindo a falecer no Hospital da CUF a 27 de maior de 1963.

 

Bibliografia

AA. VV., Retratos para Aquilino, Câmara Municipal de Paredes de Coura, 2000.

ALMEIDA, Henrique, Aquilino Ribeiro e a Crítica, Porto, Edições Asa, 1993.

CENTRO DE ESTUDOS AQUILINO RIBEIRO (ed.), Cadernos Aquilinianos.

INSTITUTO PORTUGUÊS DO LIVRO (coord. Eugénio Rosa), Dicionário Cronológico de Autores Portugueses.

MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor. Porto. Divulgação, 1964.

MARTINS, Serafina, Aquilino Ribeiro, Instituto Camões.

MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor. Porto. Divulgação, 1964.

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Cona: etimologia


     A palavra cona designa, enquanto calão, o órgão sexual feminino, constituindo, por isso, um sinónimo de vagina.

    O termo provém do latim cunnus, que significava «vulva», mas também foi usado como representação metonímica de mulher pelo poeta Horácio.

    Cunnus deu origem ao português «cona», bem como ao castelhano «coño» (que pertence ao género feminino), ao italiano «conno», ao francês «con» e ao catalão «cony».

    Relativamente à origem indo-europeia, existem diferentes hipóteses, não se tendo chegado até agora a nenhuma conclusão definitiva.

domingo, 4 de setembro de 2022

Análise do poema "Profissão de fé", de Olavo Bilac


     Este poema é, no fundo, a «ars poetica» do Parnasianismo, cuja ideia básica de burilar a forma se encontra presente logo na epígrafe. É uma poesia racional, porque não é uma poesia inspirada, uma poesia que brota da alma. Fala-se em racionalização e trabalho intelectual.

    As imagens que aparecem estão ligadas ao divino pagão ou ao campo semântico do trabalhar o mármore ou o ouro. Predominam as imagens do campo semântico do artesanato, da arte escultória. As próprias divindades estão presentes, não como entidades, mas como esculturas. Chega a estabelecer-se uma oposição entre o trabalho épico e o trabalho do ourives, que ele inveja.

    Com efeito, Olavo Bilac era um poeta parnasiano, tão dotado que foi apelidado pelos seus contemporâneos e pelos críticos de «O príncipe dos poetas brasileiros». O título do poema relaciona-se com o facto de o texto apresentar o crédito estético do poeta. A expressão «profissão de fé» é de origem religiosa e é usada sempre que a Igreja católica recebe um novo membro no seu seio, constituindo ainda hoje um dos passos da chamada catequese, em cuja cerimónia o padre questiona esse novo membro se aceita Jesus Cristo como seu único senhor e salvador. Quando aceita, a pessoa faz, assim, a sua profissão de fé pública.

    Qual é a relação deste culto religioso com a escrita, com a poesia? Um poeta, quando apresenta o seu crédito estético, comunica ao seu leitor tudo aquilo em que acredita como essencial à sua atividade poética. No caso concreto do poema de Olavo Bilac, a profissão de fé estabelece um paralelismo entre o ateliê de um escultor, a oficina de um ourives e o escritório de um poeta, estabelecendo, assim, uma analogia entre três profissões. Porém, antes de levar o leitor a visitar a sua oficina de escritor, ocupa-se com a descrição da oficina das outras duas atividades. 

    Por outro lado, um dos temas abordados ao longo da composição poética é a língua portuguesa, que o poeta trata como uma deusa. Assim, ao referir-se-lhe, trata-a como alguém que a celebra diante de um altar, o que significa que o poema contém vários referências religiosas, exemplificadas pelas ideias de altar, de fé, de crença, de divindade, de celebração, etc. Neste sentido, o título é outro elemento de religiosidade.

    Enquanto parnasiano, Olavo Bilac introduz no poema elementos clássicos, entre os quais se destaca a mitologia, como atrás foi referido, ou determinado vocabulário, ou a inversão da ordem natural das palavras na frase (hipérbato ou anástrofe: «que outro a pedra corte», em vez de «que outro corte a pedra»).

    Mas qual é a ideia central do tal credo estético do poeta? Simplesmente, a escrita é trabalho, é esforço. Sem isto, não há escrita que tenha qualidade. Para demonstrar a sua «tese», o poeta vai comparar as ferramentas do escultor (o martelo, o camartelo, uma ferramenta mais pesada, pois destina-se a cortar o mármore) e do ourives (o cinzel, uma ferramenta mais delicada, vista que se destina a trabalhar pedras preciosas) à pena do escritor. Assim, ele recusa o material pesado, a construção grandiosa, monumental do ponto de vista física, preferindo aproximar a técnica do escritor aos elementos estéticos do ourives. É por isso que ele compara, de um lado, a oficina do escultor e, do outro, a oficina do ourives. Deste modo, procura mostrar que o material e as ferramentas são diferentes consoante a profissão que se exerce e o trabalho que tem de se executar.

    Além do trabalho em pormenor, que irá levar Gonçalves Crespo a chamar ao seu livro Miniaturas, Bilac quer ainda pedras raras e pequenas, como o cristal ou o ónix. É um escultório minucioso, daí que compare a pena do escritor ao cinzel do escultor. Ele imagina que a escrita é uma forma para vestir a ideia. É a velha oposição forma/conteúdo, com predomínio da primeira. É, de facto, um grande trabalho artesanal tentar colocar as ideias dentro dos limites do soneto. São várias as palavras ligadas ao campo da escultura: «pedra», «mármore», «cinzel», «ónix», «cristal», «prata», «lima, torce, aprimora, alteia», «ouro», «rubi». É esse fino trato, a elegância da delicadeza estética que o «eu» poético pretende aproximar à poesia. Mais: ele deseja sustentar-se no zelo, no tecnicismo, na minúcia do ourives para criar poesia.

    O «eu» poético começa o poema rejeitando a eloquência da arte clássica, os temas, os materiais, nomeadamente da grega. Que outro opte por isso e trabalhe dessa forma, com esse material, adote esse tipo de estética. Ele não. De seguida, afirma sentir inveja do ourives quando escreve, isto é, a sua técnica, que deseja para si e para a sua escrita, e declara que o imita. Abandona o mundo do Classicismo e abraça o que é característico da ourivesaria. É neste ponto que entra a comparação entre a pena, o seu instrumento de trabalho, e o cinzel do ourives: enquanto escritor, ele irá usá-la como o este último usa o cinzel. E desenvolve-a da seguinte forma: a pena corre, desenha, enfeita a imagem (metáfora), veste a ideia (outra metáfora), escreve com tinta azul ("Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem / Azul-celeste"), torce (como o ourives torce o metal, isto é, dá a forma à joia, como a pena dá a forma às letras). Ao terminar ("e enfim"), no «verso de ouro» (o último verso de um soneto clássico), engasta, ou seja, dá o acabamento, cuidando da rima como se se tratasse de um rubi (nova comparação). Isto também significa que a escrita exige a escolha da palavra precisa, a preocupação com a construção das frases/dos versos, com o seu polimento, para que o poema se torne um objeto preciso, semelhante a uma joia rara.

    Por outro lado, a preocupação primeira do poeta (parnasiano neste caso) prende-se com a produção de um poesia formalmente perfeita, isto é, dotada de uma linguagem elaborada, rima apropriada, sintaxe tradicional. Assim sendo, a sua preocupação central parece recair no estilo e não na profundidade das ideias e nas emoções e sentimentos. Ora, neste ponto, Bilac está a seguir um dos princípios do Parnasianismo: o da arte pela arte, ou seja, o culto da forma.

    O seu objetivo, a sua finalidade é que a poesia saia da sua oficina, onde a trabalha, sem um defeito, ou seja, perfeita, graças ao seu trabalho aturado, perseverante e minucioso ("E que o lavor do verso", o que requer tempo ("E horas sem conto passo, mudo"). O sujeito lírico dedica ao seu ofício o tempo que for necessário, por isso é que afirma que «não conta» as horas que gasta, totalmente concentrado no que está a fazer ("A trabalhar, longe de tudo / O pensamento"). Porque é que isto acontece? De acordo com o poema, a escrita, dentre todos os ofícios, é o que exige mais perícia e dedicação ("Porque o escrever - tanta perícia, / Tanta requer, / Que ofício tal... nem há notícia / De outro qualquer").

    Na estrofe 13, o «eu» associa a escrita e a poesia a uma divindade ("Por te servir, Deusa serena") e, nas seguintes, denuncia aqueles que escrevem e poetizam mal ("Blasfemo em grita surda e horrendo T Ímpeto, o bando / Venha dos bárbaros crescendo, / Vociferando...") e roga à Deusa, à Musa, que ignore esse «bando» ("Deixa-o"). Todo aquele que não se dedica ao cultivo da língua de forma aprimorada é apelidado de «infiel». Pode morrer tudo o que rodeia e é importante para o sujeito lírico, mas, desde que fique com a sua língua, sente-se feliz, mesmo que fique só e desamparado.

Análise do poema "Descrição da Vila do Recife"


     Este poema reflete sobre a sociedade de Pernambuco. O poeta fora deportado para Moçambique, mas agora regressa e vai viver para o Recife.
    A imagem da cidade que nos é mostrada é diferente da que nos é dada por Bento Teixeira, embora este já tenha criticado o elemento indígena (a língua dos índios), mas Gregório de Matos fala da sociedade propriamente dita.
    Além disso, o «eu» poético refere a invasão neerlandesa (Mauricestaad), que ocorreu entre 1624 e 1636. Apresenta uma visão portuguesa das «coisas», por exemplo quando chama ao neerlandês «ímpio», visto que professa outra fé, e «tirano», porque está a roubar o Brasil aos Portugueses.
    Outro aspeto tratado na composição é o aspeto da cidade e da população, que come pouco. Dentre a população, foca as mulheres e, a propósito, refere-se à prostituição. Por outro lado, critica o clero, porque são os padres que usam as mulheres e vivem de aparências. É curioso que Gil Vicente, o dramaturgo lusitano, aborda igualmente na sua obra estes aspetos relativos à sociedade portuguesa do século XVI.
    Em síntese, podemos afirmar que Gregório de Matos critica a sociedade da sua época em formação, fruto da Expansão.

Análise do poema "Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário da freguesia de Passé"


     Este poema mostra bem a má vontade de Gregório de Matos para com os mulatos. O padre Lourenço era um mestiço que teve a ousadia de desdenhar publicamente de versos do próprio Gregório, que lhe responde nesta sátira.

        1. Mostra que a sociedade baiana é uma sociedade totalmente ocupada por mulatos, sem haver quase lugar para os brancos. Chega a usar expressões baixas para satirizar a sociedade baiana como «canaz», isto é, «cão grande».
    Ao gosto barroco, usa o sistema de oposições branco/mulato, coitado/atrevido, encolhido/ousado, etc. Termina com uma síntese. Este é o esquema seguido nas estrofes seguintes.

        2. Temos o mesmo esquema do anterior.
    Outra vertente crítica de Gregório dirige-se contra o clero: além de ser mulato, é padre. O nível de linguagem usado continua a ser de baixo calibre.

        3. Lembra a ascendência mestiça do padre: se da parte do pai poderia parecer branco, a mãe é claramente negra. O que importa a aparência, se o que está por baixo é negro? Mas ele é aceite, porque no Brasil a mestiçagem é bem aceite.
    Na primeira estrofe, generalizou; na segunda, começou a especificar e, na terceira, descreveu as origens do padre.

        4. Fala da família do padre e da sua atividade religiosa. Denigre o público que ouve o padre, dizendo que são negros e da sua família.

        5. Fala da ignorância do padre: nada sabe das Escrituras e o seu sermão é muito monótono.

        6. O cão é o símbolo maior de uma ordem de pregações, mas ele nunca faz sermões. O facto de ser padre resultou de um favor do Senhor, graças aos serviços da mãe.

        7/8. Fala não propriamente das prédicas do padre, mas sim da não vocação poética dele, que gostava de fazer veros.

        9. Apesar de tudo, haverá sempre alguém que defenda o mulato.

        10. Aqui fala da aparência do padre.
    Esta sátira é dirigida especificamente a uma pessoa, mas generalizando.

Análise do poema "Ao mesmo assunto"


     Este poema retrata alguém que, sendo descendente de índios, ostenta uma aparência de oriental, pela semelhança entre ambos. Como não consegue esconder a sua origem, quer radicá-lo no oriente - mascaramento da origem. Porém, a personagem é mais baiana do que oriental, apesar de ter um avô nascido «lá».
    Não obstante não se dizer claramente, pensa-se que o poema é dirigido a alguém da terra, provavelmente mestiço, que costuma criticar os portugueses.
    Gregório de Matos tem uma visão europeia do índio e do mestiço e, por isso, a sua poesia não é totalmente brasileira, embora se debruce em aspetos típicos do Brasil.

A escola do século XIX em imagens - VIII


John Frederick Lewis, Escola árabe (c. 1850)

    Embora a arte europeia tenda a representar sobretudo, como é natural e expectável, o mundo dos europeus, não faltam, a partir do Renascimento e da expansão europeia, exemplos de pinturas e outras obras artísticas que refletem a descoberta e o contacto com outros continentes, civilizações e culturas. Trata-se de um olhar, de início curioso e ocasional, que se vai tornando mais atento e sistemático à medida que as principais potências do Velho Continente constroem ou consolidam, no século XIX, os seus impérios coloniais.

    John F. Lewis, um inglês que viveu a sua infância no Cairo, registou, nesta pintura a guache e aguarela, o ambiente de uma típica maktab, a escola muçulmana que correspondia sensivelmente ao que hoje designamos por ensino básico. Os rapazes que desejassem prosseguir os seus estudos ingressariam depois numa madrassa. Umas e outras são escolas religiosas, sublinhando a ligação umbilical, também patente no mundo ocidental, entre a escola e a religião. Só que, enquanto na Europa a laicização progressiva da sociedade foi abrindo espaço à separação entre a escola pública, destinada a formar cidadãos, e as escolas da Igreja, vocacionadas para a formação do clero, no mundo muçulmano essa distinção entre religião e laicidade tem-se mostrado mais difícil e custosa.

    A pintura, de contornos difusos, mas onde não falta expressividade, foca-se nas figuras do professor, já idoso – a idade avançada é, neste contexto, um símbolo de sabedoria -, e de um dos seus alunos, que se prepara para recitar a lição. O apelo à memória, hoje tão criticado, era um elemento essencial dos sistemas de ensino mais tradicionalistas e conservadores. E será sempre fundamental, embora ninguém defenda hoje o decorar de matérias como um fim em si mesmo: a verdade é que só somos verdadeiramente conhecedores daquilo que conseguimos armazenar, de forma organizada e compreensiva, no nosso cérebro.

Análise do poema "Aos principais da Bahia chamados Caramurus"


     O nome «caramurus» foi atribuído a Diogo Álvares Correia, fidalgo português que naufragou na costa da Baía. Ao encontrar os índios, ficou assustado e puxou de uma arma, mas apenas matou uma ave, que os indígenas chamavam caramuru, deus do fogo. O português foi levado para a tribo índia e acabou por casar com Paraguaçu, filha do chefe. Esta história vai ser explorada no poema "Caramuru", de Santa Rita Durão.
    Começa aqui por especificar a genealogia dos caramurus: a linha materna ou feminina é indígena (uso da metonímia), enquanto a linha paterna ou masculina é obra do acaso: descende de uma índia com um branco reles. Isto mostra que os caramurus, apesar das suas pretensões de que são brancos, têm muito sangue índio. Isto é a síntese do poema.
    Um dos aspetos do ludismo barroco é a sonoridade das palavras indígenas.
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