A imagem infra (pertencente a um estudo da OCDE) que confirma que, se atendermos aos antecedentes socioeconómicos dos alunos, o desempenho nos testes PISA dos estudantes portugueses ficam acima da média e mais perto dos chamados países desenvolvidos do que é comummente aceite.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
"Isto" - Correção do questionário
1.1.
No poema “Autopsicografia”, o sujeito poético socorre-se da terceira pessoa
verbal (“é”, “finge”, etc.), visto que tece considerações de caráter
generalizante sofre o fingimento / a criação poética, que, naturalmente, também
o incluem a si.
Já
em “Isto”, que constitui uma espécie de “resposta poética” àqueles que, tendo
lido “Autopsicografia” e interpretado erroneamente a sua mensagem, o acusavam
de mentir nos poemas que escrevia, o sujeito aplica a si e à sua prática
poética as considerações sobre a construção lírica / a poesia e a figura do
poeta que efetuara, de modo geral, no segundo poema. Daí que, em “Isto”, faça
uso da primeira pessoa (“finjo”, “minto”, etc.).
1.2.
O sujeito poético é acusado de ser verdadeiro nos seus poemas, isto é, de
fingir / mentir sobre tudo o que escreve.
2.1.
O «eu» refuta essa acusação, defendendo que se limita a sentir com a
imaginação, racionalizando tudo, mas não mentindo, como se pode verificar pelo
recurso ao advérbio de negação «Não».
2.2.
O sujeito poético, nesses versos, refuta a “acusação” que lhe é feita, negando
que haja mentira no ato de criação poética. O fingimento poético resulta da
intelectualização do “sentir”, da racionalização. Ele nega o “uso do coração”,
aponta para a simultaneidade dos atos de “sentir” e “imaginar” (pensar),
apresentando a obra / criação poética como uma espécie de síntese onde a
sensação surge filtrada pela imaginação criadora. O fingimento poético é fruto
da imaginação criadora e não do coração.
2.3.
De acordo com um «outros» indefinido (“Dizem”), “fingimento” é sinónimo de
falsidade, de mentira. Segundo o sujeito lírico, tal interpretação é errada. De
facto, para ele, “fingimento” remete para a racionalização, para a imaginação
criadora.
2.4.
O advérbio “simplesmente” destaca a
simplicidade da sua teoria e da sua arte poética, mas possui também um valor
irónico, dado que, ao ressaltar a naturalidade e a singeleza do seu processo de
criação, reprova todos os que veem nele uma complexa e elaborada construção intelectual
e que criticam a sua autenticidade e espontaneidade. Por outro lado, sugere que
esta atividade intelectual é habitual para o sujeito poético.
3.1.
A figura de estilo é a comparação: “Tudo o que sonho ou passo / (…) É como que
um terraço (…)” (vv. 6 a 9).
3.2.
A comparação evidencia que a realidade que envolve o sujeito poético (“passo” e
“finda”) ‑ bem como os seus sonhos (“sonhos”) e falhanços (“falho”) ‑ é apenas
a “ponte” para “outra coisa”: a obra poética, a expressão máxima do Belo. Ou
seja, nos alicerces da criação poética encontram-se as emoções negativas e
positivas e delas fazem parte os sonhos e as vivências do poeta (“o que sonho
ou passo”), os falhanços e as deceções (o que falha), bem como a consciência da
efemeridade de tudo na vida (o que finda). No entanto, este conteúdo emocional
e realmente sentido é uma espécie de “terraço / Sobre outra coisa ainda”, isto
é, as emoções sentidas são a via de acesso a “outra coisa” que é “linda”, que é
o poema «perfeito» que o poeta sonha escrever, racionalizando as emoções.
3.3.
O sujeito poético sente dificuldade na sua procura, visto que entre ele e o que
procura alcançar há algo (“terraço”) que o impede de atingir “essa coisa”, “que
é linda”. Isto significa, portanto, que, por mais que o sujeito poético se
esforce na sua procura, o seu alvo está tão distante do mundo físico em que se
encontra que há sempre um outro nível que o separa do seu objetivo.
3.4.
Na esteira da Alegoria da Caverna de Platão, o terraço é uma espécie de “ponte”
entre o mundo sensível (o terreno) e o mundo inteligível (o perfeito, das
ideias).
4.1.
O marcador discursivo que introduz a terceira estrofe é a locução “Por isso”,
que tem um valor conclusivo ou explicativo.
4.2.
O sujeito poético procura libertar-se do que o rodeia, que é palpável, do que o
prende (“enleio”), de modo a atingir o que é verdadeiramente belo e que está
num nível superior de inteligibilidade. Ou seja, o «eu» procura desligar-se de
cada “enleio” e tornar-se “Sério do que não é”, isto é, consciente da
transformação que opera intelectualmente sobre os seus sentimentos. Ele concebe
o fingimento poético como uma forma de sinceridade intelectual (“Sério do que
não é”).
Dito
de forma mais simples e concisa, o poeta escreve distanciado das emoções que se
encontram arquivadas na sua memória ou naquilo “que não está ao pé”,
conseguindo assim libertar-se das perturbações de caráter emocional (“livre do
meu enleio”) e fingindo emoções que não sente (“Sério do que não é”).
4.3.
A interrogação conclui a explicação anterior do sujeito poético e reforça a sua
teoria. Assim, ele recusa a poesia como expressão imediata das sensações. O
sentir, de acordo com a sua teoria, é remetido para o leitor (“Sentir? Sinta
quem lê!” ‑ v. 15), enquanto ao poeta cabe a transformação do sentimento
através da sua racionalização, do fingimento.
4.4.
O sujeito poético transforma as emoções através do pensamento. Deste modo,
liberta-se da sinceridade humana convencionada, dos sentimentos espontâneos que
nega existirem para o criador poético, deixando essa tarefa a cargo do leitor.
5.
O tema do texto é o fingimento poético / a criação poética.
6.
O poema é constituído por três quintilhas de versos hexassílabos (seis sílabas
métricas). A rima é cruzada e emparelhada, de acordo com o esquema ABABB.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Testes PISA: alunos portugueses com desempenho acima da média?
Os diapositivos seguintes fazem parte da comunicação apresentada pelo Professor David Justino em Montemor, no dia 29 de Setembro.
Resumindo: atendendo aos constrangimentos de ordem social e cultural das suas famílias, os alunos portugueses têm um desempenho acima da média nos testes PISA.
E esta hein?
Não fui eu que inventei… é o resultado de um estudo em decurso para publicação internacional e deita por terra muitas ideias feitas sobre o mau trabalho feito nas escolas portuguesas que conseguem, com alunos com um background mais problemático, alcançar resultados acima do previsível.
Recuo do ministro da Educação e da Ciência
Exames secundário
Ministério da Educação recua na questão dos exames do 12.º ano
08.10.2012 - 16:34 Por Graça Barbosa Ribeiro
Os alunos que chegarem ao 12.º ano em 2015 vão ter de responder sobre a matéria dos três anos do secundário (Foto: Enric Vives-Rubio)
Ainda não é este ano que os alunos do 12.º ano vão ter de responder, nos exames nacionais, sobre os programas dos três anos das disciplinas trienais. Mas a regra é para aplicar gradualmente. Os alunos que chegarem ao 12.º ano em 2014/2015 já serão abrangidos.
sábado, 6 de outubro de 2012
«Para» ou «pára» ou um acordo ortográfico parvo
http://sorumbatico.blogspot.pt/ |
Houve uma altura, não há muito tempo, em que o título acima era clarinho. Depois inventaram um acordo ortográfico e deu nisto: os trabalhadores fizeram greve para produzirem o iPhone? Ou a greve parou a produção do «gadget»?
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Tema de James Bond, John Williams; «Kingston Calypso», de Byron Lee
«Dr. No» (1962)
A 5 de outubro de 1962 estreava o primeiro filme de James Bond, o espião mais famoso do cinema: «Dr. No».
Derrotem-no que ele gosta
O MINISTRO Gaspar tinha um problema: o défice. Então, apresentou a solução 1: cortes de subsídios dos funcionários. Mas o decreto foi ao Tribunal Constitucional e chumbou: à medida faltava equidade, só batia em parte dos portugueses e poupava outros. Quem gostou do chumbo foi o próprio ministro, porque entretanto tinha-se agravado o tal défice e dava-lhe jeito aumentar, somando os privados aos funcionários, o universo a quem bater.
Gaspar inventou, então, a solução 2: mudanças na TSU. Porque digo que ele gostou da oportunidade de passar da solução 1 para a solução 2? Ora, porque todos os ministros das Finanças adoram aumentos de receita. Aconteceu, porém, que a nova solução também não vingou. O povo saiu à rua e a TSU foi corrida.
Quem gostou do novo desaire, quem foi? Já adivinharam, o ministro das Finanças. Ele esfregou as mãos com a derrota da solução 2 porque, entretanto e mais uma vez, já precisava de ir mais longe e passar à solução 3. Foi o que conhecemos ontem: o aumento brutal do IRS. Ou, como diria o ministro Gaspar, um upgrade, mais um aumento da receita.
E eu já tremo por alguém (rua, tribunais, o que seja) tentar chumbar a 3 e obrigue o ministro ao prazer da solução 4.
Portugueses, fiquem quietos: estamos a criar um monstro, um sadomasoquista, que adora ser derrotado na sua medida anterior só pelo prazer que lhe dá em bater-nos ainda mais com a medida seguinte. Por favor, não lhe alimentem o vício.
Diário de Notícias de 4 de outubro de 2012
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Exames nacionais de 12.º ano - Conteúdos
O Ministério da Educação e Ciência alterou os conteúdos a avaliar nos exames nacionais das disciplinas.
Assim, os exames nacionais de 12.º ano de Português (código 639), Matemática A (código 635), História A (código 623) e Desenho A (código 706), a partir do presente ano letivo, têm por referência os programas dos 10.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade.
"Campo de Trigo com Corvos"
- "Campo de Trigo com Corvos" é um quadro de 1890 (tela de 50 X 103 cm), da autoria do pintor holandês Vincente van Gogh (1853 - 1890) que se inscreve no contexto da pintura de paisagens.
- Assunto: O quadro retrata uma revoada / um bando de corvos sobrevoando um campo de trigo, sob um céu carregado e ameaçador.
- Elementos do quadro:
- Campo de trigo:
- O trigo dourado está pronto a ser colhido;
- A luminosidade do amarelo revela indícios de alguns raios solares que rompem a densa camada de nuvens;
- As linhas diagonais do trigal sugerem um efeito de movimento, efeito da ação do vento sobre o campo;
- O trigal está ainda marcado por cercas verdes e três caminhos.
- Três caminhos:
- São divergentes e perdem-se ao longe;
- O primeiro, à esquerda, é escarpado, num terreno íngreme;
- O do meio é sinuoso, perdendo-se no interior do trigal, mas conduz a algum lugar situado para além do campo;
- O terceiro, à direita, está livre de obstáculos, seguindo para fora do trigal;
- Estão pincelados sinuosamente em tons de verde e vermelho.
- Corvos:
- O bando de corvos parece estar em debandada / fuga;
- O preto das aves contrasta com o amarelo, com o azul e branco, acentuando a movimentação do seu voo, que indicia uma fuga em busca de um lugar seguro, na iminência de uma tempestade;
- De facto, se a tradição encara a figura do corvo como símbolo de maus presságios e de morte, no Génesis é o símbolo da perspicácia: a ave vai verificar se a terra reaparecerá na superfície das águas depois do dilúvio.
- Céu:
- O céu escuro e ameaçador, conjuntamente com a presença dos corvos, reflete um ambiente profundamente negativo;
- O contraste entre o amarelo do trigal, sugerindo volume e vivacidade, e o azul intenso do céu, misturado com o preto, sugere negatividade, tensão, inquietação, agitação;
- O céu azul promove um efeito de profundidade;
- As duas nuvens claras no céu, uma mais ao centro (encobrindo o sol?, dissimulando-o?) e outra mais à esquerda, fazendo contrastar o preto e o branco, realçam um céu tempestuoso.
Análise do poema "Gato que brincas na rua"
À
semelhança do que faz em "Autopsicografia", Pessoa parte de uma
imagem, de uma cena do quotidiano, neste caso um gato a brincar na rua. Além
disso, o poema recorda-nos "Tabacaria", nomeadamente o momento em que
a sua atenção se centra na rapariga que come chocolates, absorta do resto do
mundo. Ora, sucede que é esta ausência de preocupação que o espanta, intriga e
lhe desperta a «inveja» que espelha no poema em análise.
O
assunto da composição poética é o seguinte: o sujeito poético interpela
um gato e constata que este é feliz porque é inconsciente / irracional.
O
tema do poema é, mais uma vez, a dor de pensar, motivada pela
intelectualização do sentir, do qual decorrem outras temáticas caras ao poeta:
a felicidade de não pensar; o isolamento do «eu» face às «pedras e gentes»; a
inveja sentida pelo sujeito poético relativamente à inconsciência do animal; o
desconhecimento, a sensação de estranheza do «eu» em relação a si.
O
poema abre com a apresentação da referida situação de um gato que o sujeito
poético observa a brincar na rua como se fosse na cama (comparação que
enfatiza o à-vontade e o conforto que o gato sente na rua, a sua casa; salienta
também o caráter intuitivo do animal, que não lhe permite ter consciência das
inconveniências e dos perigos que corre). Esta circunstância coloca-nos desde
logo na presença de um animal feliz (porque está a brincar) e ao mesmo tempo
tranquilo, despreocupado, indiferente e inconsciente do perigo (novamente a comparação
«como se brincasse na cama») por ser irracional, não pensar. Por outro lado,
sugere-se que o gato age no exterior e no contacto com os outros («na rua» - v.
1) com a mesma naturalidade com que brinca na cama, na sua «intimidade». Assim,
o sujeito poético sugere que o gato não age segundo quaisquer convenções, antes
vive apenas de acordo com a sua vontade e os seus instintos próprios de animal
irracional. Além disso, tem «sorte», a sorte de ser inconsciente dos perigos,
de ser irracional e não pensar, por isso cumpre o seu destino sem se lhe opor
minimamente, não o questionando (v. 5), cumprindo assim, no fundo, a ambição de
Ricardo Reis, que é a de sentir o destino como algo inevitável.
O
verso 4 (“Porque nem sorte se chama”) sublinha a ausência de intelecto no gato:
só o facto de atribuirmos um nome ou fazermos um juízo acerca de uma realidade
pressupõe o uso do pensamento, capacidade que o gato não possui, logo “nem
sorte se chama”.
Como
não pensa, é o «nada», mas é-o plenamente e é feliz, porque não se conhece,
regendo-se pelos seus «instintos gerais». «Todo o nada» que o gato é, porque
não pensa no que é, pertence-lhe, já que depende exclusivamente dos seus
sentidos. Ao contrário do que sucede com o sujeito poético, no gato predomina o
sentir sobre o pensar: o animal não tem consciência do que sente, limita-se a
sentir (v. 8). Em suma, é feliz «porque [é] assim», isto é, irracional,
inconsciente, porque age por instintos. De facto, o gato rege-se por “leis
fatais”, tem “instintos gerais” e apenas usa os sentidos (“E sentes só o que
sentes”). Assim, ao andar ao sabor do destino, orienta-se pelos seus ins>tintos,
sem intervenção da razão.
O
gato aceita calmamente o destino (v. 5), age apenas por instintos gerais (v.
7), isto é, comandado apenas pelos sentidos (v. 8), assim conseguindo ser feliz
(v. 9).
Por
seu lado e perante este quadro, o sujeito poético não esconde a sua admiração e
inveja relativamente à sorte do gato, ou seja, da sua liberdade, da sua
felicidade, da sua irracionalidade, de ser inconsciente, de viver sem preocupações
e poder brincar sem pensar em (mais) nada, o que é equivalente a dizer que
inveja o gato pela felicidade simples resultante da vivência plena das coisas
sem pensar, isto é, por causa da sua irracionalidade. O sujeito poético inveja
a sorte do gato que, na realidade, nem «sorte se chama», isto é, não se trata
de sorte, dado que são as leis da natureza que permitem ao felino ser um ser
inconsciente feliz. Pelo contrário, ele tem a consciência plena de que é
infeliz, ideia que é acentuada pela observação do gato e do seu comportamento,
pois pensa-se, ao contrário do animal, daí que revela também angústia, tristeza
e desolação por não conseguir abolir o pensamento (= porque se rege pela
consciência e pelo pensamento) e, dessa forma, ser igualmente feliz. De facto,
ele é um ser dominado pela racionalização, em busca constante de
autoconhecimento, tudo racionaliza, transforma as sensações em pensamentos, daí
a sensação de estranheza face a si mesmo.
Nos
dois versos finais, o sujeito poético constata que se diferencia do gato por
não se dominar completamente, uma vez que transforma permanentemente as suas
emoções em pensamentos. Por isso, sente-se estranho face a si mesmo. O paradoxo
neles presente remete para a complexidade e confusão interiores e para a
despersonalização: ao ser muitos, o sujeito poético acaba por se desconhecer a
si próprio. A permanente auto-observação e a necessidade de se conhecer
conduzem-no à fragmentação e à despersonalização.
Podemos,
em suma, afirmar que o sujeito poético inveja o gato por três razões:
1.ª) Tem "instintos gerais" e sente só o que sente, ou seja,
não pensa sobre o que está a sentir, limita-se a sentir;
2.ª) É "um bom servo das leis fatais", isto é, não tenta
contrariar as etapas inevitáveis da existência: nascimento, crescimento e
morte;
3.ª) "Todo o nada que és é teu", ou seja, ao contrário do
sujeito poético, o gato não pensa, não se questiona.
Assim,
esta dor de pensar que o tortura leva-o a desejar ser inconsciente como a
ceifeira e como o gato, que não pensam.
Por
outro lado, podemos sintetizar a caracterização do gato da seguinte forma:
▪ Age por instinto / é instintivo.
▪ É livre e feliz, vivendo despreocupado, porque se rege pelo instinto
e pela inconsciência e irracionalidade.
▪ “Bom servo das leis fatais”, cumpre o seu destino sem se lhe opor
minimamente, não o questionando.
▪ Vive só por viver, sem saber por que vive, limitando-se apenas a
sentir.
▪ Vive de acordo com as leis da natureza.
▪ Não se questiona.
Por
sua vez, o sujeito poético:
▪ Admira e inveja a “sorte” do gato, isto é, a sua felicidade, a sua
irracionalidade, a sua inconsciência.
▪ É infeliz, porque pensa, racionaliza, é consciente.
▪ Reflete sobre si mesmo e é vítima da dor de pensar, o que gera nele
angústia.
▪ É dominado pela racionalização, em busca permanente de
autoconhecimento.
▪ Por isso, sente-se estranho relativamente a si mesmo, acabando por
afirmar que se desconhece.
▪ A permanente auto-observação e a necessidade de se conhecer
conduzem-no à fragmentação e à despersonalização.
O
contraste entre o sujeito poético e o gato é claro: o animal é feliz
porque é inconsciente e irracional (“Todo o nada que és é teu”), enquanto o
«eu», devido à sua racionalidade e introspeção (“Eu vejo-me”; “Conheço-me”) mostra-se
fragmentado, despersonalizado, revelando angústia, infelicidade e sofrimento. O
pensamento, a racionalidade provoca dor e angústia, daí a inveja sentida pela
vida do gato e o desejo desse evadir de si próprio.
É
possível relacionar (intertextualidade) este poema com “Ela canta, pobre
ceifeira”. De facto, ambos os poemas possuem o mesmo tema: a dor de pensar. Por
outro lado, tal como o sujeito poético gostaria de ser inconsciente como a
ceifeira para poder ser feliz, também desejaria ser feliz como o gato, que
apenas sente (“sentes só o que sentes”), ao contrário do que se passa consigo
próprio, que racionaliza e, por isso, sofre.
A
nível formal, o poema é constituído por três quadras, num total de 12
versos de redondilha maior (versos de 7 sílabas métricas). A rima
é cruzada, segundo o esquema ABAB.
Morfologicamente,
predominam o nome e o verbo no presente do indicativo
(traduzindo a factualidade da situação apresentada), escasseando os adjetivos
(«fatais», «gerais», «feliz»).
Estilisticamente,
a apóstrofe e a comparação dos versos 1 e 2 («Gato que brincas na
rua / Como se fosse na cama») traduzem a despreocupação do gato por se tratar
de um animal irracional, que se comporta “na rua”, ou seja, no exterior e no
contacto com os outros, com a mesma naturalidade com que procederia “na cama”,
realçando-se assim a ausência de convenções na atuação do bicho, que vive
apenas segundo a sua vontade e os instintos próprios de animal irracional. A personificação
do gato acentua o contraste entre a inconsciência do animal e a consciência
do sujeito poético, que lhe provoca dor – a dor de pensar. A metáfora
«Bom servo das leis fatais» remete para a inconsciência do gato, o seu caráter
instintivo e a aceitação calma do destino. As antíteses são diversas e
giram todas em torno da oposição gato (guiado pelos instintos, livre e feliz) /
sujeito poético (angustiado, infeliz e torturado pela dor de pensar, porque
guiado pelo pensamento): consciência / inconsciência, pensar / sentir; prisão /
liberdade, angústia / alegria, felicidade / infelicidade. Todas elas apontam
para as diferenças entre o sujeito poético e o gato. O paradoxo que
finaliza o poema («Eu vejo-me e estou sem mim, / Conheço-me e não sou eu.» -
vv. 11-12 e vv. 9-12) sugere a procura
do autoconhecimento, a racionalização e a estranheza face a si mesmo, porque
despersonalizado e fragmentado, e realça a oposição entre a inconsciência do
gato e a consciência do sujeito poético.
O
vocabulário é simples e com valor denotativo. Por último, nota para as orações
subordinadas causais:
. «Porque nem sorte se chama» (v. 4): a justificação da inveja
da sorte do gato, pelo facto de este desconhecer o significado de sorte;
. «Que tens instintos gerais» (v. 7): apresenta a razão de o
gato ser um cumpridor do destino;
. «És feliz porque és assim» (v. 9): traduz a razão da
felicidade do gato (sentir).
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
"Porque", "por que", "porquê?", "porquê"
1. Escreve-se "por que" (preposição + pronome) quando o pronome («que») surge ligado a um nome pelo sentido, assumindo a função de pronome ou determinante relativo.
- O João explicou-me a razão por que (= pela qual) emigrara. (preposição "por" + pronome relativo "que")
- Jorge Jesus, pode dizer-me por que (= por qual) motivo inventa tanto? (preposição "por" + pronome interrogativo "que")
2. Usa-se "porque" quando:
- se trata de uma conjunção subordinativa causal:
- O Rui estava muito triste porque o avô morrera.
- funciona como advérbio interrogativo, ligado a um verbo, em:
- orações interrogativas diretas:
- Porque faltaste à aula?
- orações interrogativas indiretas:
- O professor queria saber porque a aluna faltara à aula.
NOTAS:
- títulos do tipo "Porque me viciei em bolas de Berlim.";
- frases a seguir ao advérbios «eis»:
- Eis porque nunca serás ninguém na vida.
- 1.ª) Note-se que, se introduzirmos nestas frases um nome, a grafia passa a ser separada:
- Eis a razão por que nunca serás ninguém na vida.
- O professor queria saber a razão por que a aluna faltara à aula.
- 2.ª) Em caso de dúvida acerca do modo correto de escrever, podemos tentar substituir a forma «porque» por «pelo qual» (ou suas variantes em género ou número). Se a substituição for possível, escrevemos separado: por que.
3. Escreve-se "porquê" como
- advérbio de causa: "A sirene tocou, mas não sei porquê." (= por qual motivo);
- advérbio interrogativo causal: "Fugiste de casa? Porquê?";
- nome: "O Zé anulou a matrícula. Desconheço o porquê." (= o motivo, a razão).
Note-se que "porque" e "porquê" constituem a mesma entidade gramatical. O ser ou não acentuado este advérbio interrogativo causal depende unicamente da sua posição:
- enclítica: "Porque fugiste, cão?";
- não enclítica: "Fugiste. Porquê?".
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