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segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Resumo do conto "Meia-lua ou a história do menino levado"

    A estrutura do conto assemelha-se a uma reportagem, feita por alguém não identificado, que entrevista e grava conversas com diversas pessoas que testemunharam ou têm conhecimento do evento que vai ser narrado.
    Certa noite de verão, a primeira pessoa entrevistada acorda a meio da mesma e apercebe-se de que o filho de três anos já não se encontra entre os pais, onde o tinham deitado. A família, por causa do calor e de vigiar as medas de trigo para não serem roubadas, pernoitara na eira.
    O segmento seguinte do texto apresenta a visão de uma irmã do menino levado, que na época contava dez anos. Como consequência do que sucedera ao irmão, pensou no que acontecera durante vários dias e recusou-se a pernoitar fora de casa durante as semanas que se seguiram.
    Segue-se a voz do povo, que ficou a conhecer a história ao serão do dia seguinte, quando as pessoas se reuniram na rua, pela fresca, depois da ceia. Essa voz dá conta do espanto geral pelo facto de quer os pais quer as outras pessoas que pernoitaram nas eiras não terem dado por nada.
    O quarto segmento apresenta a versão de uma figura não identificada, alguém que estava nas eiras nessa noite e que participou na busca do desaparecido. O seu testemunho acrescenta um pormenor à história, caracterizada até agora por um grande mistério: a criança caminha quatrocentos metros sem se lembrar de o ter feito. Além disso, acrescenta que acordara nessa madrugada, incomodado com um zunido estranho nos ouvidos.
    O segmento seguinte acrescenta novo dado: a criança, de apenas três anos, teve de saltar uma parede de um metro de altura. A voz que fala é a de um tio / uma tia do menino e aposta na crença popular: tinham sido as bruxas, que levam os bebés de noite, sem os pais se aperceberem, para fazerem bruxarias. Golpeavam-nos numa mão ou numa perna e enchiam um dedal de sangue para usarem nas encruzilhadas dos caminhos.
    Através da figura seguinte, ficamos a saber que todas as vozes que foram ouvidas até aqui são testemunhos dados ao narrador, que os grava. Os acontecimentos tiveram lugar há mais de quarenta anos e que vai contar tudo o que sabe e que naquele tempo não contara nem à esposa por receio da PIDE. O fenómeno desenrolou-se na madrugada de 14 para 15 de julho de 1960, numa época em que se dedicava ao contrabando. Nessa madrugada, ao regressarem da sua atividade, foram surpreendidos pela polícia e cada um escapuliu-se por onde pôde. A testemunha voltou para trás, para casa. Depois de esconder a carga de contrabando, reparou num avião que, subitamente, parou e ficou a pairar no céu, emitindo uma luz mais intensa do que a das estrelas e que foi mudando de tonalidade e de forma. Enquanto prosseguia o trajeto para casa, viu surgir outra luz, esférica, de menor dimensão e totalmente branca. Depois de ter girado em torno da alaranjada, desceu e a personagem perdeu-a de vista.
    Duas horas depois, voltou a avistar a luz branca, já que a alaranjada se conservava parada no céu. Escondeu-se atrás dos muros e foi-se aproximando da luz. Então, abriu-se uma portinhola e, da nave, saiu uma figura com forma humana, transportando uma criança nos braços. A figura dirigiu-se para a meda onde os pais da criança dormiam. Nesse momento, alguém tossiu dentre os que pernoitavam no local, enquanto a misteriosa entidade transpunha o referido muro. Pouco depois, as duas naves «encontraram-se», viu-se um relâmpago silencioso e as luzes desapareceram.
    O testemunho final é novamente o do progenitor inicial, que começa por dar conta da aflição que o atingiu quando deu pelo desaparecimento do filho, receando que pudesse ter caído num dos muitos poços que havia por ali e morresse. Foram dar com ele no caminho do Linteiro, junto às alminhas, a noite da eira, a quatrocentos metros de distância de onde dormiam. Não possuía qualquer ferimento, à exceção de um pequeno golpe na perna esquerda, com a forma de um «C» invertido, uma espécie de meia-lua, que lhe deixou uma cicatriz. É então que o narrador lhe mostra uma sua cicatriz exatamente igual: "Mas... quem é o senhor?...".

domingo, 3 de agosto de 2025

Resumo do conto "Há coisas..."

    O conto narra uma experiência inquietante vivida numa noite de verão. Acordado repentinamente em plena madrugada, o narrador sente um medo profundo e solidão, com o coração disparado e o quarto mergulhado num silêncio assustador.
    Subitamente, ouve-se um ruído estranho e sem explicação aparente, que intensifica a sensação de medo, evocando memórias infantis de fantasmas e lendas noturnas. O temor é apontado como consequência do desconhecido e da possibilidade de que as histórias de fantasmas sejam reais. Apesar de tentar racionalizar a situação, atribuindo o barulho a uma brisa da madrugada, todavia o facto de a janela do quarto estar fechada deixa em aberto a dúvida e mantém o mistério e o clima de inquietação. De facto, «há coisas» inexplicáveis que nos cercam na solidão.
    Quando ouve novamente o som, estremece: parece-lhe que unhas arranham a parede, perto do seu ouvido. Assustado, lembra-se de Bieito, uma personagem de um conto galego que foi enterrada viva por engano. De facto, o desgraçado acordou a caminho da sua derradeira morada e arranhou desesperadamente as tábuas do caixão. Um dos que carregavam o caixão pareceu ouvi-lo, mas, duvidoso, permaneceu calado. A lembrança aprofunda a sua sensação de pavor. Questiona-se então se os sons que escuta são reais ou fruto da sua imaginação. Quando mais sons sinistros ecoam no quarto, sente-se fisicamente afetado e quase cede à vontade de gritar por ajuda, mas hesita. Com efeito, recorda-se da história de Bieiro e o medo de parecer louco fá-lo ficar em silêncio.
    De seguida, reflete sobre as possíveis consequências da sua reação, nomeadamente alarmar outras pessoas, não conseguir provar o que ouviu e descobrir, eventualmente, descobrir que nada havia. O medo do ridículo e do desconhecido mantém-se calado. No escuro, com os olhos abertos, sente-se indefeso no meio da escuridão. Senta-se na cama, sentindo um frio intenso e uma angústia profunda, como se algo invisível e ameaçador estivesse a seu lado.
    O protagonista acende a luz e o medo dissipa-se de imediato. Observando o quarto, descobre que o motivo de medo do narrador é apenas um gafanhoto dourado, pousado na mesinha de cabeceira. Seguidamente, desfaz-se do intruso e começa a recuperar o sangue frio e a razão, refletindo sobre como medos tão intensos podem nascer de algo inofensivo. Superstições e crenças parecem-lhe agora ridículas.
    No entanto, ao desligar a luz e retornar ao descanso, o narrador tenta convencer-se de que os medos e os fantasmas são um mero produto da mente. Porém, ao fechar os olhos, um sopro gélido acaricia-lhe o rosto, o que o faz ter a certeza inquietante de que não está só, reinstalando-se a dúvida de que algo não racional pode, de facto, estar presente.

sábado, 2 de agosto de 2025

Resumo do conto "A camisa de linho"

    O conto "A camisa de linho" inicia-se de forma misteriosa, com um som suave de batidas à porta da casa de Jacinto, um viúvo solitário que vive isolado num casebre de granito desde que perdeu a esposa, Maria, despertando a sua curiosidade. Apesar do isolamento, Jacinto não sente a falta de companhia humana, pois conta com a presença constante do seu cão, Nero, que o acompanha fielmente e parece compreender-lhe os estados de alma, reagindo às emoções do dono, especialmente quando Jacinto se mostra triste ou pensativo.
    Ao ouvir as batidas, Nero, que dormitava aos pés de Jacinto, acorda subitamente, alerta e começa a ladrar, sinalizando algo incomum. O homem levanta-se com algum esforço e vai até à porta, acompanhado do cão. Ao abrir a porta, não vê ninguém e imagina tratar-se de alguma travessura de criança. Contudo, quando se prepara para a fechar, nota que Nero tem o focinho enfiado num embrulho de papel estranho.
    Jacinto apanha o embrulho deixado à porta e examina-o. Intrigado, sai à rua e observa em redor, mas não vê ninguém. Senta-se na ombreira, abre o objeto com um canivete e no interior encontra uma camisa de linho branca. Nesse instante, Nero começa a ladrar e corre na direção de algo suspeito. Pouco depois, surge uma galinha preta detrás de uma laje com musgo, cacarejando. O animal persegue-a, mas ela consegue escapar, desaparecendo no telhado de um celeiro abandonado.
    Jacinto chama o cão, que regressa com relutância. Afaga-o e graceja, lembrando-se então do dito popular ("Nu sabes o que se diz das galinhas pretas?") sobre galinhas pretas, e percebe o significado da estranha entrega: aquela camisa de linho constituía um presságio ou possuía um sentido oculto.
    Há muito tempo, numa madrugada, Jacinto regressava exausto a casa após uma dura jornada de contrabando. Cansado e faminto, separou-se dos companheiros ao chegar ao povoado e seguiu sozinho. Subitamente, deparou com uma mulher misteriosa, paralisada, como se tivesse criado raízes no chão, que lhe disse enigmaticamente: "Nu sabes o que se diz das galinhas pretas?!", como se se tratasse de uma cantiga memorizada. De seguida, implorou-lhe que a levasse para casa, prometendo-lhe uma camisa de linho e pedindo que não contasse a ninguém acerca do encontro. Confuso e sem entender o que se estava a passar, o homem acabou por ceder, movido pela aflição crescente dela e pelo amanhecer que se aproximava.
    Jacinto levou a mulher até casa, onde ela lhe agradeceu e renovou a promessa feita. O velho nunca falou do episódio a ninguém e também jamais recebeu qualquer recompensa. Com o passar do tempo, o estranho acontecimento caiu no esquecimento, até àquele momento em que lhe bateram à porta e lhe deixaram tão estranho presente.
    Arrastando o corpo cansado, Jacinto dirige-se à cozinha, senta-se junto à lareira e chama Nero. Em voz alta, reflete sobre o que aconteceu naquela madrugada, associando a misteriosa mulher à crença de que galinhas pretas são almas do diabo, bruxas transformadas que, se não regressarem a casa antes da meia-noite, perdem o feitiço e ficam paralisadas.
    Jacinto observa por instantes a camisa de linho e lança-a ao lume. Nero deita-se aos seus pés e os dois contemplam em silêncio as chamas.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Resumo do conto "A lenda das cruzes caiadas"

     O conto fala do avô Tonho, que morou sozinho na sua casa durante quase meio século. Quando morreu, há mais de vinte anos, cortaram a eletricidade, trancaram a moradia, que se foi deteriorando com a passagem do tempo e o abandono, ficando cheio de poeira e humidade. Antes, a casa era vibrante, cheia de filhos (dez) e vida, o que contrasta com o presente, em que se encontra em ruínas, tomada pelos espíritos de quem nunca a deixou.
    Quando o último filho saiu de casa e Tonho ficou sozinho, os aldeãos tentaram atemorizá-lo para que fosse viver com os filhos, porque estavam preocupados com ele, com o facto de viver sozinho,porém o avô sempre contestou que não havia lugar para si além daquela casa.
    O tempo passou, o povoado foi ficando deserto e o avô Tonho foi ficando tristonho e, um dia, pintou uma cruz branca na porta da casa e aconselhou a vizinhança a fazer o mesmo. Três dias depois, o seu corpo foi encontrado à porta da casa de Ramiro, o bêbado, com uma cruz branca pintada no peito. De igual modo, todas as casas ostentavam uma cruz branca pintada nas portas.
    Os herdeiros cortaram a luz e fecharam a casa, até que um dia de verão voltaram à residência e encontraram um caderno, oculto numa frinca da parede granítica: era o diário do avô. O livro continha histórias escritas pelo pinho do defunto, episódios da sua vida ou produto da sua imaginação..
    Apenas uma das histórias o tinha protagonista: num dia de outono, perto do regato dos salgueiros, sentiu um sopro frio na cara. Pouco depois, começou a chover copiosamente e de repente instalou-se a escuridão. Desatou a correr para casa e, quando chegou a um vinhedo, ouviu vozes misteriosas. Recordou então um antiga lenda que dizia que a cada setenta anos, na noite de 31 de outubro, "demónios negros, nascidos das sombras, cercavam o povoado e sugavam as almas de quem não caiasse uma cruz na porta de casa". Por isso, mal chegou a casa, desatou a pintar cruzes nas portas das casas.

Análise da cantiga "Bispo, senhor, eu dou a Deus bom grado", de Estêvão da Guarda

    Estamos na presença de uma cantiga de escárnio e maldizer que aborda o conflito sucessório entre D. Dinis e seu filho, D. Afonso IV, constituída por três sétimas e uma finda de quatro versos, em cobras singulares. É, além disso, uma cantiga de mestria (isto é, não tem refrão) e atafinda, em versos decassílabos e com rima emparelhada e interpolada, segundo o esquema ABBACCA. As cantigas que aludem ao assunto mencionado foram produzidas maioritariamente após a morte de D. Dinis, na corte do seu filho bastardo, D. Pedro Afonso, o conde de Barcelos, o que significa que constituem dos últimos testemunhos da lírica galego-portuguesa. Além disso, convém ter sempre presente que os trovadores se posicionaram apenas de um lado: o do rei-poeta.
    O ciclo a que nos estamos a referir conta com cinco cantigas de autoria de importantes trovadores, como João de Gaia, Estêvão da Guarda e do próprio conde de Barcelos. Os visados são pessoas que teriam tirado proveito do conflito e, dessa forma, conseguido lugar de destaque na corte de D. Afonso IV, como é o caso de Miguel Vivas, bispo eleito de Viseu, um clérigo provavelmente oriundo de Lisboa e confessor da rainha D. Isabel de Aragão, tornando-se depois uma importante figura da corte, a quem já acompanhava enquanto infante. Em 1325, Miguel Vivas já desempenhava o cargo de clérigo; além disso, foi primeiro vedor da chancelaria real, ocupando depois o cargo de chanceler, posições que ocupou entre 1325 e 1338. As suas ligações privilegiadas com o monarca são atestadas ainda pelo facto de o rei o ter escolhido para padrinho da sua filha, a infanta Leonor. Paralelamente, foi acumulando um vasto número de canonicatos em várias dioceses do reino, ascendendo depois ao cargo de bispo de Viseu em 1329 ou 1330, situações que provavelmente nunca se viu confirmada pelo papa, uma vez que Miguel Vivas surge sempre designado como «eleito» de Viseu. Já antes de subir a esta cátedra, tinha estado envolvido na questão da sucessão da diocese do Porto, sendo o candidato preferido por Afonso IV, porém a sua candidatura acabou por ser preterida pelo papa em favor de D. Vasco Martins em 1327. O último ato público que dele é conhecido data de 1338, pelo que é possível que tenha falecido pouco tempo depois. Na composição, Estêvão da Guarda retrata Miguel Vivas como um bajulador do rei, sem qualidades virtuosas para realmente gozar da sua privança.
    Em suma, o bispo Miguel Vivas oi confessor da rainha D. Isabel e manteve relações estreitas com D. Afonso IV, quando este ainda era infante. Esses laços aprofundaram-se durante os primeiros anos do reinado, tendo o clérigo passado a ter uma série de privilégios de benefícios. Posteriormente e graças a essa relação próxima, foi indicado para bispo de Viseu, embora não tenha assumido a dignidade, pois o Papa João XII sustentava outro candidato, D. Vasco Mariz, escolhido em 1327. São estes acontecimentos que justificam o tratamento que Estêvão da Guarda lhe dá nesta cantiga: “eleito de Viseu”. Além disso, o trovador faz assentar os eu texto na ironia e no duplo sentido entre a privança de que o bispo gozava junto do rei e o facto de ter sido privado do benefício (de ser bispo). Note-se, por outro lado, que o trovador não condena a privança em si, pois ele mesmo ocupou um lugar de prestígio junto de D. Dinis, de quem dizia ser “vassalo e criado”, uma proximidade que muito o beneficiou, pois levou-o a ser um dos nobres mais importantes do reino. Após se ter posicionado a favor do monarca no conflito sucessório, ao assumir o trono, D. Afonso IV manteve-o como conselheiro para assuntos externos. Assim sendo, o ato de o rei indicar um privado para uma dignidade de destaque, como uma diocese, não configurava desvio só por si. A crítica de Estêvão da Guarda incide, justamente, no caráter de Miguel Vivas que, se não fosse privado do rei, não teria o «talam» para essa posição.
    A cantiga não apresenta refrão – cantiga de mestria – e é caracterizada pelo recurso à “atehuda ata a finda”, em que as pausas sintáticas não são as mesmas das pausas estruturadas pelas estrofes, prolongando a leitura do verso final de uma estrofe para o primeiro da seguinte (enjambement) até o final da cantiga. Isto permite ao trovador jogar com a ambiguidade do terno «privado», usando-o ora como nome, ora como particípio passado, prevalecendo este último.
    Na primeira estrofe, o trovador expõe a situação: agradece a Deus a «privança» (confiança, intimidade) com o rei de que Miguel Vivas beneficia. Conhecendo o seu caráter (“porque eu do vosso talam sei”), deseja que seja privado dessas benesses e de tudo o mais (“e porque eu do vosso talam [caráter] sei / qual prol [vantagem, proveito] da vossa privança terrei / rogo eu a Deus que sejades privado / do [pre]bendo e de quant’ al havedes:”). Repare-se que, através do recurso à atafinda, a mensagem da primeira estrofe prossegue na segunda, como se pode constatar pela citação acima feita, que engloba o seu primeiro verso. O «prebendo» era a renda do bispado. O trovador prossegue com a sua ironia: não foi a honra pro altos feitos ou a sabedoria do bispo que o alçaram, tampouco a fidelidade, mas o seu caráter bajulador, exemplificado pelo facto de fazer “sempre quant’a ‘l-rei prouguer” (v. 9).
    Os versos subsequentes da segunda estrofe prosseguem a sátira dirigida ao bispo de Viseu, que o rei deseja para seu privado: “pois que vos el por privad’assi quer”. De seguida e depois de ironizar os altos feitos e a sabedoria de Miguel Vivas (“e pois que vós altos feitos sabedes” – v. 11), o trovador afirma o seguinte: “e quant’em sis’e em conselho jaz, / Varom, senhor, pois desto al rei praz” (vv. 12-13). Nestes versos, há uma repetição semântica na sequência “varão / senhor”, que, se pensada como duplo vocativo, não oferece qualquer acréscimo sintático. No entanto, se o nome «senhor» for apenas um vocativo, o nome «varão» pode apontar para uma suposta inocência do rei por confiar na sensatez e nos conselhos do clérigo.
    Na transição da segunda para a terceira estrofe, voltamos a encontrar a atafinda: o trovador confia que o Papa o privará da nomeação, quando souber que o rei confia mais nele do que noutro varão qualquer: “fio per Deus que privado seredes / per este Papa, quem duvidaria / que nom tiredes gram prol e gram bem / quand’ el souber que, pelo vosso sem, / el-rei de vós mais doutro varom fia”. Nestes versos, por outro lado, o trovador enfatiza a falta de bom senso e a imaturidade do rei ao confiar no bispo. Além disso, a terceira cobla continua a assentar no equívoco, relativamente ao termo «privado», entre o valor substantivado (“sereis conselheiro”) e de particípio passado (“sereis despojado”).
    O desfecho da cantiga, na finda, é taxativo: o trovador afirma que o bispo será privado dos seus benefícios e da sua dignidade, tendo que pagar a “contia” (quantia pré-estipulada paga aos funcionários nobres). O clímax da cantiga é atingido, portanto, na finda, voltada para a realização da justiça: o bispo deve pagar pela sua farsa, uma vez que o seu lugar de «privado» do rei é resulta unicamente da bajulação e os seus conselhos não são ajuizados, visando apenas o benefício próprio egoísta. A professora Graça Videira Lopes propõe uma dupla leitura para a finda, a partir da forma verbal “exalcem”. Assim, a catedrática afirma que os versos finais poderão significar “quem duvidará que vo-lo elogiem grandemente” ou “quem duvidará que vos subam o pagamento” (devido a este cargo, o benefício). Por outro lado, sustenta que Estêvão da Guarda parece, nesta cantiga, felicitar Miguel Vivas pela sua nomeação para o cargo, acrescentando que a composição joga com os dois sentidos da palavra «privado» (nome e particípio passado): se lermos as estrofes encadeadas até à finda, é o segundo sentido da palavra que sobressai.
    Por outro lado, a cantiga não se limita a denunciar o facto de o clérigo se beneficiar da sua proximidade com o rei, pois também realça os danos que tal benefício causam a terceiros. Com efeito, as falhas de caráter do bispo e o desejo pelo poder prejudicam o reino em si ao revelarem a inocência do rei, mas, na realidade, também prejudicam o trovador.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Análise do poema "Isto"


▪ Este poema é uma espécie de esclarecimento em relação à questão do fingimento poético enunciada em “Autopsicografia”: não há mentira no ato de criação poética; o fingimento poético resulta da intelectualização do “sentir”, da racionalização.
 
▪ De facto, o poema tem todo o aspeto de ser uma resposta a possíveis reações à teoria da criação poética expressa em “Autopsicografia”. Esta ideia é confirmada pelos dois versos iniciais do poema: “Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo.”. O sujeito nulo indeterminado (“Dizem”) sugere que houve reações (erradas e negativas) à sua teoria da criação poética expandida naquele poema, às quais o «eu» responde com um claro e incisivo “Não”.
 
▪ De seguida, apresenta o motivo por que “fingir” não significa “mentir”.
 
 
l Título
 
▪ O título procura traduzir a ideia de que o poema constitui uma resposta, um esclarecimento a uma dúvida surgida: é “Isto” que se pretende dizer. Note-se, por outro lado, que o poema parece constituir uma realidade exterior e motivasse o distanciamento necessário para o exercício da razão.
 
 
l Assunto: tal como Autopsicografia, este poema funciona como uma espécie de arte poética, na qual o poeta expõe o seu conceito de poesia como intelectualização da emoção.
 
 
l Tema: o fingimento poético.


l Estrutura interna
 


1.ª parte (1.ª estrofe)
 
▪ Aparentemente, alguém indeterminado (“Dizem”) terá acusado o poeta de mentir: “Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo.”. De facto, o poema parece constituir uma resposta a supostas críticas provenientes de possíveis interpretações de “Autopsicografia”.
 
▪ No entanto, ele refuta essa acusação, afirmando que o ato de criação poética se caracteriza pela sinceridade e espontaneidade (“simplesmente”), pois sente “com a imaginação”. Quando escreve poesia, o poeta não mente; pelo contrário, é sincero: ele usa a imaginação, a razão, intelectualiza as emoções e os sentimentos e regista-os no poema através de um ato racional. Imaginar em poesia não significa mentir, faltar à verdade. Fingir é sentir com a imaginação, enquanto mentir é sentir apenas, usar unicamente o coração, os sentimentos e emoções. Na perspetiva dos outros, há o fingimento como mentira, que se opõe ao fingimento como resultado da articulação entre a imaginação e a emoção (esta é a perspetiva do sujeito poético) – fingir não é mentir.
 
▪ As emoções são a matéria-prima, a matéria poética que, só depois de pensadas/imaginadas, se materializam em poesia, fruto de um trabalho intelectual. Isto significa que estão aqui em confronto duas conceções opostas no que diz respeito ao ato de escrever poesia: uma defende que o poeta se confessa quando escreve; a outra defende que a poesia é um produto da imaginação e da inteligência.
 
▪ Por outro lado, reforça a ideia de que a criação poética implica apenas a emoção intelectualizada, a que foi filtrada pela inteligência, ou seja, as emoções/sensações são somente matéria poética “em bruto”, que devem ser, em primeiro lugar, ficcionadas/imaginadas e só posteriormente materializadas no poema.
 
▪ Quando afirma que sente com a imaginação, está a associar duas faculdades humanas de naturezas diferentes. As emoções que exprime no poema são o produto de um ato racional: o de imaginar. É este o sentido da antítese presente nos versos 3 a 5: “Eu simplesmente sinto / Com a imaginação. / Não uso o coração”.
 
▪ Assim sendo, o papel do coração e da imaginação no ato de criação poética é muito claro: o coração é o ponto de partida para a imaginação, ou seja, o poeta parte do que sente, mas recria o sentimento através da razão, afastando-se, desta forma, do que inicialmente sentiu.
 
 
2.ª parte (2.ª estrofe)
 
▪ O sujeito poético clarifica, neste passo do poema, a natureza do ofício do poeta. Assim, este vive num mundo (“falha ou finda”) que o deixa insatisfeito, mas tem consciência de que existe outro mundo, outra realidade melhor (“linda”): é o mundo da poesia, de contornos idealistas.
 
▪ A segunda estrofe assenta numa comparação, através da qual o sujeito poético afirma que as emoções, sejam elas negativas – de frustração ou insucesso (“o que falha ou finda) –, sejam positivas – os sonhos, as vivências, os anseios, os insucessos –, ou seja, a realidade que vive e experiencia, constituem um terraço, situado “Sobre outra cousa ainda”, mais bela, algo que considera perfeito e que o fascina, que é a realidade imaginada, isto é, a poesia, o produto da intelectualização dessas emoções (arte e a sua dimensão estética). O terraço é a divisão que separa o plano da realidade (o mundo sensível) e o plano da imaginação (mundo intelectual), é o patamar que encobre a beleza real (existente no mundo intelectual).
 
▪ O terraço, no fundo, é uma divisória entre o mundo físico e o mundo da realidade perfeita que é a poesia. A comparação sugere que as emoções são idênticas a um terraço, que se situa sobre uma “outra cousa” mais linda, ou seja, a escrita poética. Esta realidade racionalizada – a intelectualização do sentimento – encerra a beleza do ato de criação poética.
 
 
3.ª parte (3.ª estrofe)
 
▪ O poeta escreve distanciado das emoções (“escrevo em meio / Do que não está ao pé” – vv. 11-12), livre da dimensão sensível para encontrar a emoção estética. O poeta trabalha, através da razão, as emoções expressas no poema e cabe ao leitor senti-las. Escrever poesia é “imaginar”; sentir é tarefa que cabe ao leitor.
 
▪ A criação poética só se concretiza através do distanciamento da realidade emocional, do “coração”, do “terraço” e do mundo material, e da libertação de todas as perturbações emocionais (“Livre do meu enleio”), através do fingimento (“Sério do que não é”).
 
▪ O poeta situa-se entre (“em meio”) dois mundos – o da realidade física e o da poesia – e deve libertar-se do que o rodeia para compor o poema. Desta forma, pode ascender ao mundo das formas puras e belas, ou seja, ao mundo da poesia (versos 11 e 12). Ele sente essa necessidade de se afastar do que “está ao pé”, visto que, sendo a escrita um ato artístico e solitário até, exige o recurso à imaginação, sendo necessário afastar-se do que “está ao pé”, ou seja, das sensações imediatas, dos sentimentos, pois estes enleiam, enganam.
 
▪ De facto, para escrever poesia, o poeta deve afastar-se das aparências, das imperfeições (“enleio”) da sua realidade e saber que este não é o mundo da poesia, que é perfeito.
 
▪ No verso final do poema (onde estão presentes a interrogação, a ironia e a exclamação), o sujeito poético reforça a sua teoria: o distanciamento do poeta relativamente ao coração, às emoções, no ato de criação, pela intelectualização das sensações, introduzindo um novo interveniente – o leitor –, a quem está reservado o papel de sentir as emoções suscitadas pela leitura do poema.
 
▪ Este verso, de certa forma, atribui um estatuto de inferioridade à figura do leitor, comparativamente ao poeta. Por isso, ironicamente, afirma que o leitor se limita a sentir, como se fosse incapaz de usar a razão. Este sentirá qualquer coisa de completamente diferente do que o poeta sentiu. O poeta recusa a função central do sentimento e da emoção no trabalho de criação poética. Por outro lado, valorizam-se o efeito provocado no leitor e a importância da interpretação do ato de leitura. Em suma, o poeta não sente, deixa isso para os que leem, para quem não é poeta.
 
▪ Em suma, nas palavras de Carlos Reis, “o poeta denuncia [no poema] um erro: fingir ou mentir parecem designações sinónimas e capazes de designar o ato de escrever poesia, mas não é assim. Trata-se de recusar a emoção (“não uso o coração”) e de optar pela imaginação: é desta e do fingimento que provêm a poesia e os heterónimos. A “outra coisa” (aquilo de que a poesia fala) está distante do autor real e resulta da construção fingida e comandada pela imaginação e não pelo sentimento; este, quando muito, é próprio do leitor e da leitura que ele leva a cabo, mas não interessa ao poeta, a não ser como fingimento.” (in Leituras Orientadas – Fernando Pessoa).
 
 
l Papel do leitor e do poeta na poesia
 
Ao poeta cabe criar, de forma racional e artística, as emoções que expressará no poema, enquanto ao leitor cabe sentir as emoções e vivê-las.
 
 
l Pessoa verbal
 
▪ Em “Autopsicografia”, é usada a 3.ª pessoa, dado que a teoria da criação poética expendida tem um valor universal, pois aplica-se a todo e qualquer verdadeiro poeta.
 
▪ Em “Isto”, é usada a 1.ª pessoa, visto que o «eu» poético se apresenta como um exemplo de poeta, num tom confessional e intimista.
 
 
l Estrutura formal
 
▪ Estrofes: 3 quintilhas
 
▪ Métrica: versos hexassilábicos (Di | zem | que | fin | jo ou | min|)
 
▪ Rima:
- esquema rimático: ababb
- rima cruzada e emparelhada
 

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Resumo dos capítulos de O Malhadinhas

    A função do primeiro capítulo é apresentar a personagem principal é apresentar a personagem principal, os seus interesses e motivações, iniciando-se com uma reflexão do almocreve sobre o contraste entre o presente e o passado, contraste esse que traduz o seu saudosismo, que perpassa toda a narrativa. No capítulo inicial ainda, encontramos dois elementos muito importantes: o mulinho, a quem o protagonista se refere sempre com carinho e que está ligado às peripécias mais importantes da sua vida; Brízida, a figura que impulsiona os atos mais marcantes da sua existência. Em suma, logo no primeiro capítulo, deparamos com os fios condutores de várias ações: a saudade, o mulinho, Brízida, os dois rivais e tio Agostinho.
    O segundo capítulo gira em torno da figura de Brízida que, como é a mola impulsionadora de vários atos de almocreve, contribui para realçar a sua psicologia. O episódio central é a luta com o de Santa Eulália. A presença em cena de Rita contribui para destacar a figura de Brízida e para enfatizar a força motivadora que ela constitui para o protagonista.
    O terceiro capítulo centra-se no rapto de Brízida: o Malhadinhas enamora-se da prima, porém, tendo dúvidas acerca do amor da rapariga e confrontado com os avanços de um abade novo e galã, rapta-a e foge pelos campos, em busca do padre amigo que os há de casar. Foca igualmente a perseguição que sofre da parte de tio Agostinho e o triunfo final do almocreve na luta contra as forças adversas.
    Desflorada a mulher, o quarto capítulo centra-se na relação conjugal entre os primos e no esforço feito para se afirmar perante tio Agostinho, a quem não inspira confiança. O protagonista esforça-se para mudar o seu comportamento, a sua conduta, agora com o estatuto de homem casado. Sucede, no entanto, que essa transformação não se concretiza. Por último, ficamos ainda a par dos episódios em que intervêm o Capa-Cavalos de Sendim e o Bisagra a feira.
    O capítulo cinco tem como episódio central a rixa entre o almocreve Malhadas e o tenente da Cruz, da qual sai vitorioso o protagonista. Este vê-se cercado por um grupo de homens armados, liderados pelo tenente, com a intenção de o matar, por causa de desentendimentos e rivalidades antigas. Malhadinhas enfrenta os adversários com uma foice e traça um círculo no chão, desafiando quem o quiser atacar. No auge da rixa, surge em cena Bernardo do Paço, uma figura simultaneamente respeitada e temida na região, que intervém em defesa do almocreve. Assim, Bernardo repreende o tenente e desmobiliza e Cruz é humilhado, enquanto Malhadinhas e Bernardo selam a sua amizade na venda da Maria Bicha com vinho.
    O sexto capítulo relata dois episódios. O primeiro compreende a agressão violenta e pública de Bisagra ao padre Antunes, quando o encontra com a sua esposa. O escândalo subsequente tem como consequência a correção dos comportamentos dos envolvidos, e Malhadinhas orgulha-se por ter, indiretamente, contribuído para isso com a sua má língua. O outro episódio consiste na recordação de uma visita do protagonista a casa de Duarte, durante a qual, após muita bebida, primeiro elogia Joaquina, a mulher do amigo, e depois insulta violentamente, levando a que Duarte finalmente se imponha na própria casa e «meta» a mulher na ordem. Deste modo, o almocreve comprova a funcionalidade da língua enquanto meio para «endireitar o mundo que andasse torto», desmascarando a hipocrisia e impondo uma forma de justiça, seja provocando um escândalo conjugal seja restaurando a autoridade de um amigo sobre a esposa.
    O sétimo capítulo tem como fulcro a aventura vivida com o almocreve Fontinha, a fuga, que determina o abandono da profissão de almocreve. Durante uma confraternização com o regedor e os cabos, acabam todos por se embriagar, e Malhadinhas, percebendo que poderia ser preso por distúrbios e insultos, foge de Aveiro durante quatro anos. Outro episódio refere-se à ajuda a Bernardo, o amigo que o salvara em tempos de apuros (cap. V), que agora encontra em perigo, cercado por ciganos e espanhóis. Os dois enfrentam juntos os inimigos e escapam com dificuldade do aperto, mas o seu cavalo quase morre de exaustão. Para recuperar o prejuízo da iminente perda do animal, finge que este ainda está saudável, enche odres de vento simulando carga e acaba por o vender, enganando o comprador. O cavalo acaba por “deitar a alma” «na primeira ladeira».
    O capítulo oito tece considerações acerca da relação do protagonista com Brízida e relata a vingança sobre Bentinho, que lhe «desviou» a neta. De facto, depois de tecer comentários sarcásticos sobre a sua numerosa descendência, Malhadinhas alude à desonra causada por duas netas, nomeadamente Luísa, que foi seduzida por Bentinho, um barbeiro e curandeiro charlatão. Inicialmente, o almocreve mostra-se tolerante, acreditando que o namoro irá desaguar em casamento, no entanto muda de atitude ao descobrir que Bentinho apenas se vangloriava da conquista e desonrava a neta. Durante a festa de São sebastião, dominado pela raiva e pela vergonha, decide vingar-se. Espera-o à saída e agride-o violentamente. De seguida, foge, mas é encontrado pela guarda, que lhe diz que ninguém o condenará, visto que se limitou a lavar a honra.
    O penúltimo capítulo descreve a aventura vivida na serra com o frade Joaquim das Sete Dores, um homem corpulento, astuto e falador, que lhe pede boleia. Durante o percurso, os dois conversam sobre a vidam a fé, superstições e mezinhas populares. O frade, que tem fama de saber lidar com partos difíceis e proteger mulheres de males no resguardo, dá a Malhadinhas três nóminas (amuletos religiosos),que ele diz serem eficazes para proteger Brízida e os filhos. Desde então, a esposa do protagonista nunca mais teve partos difíceis nem faltou leite para os filhos. Este é um capítulo revelador: o almocreve conclui, no presente, a veracidade das palavras do frade, ditas no passado, a propósito da sua profissão. Por outro lado, este capítulo prepara o desfecho da narrativa. A saudade do passado e do ofício acentua-se. O episódio na serra e a conversa com o frade constituem um ponto de partida para a reflexão do presente, momento em que a ação se conclui. Com efeito, é exatamente no momento em que corre perigo, em que enfrenta a agressividade do clima e do espaço (o nevão na serra, o frio, a ameaça dos lobos), que Malhadinhas faz o balanço da sua vida, das agruras do seu ofício, o que motiva o comentário do frade, que lhe mostra como, em todos os ofícios e situações, há ossos duros de roer. A agressividade do espaço está em consonância com a agressividade do protagonista, que se vai moldando às circunstâncias sociais e do espaço. O seu instinto de luta apura-se perante a hostilidade do ambiente. Por último, este episódio vivido pelo almocreve vai deixar marcas profundas nele: no futuro, já velho, recordá-lo-á, para dar razão ao frade, assumindo-se então como um homem plenamente realizado que não renega as duras vivências que lhe permitiriam afirmar-se como herói.
    O capítulo X dá conta das preocupações de Malhadinhas relativamente à vida após a morte, nomeadamente a preocupação com esse momento, não por medo, mas por crença. O protagonista queixa-se dos impostos absurdos cobrados por uma velha cavalgadura que mal valia os guizos de um gato. Indignado com o «governo de ladrões», decide vender o cavalo e, com esse negócio, encerra em definitivo o seu ofício de almocreve, confessando, porém, profundas saudades desse tempo. Mais tarde, já idoso e doente, acredita estar próximo da morte, por isso chama o padre, confessa-se, recebe o viático e pede a Brízida para ver a espingarda que fora sua companheira de vida. Desconfiada, a esposa recusa entregar-lha, o que se mostra uma atitude sensata, visto que a intenção de Malhadinhas era disparar sobre ela e sobre si, movido pelo ciúme e pelo medo de refazer a vida após a sua morte. Apesar dos maus presságios (incluindo o barbeiro, que o dá por morto), todos ficam surpreendidos ao assistirem à sua recuperação momentânea, no entanto, consciente da proximidade do fim, sai pela última vez à rua, amparado no seu velho cajado. Senta-se num poial de pedra e, sereno como um romeiro cansado, adormece de vez.

Análise de O Malhadinhas

I. Cronologia de Aquilino Ribeiro


II. Biografia de Aquilino Ribeiro


III. Obra de Aquilino Ribeiro


IV. Ação

        1. Introdução

        2. Resumo dos capítulos


domingo, 27 de julho de 2025

A ação de O Malhadinhas: Introdução

    O Malhadinhas é uma história narrada na 1.ª pessoa, em forma de monólogo, e dirigida a um grupo de ouvintes, isto é, o protagonista, cujo nome dá origem ao título da obra, no final da vida, conta a sua história, recheada de episódios de diversa índole.
    A ação resume-se de forma simples: Malhadinhas é um almocreve, um serrano rústico, grosseiro e matreiro, que não tem quaisquer problemas em usar a «faquinha» que transporta à cintura para corrigir o que entende por injusto. Defendendo-se à navalhada e golpes de pau (e por vezes a tiro)dos inimigos que vai encontrando ao longo da vida, o protagonista apresenta-nos uma série de episódios picarescos.
    O Malhadinhas é constituído por 10 capítulos, nos quais o narrador, um almocreve, relata as suas aventuras. Deste modo, a ação central é a sua vida experimentada e dura, um relato caracterizado pelo saudosismo do passado, que contrasta com o tempo presente, marcado pela velhice e pela tal saudade, e que culmina com a morte do herói.
    No início da novela, o protagonista tece considerações sobre o presente e sobre o passado e prossegue, até ao desenlace, com a evocação saudosa de episódios da sua vida. A notícia final, que constitui uma espécie de epílogo, corrobora o relato da personagem, configurando o desfecho natural da narrativa, delimitando-a como uma ação fechada. Por outro lado, o desenvolvimento da ação contém outras ações / peripécias conectadas com o fio condutor da narrativa – a vida do almocreve.
    Cada um dos 10 capítulos possui uma finalidade própria que está ao serviço desse fio condutor: o registo psicológico, como o próprio autor caracteriza a novela. Os vários episódios relatados ao longo do texto confluem para o mesmo ponto: a caracterização das várias experiências e vivências do almocreve. As diferentes peripécias encadeiam-se sucessivamente, constituindo um todo coeso e harmonioso no qual avulta a psicologia do protagonista.

sábado, 26 de julho de 2025

Listas

1.         As listas dispostas em várias linhas permitem organizar enumerações, tornando o texto mais claro e acessível para o leitor.
 
2.         Habitualmente, existem três tipos de listas:

. os fragmentos (palavras ou expressões), sem um início de frase;

. uma só frase distribuída em várias linhas;

. várias frases completas.

 
3.         Exemplo de uma lista de fragmentos:

. Lista de compras:
- Batatas
- Cebolas
- Arroz
- Azeite
- Gelatina
- Melão
- Bananas
Este tipo de lista não necessita de pontuação no final de cada elemento, todavia é possível usar o ponto e vírgula (exceto no último elemento) ou o ponto a separá-los.
 
4.         Exemplo de uma lista constituída por uma frase distribuída em várias linhas:

. Aprender Matemática requer:
- compreender os conceitos básicos antes de avançar;
- praticar com frequência e regularidade;
- desenvolver o raciocínio lógico;
- aplicar a matemática em situações do dia a dia;
- não ter medo de errar e aprender com os erros.
 
5.         Exemplo de uma lista constituída por várias frases:
. Estas são as razões pelas quais o trabalho em grupo é valorizado na escola:
- Desenvolve-se a cooperação entre os alunos.
- Estimula-se o respeito pelas opiniões dos outros.
- Aprendem-se competências sociais importantes para a vida.
 
6.         Existem ainda listas feitas de vários parágrafos. É o caso de listas de normas. Tomemos como exemplo um artigo numa determinada lei, que é habitualmente constituído por parágrafos numerados e cada parágrafo por alíneas.

Artigo 12.º — Direitos dos trabalhadores-estudantes

1. O trabalhador-estudante tem direito à realização de exames em época especial, nos seguintes termos:

a) Deve apresentar atempadamente o seu comprovativo de matrícula;

b) A marcação da época especial deve ser feita de comum acordo com a entidade empregadora;

c) O número de exames não pode exceder o estipulado pelo regulamento da instituição de ensino.

2. O trabalhador-estudante tem direito à dispensa de serviço para a frequência de aulas, desde que:

a) As aulas decorram em horário coincidente com o horário de trabalho;

b) A entidade empregadora seja previamente informada do horário letivo;

c) A frequência seja devidamente comprovada pela instituição de ensino.

3. Para efeitos de justificação de faltas, o trabalhador-estudante deve apresentar:

a) Declaração comprovativa da atividade académica;

b) Prova documental da realização de provas ou frequência de aulas obrigatórias.
 
7.         Para organizar listas, usam-se sinais próprios (travessão, hífen, pequeno círculo, etc.), números (conjugados ou não com sinais de pontuação) ou letras – as chamadas alíneas (com um ou dois parêntesis ou outro sinal de pontuação):
-> , -, –, etc.
-> a), (a), A), (A), a., A., a, A
-> 1), 1., (1), 1, i., I., i, I, etc.
 
8.         Numa lista, podem existir vários níveis, com sublistas dentro de cada elemento.

1. Primeiro elemento da lista

a) Primeira alínea do primeiro elemento.

b) Segunda alínea do primeiro elemento.

2. Segundo elemento da lista

a) Primeira alínea do segundo elemento.

b) Segunda alínea do segundo elemento.

 
9.         Se uma lista for constituída por uma frase, esta deve ser escrita como se não estivesse em forma de lista:

. Falar bem implica:
·         exprimir-se corretamente oralmente;
·         estruturar bem o discurso;
·         apresentar argumentos e exemplos adequados ao tema.
 

Classes e subclasses de palavras (1)

1. Lê o seguinte excerto.
 
Deambulações e pensamentos ...

               – Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cais quedos tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo uma era anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele. Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essência das coisas. um destino igual, porque é abstrato, para os homens e para as coisas designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.

         Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o elétrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!
Bernardo Soares, Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa
(ed. Richard Zenith), 7. ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 41-42

 

1.1. Identifica as classes e as subclasses das palavras presentes nas seguintes tabelas.
 

Palavras

Classe

Subclasse

 

Palavras

Classe

Subclasse

«tardes» (l. 1)

 

 

 

«De dia» (ll. 7-8)

 

 

«sobretudo» (l. 1)

 

 

 

«um» (l. 8)

 

 

«aquele» (l. 1)

 

 

 

«que» (l. 8)

 

 

«mais» (l. 2)

 

 

 

«Eu» (l. 9)

 

 

«se» (l. 3)

 

 

 

«nulo» (l. 9)

 

 

«desde» (1l. 3)

 

 

 

«Não» (l. 9)

 

 

«a» (l. 3)

 

 

 

«entre» (l. 9)

 

 

«Alfândega» (l. 3)

 

 

 

«o» (l. 10)

 

 

«quedos» (l. 4)

 

 

 

«salvo» (l. 10)

 

 

«me»(l.4)

 

 

 

«ante» (l. 10)

 

 

«se» (l. 4)

 

 

 

«porque» (l. 11)

 

 

«essas» (l. 4)

 

 

 

«abstrato» (l. 11)

 

 

«seu» (l. 5)

 

 

 

«tudo» (l. 14)

 

 

«àquela» (l. 5)

 

 

 

«e» (l. 14)

 

 

«coevo» (l. 5)

 

 

 

«Ah» (l. 15)

 

 

«mim»(l.6)

 

 

 

«os» (l. 16)

 

 

«outros» (l. 6)

 

 

 

«de fora» (l. 17)

 

 

«como» (l. 6)

 

 

 

«ou» (l. 17)

 

 

«ali» (l 7)

 

 

 

«entardecer» (l. 18)

 

 


2. Associa as formas verbais da coluna A à respetiva subclasse da coluna B.

 

A

B

a) «Amo»(l. 1)

1. 1ntransitivo

b) «cessa» (l. 3)

2. Transitivo direto.

c) «insiro» (l. 4)

3. Transitivo indireto.

d) «sentir» (l. 5)

4. Transitivo direto e indireto.

e) «serem» (l.10)

5. Transitivo predicativo.

f) «substituírem»(1. 16)

6. Copulativo

 

2.1.   Classifica os verbos auxiliares dos complexos verbais presentes nas seguintes frases:

a)   Bernardo  Soares tinha deambulado  pela cidade baixa. ................................................

b)   Continuou  a  percorrer  as  ruas  tristes. ......................................................................

c)   A realidade nunca será substituída  pelos sonhos. ............................................................

d)   Soares não pode alterar  a tristeza que o invade. ..........................................................

e)   A realidade  circundante    de fasciná-lo  eternamente. ................................................

 
2.2. Indica o tempo e o modo dos complexos verbais. .............................................................................
 
3. Indica a classe e a subclasse dos vocábulos relativos presentes nas seguintes frases:

a)  O excerto pertence ao Livro do Desassossego, cujo autor é Bernardo Soares.

...........................................................................................................................................................

 

b)  O enunciador, que percorre a cidade de Lisboa, tece várias considerações.

.............................................................................................................................................................

 

e) As reflexões surgem a partir de locais da cidade de Lisboa por onde deambula.

............................................................................................................................................................

 

            d)  quem pense que Bernardo Soares é uma figura real.

............................................................................................................................................................

 

e)   O Livro do Desassossego, do qual muito me falaram, é realmente composto por fragmentos.

............................................................................................................................................................

 

3.1. Indica os antecedentes dos relativos presentes nas alíneas a), b), e) e e).

..............................................................................................................................................................

 

4. Reescreve as seguintes frases, substituindo a expressão destacada por um pronome.

a)  Os sonhos surgem de fora a Bernardo Soares.

...............................................................................................................................................

 
b)  Podemos dispor livremente os fragmentos do Livro do Desassossego.

...............................................................................................................................................

 
e) Quando puder, lerei este excerto do livro à minha mãe.

................................................................................................................................................

 
d)    Temos lido vários fragmentos da obra.

................................................................................................................................................

 
e)   Na próxima aula, leremos um novo fragmento.

................................................................................................................................................

 
f)    Relatar-vos-ei a deambulação de Bernardo Soares.

................................................................................................................................................

 

5. Indica se o valor do pronome pessoal «se», presente nas seguintes frases, é reflexo, recíproco, inerente, impessoal ou passivo.

a)  Atualmente, lê-se muito pouco. ...............................................................................................

b)  Bernardo Soares goza de sentir-se coevo de Cesário Verde. ...................................................

e) Salientam-se os heterónimos pessoanos e não o semi-heterónimo. ......................................

d)  Se Pessoa e Soares se encontrassem, decerto que se cumprimentariam. ................................

e)   Viu-se absorto e perdido nos seus próprios pensamentos. .........................................................

 

5.1. Completa as afirmações que se seguem com os valores utilizados anteriormente:

a)    o pronome pessoal surge sem pessoa gramatical, quando apresenta os valores

..................................................................................................................................................

 

b)    o pronome pessoal surge com as várias pessoas gramaticais, quando ocorre com os valores

..................................................................................................................................................

 
e) o pronome pessoal surge somente com sujeitos plurais ou com sujeitos constituídos por grupos nominais coordenados, quando apresenta o valor

..................................................................................................................................................

 
5.2. Comprova o valor passivo do pronome pessoal «se», colocando a(s) respetiva(s) frase(s) na voz passiva.

..........................................................................................................................................................

 
5.2    Indica as alíneas que apresentam frases em que:

a)    o «se» exprime um sujeito indeterminado, parafraseável por «há pessoas que»; «há quem» ou «alguém».

..........................................................................................................................................................

 

b)    o «se» indica que uma única entidade é simultaneamente agente e paciente da ação expressa pelo verbo, ao qual se pode juntar as expressões «a si» e «a si próprio/mesmo».

........................................................................................................................................................

 
6.     Refere a classe e a subclasse dos constituintes destacados.

a)  Soares subiu por ali, pois algo o impeliu. .............................................................................................

b)  Deambulava vagarosamente para apreciar o que via. ...............................................................................

e) O seu escritório ficava perto daquele lugar. .......................................................................................

d) Os sonhos surgiam-lhe de dia, insistentemente. .................................................................................

 

* * * * *

Correção
 

1.

«tardes»: nome/ comum;

«sobretudo»: advérbio/ modo;

«aquele»: determinante / demonstrativo;

«mais»: advérbio / quantidade e grau;

«se»: pronome / pessoal (inerente);

«desde»: preposição;

«a»: pronome/ pessoal;

«Alfândega»: nome/ próprio;

«quedas»: adjetivo/qualificativo;

«me»: pronome/ pessoal;

«se»: conjunção/ subordinativa condicional;

«essas»: determinante/ demonstrativo;

«seu»: determinante/ possessivo;

«àquela»: pronome/ demonstrativo (forma contraída);

«coevo»: adjetivo/ qualificativo;

«mim»: pronome/ pessoal;

«outros»: determinante/ indefinido;

«como»: conjunção / subordinativa comparativa;

«ali»: advérbio / lugar;

«De dia»: locução adverbial/ tempo;

«um»: determinante/ artigo indefinido;

«que»: pronome/ relativo;

«Eu»: pronome/ pessoal;

«nulo»: adjetivo/ qualificativo;

«Não»: advérbio/ negação;

«entre»: preposição;

«o»: determinante/ artigo definido;

«salvo»: advérbio/ exclusão;

«ante»: preposição;

«porque»: conjunção/subordinativa causal;

«abstrato»: adjetivo/ qualificativo;

«tudo»: pronome/ indefinido;

«e»: conjunção/ coordenativa copulativa;

«Ah»: interjeição;

«os»: pronome/ pessoal;

«de fora»: locução adverbial/ lugar;

«ou»: conjunção/ coordenativa disjuntiva;

«entardecer»: nome/ comum.

 

2.

a) 2

b) 1

c) 3

d) 5

e) 6

f) 4

 

2.1.

a) «tinha»: auxiliar do tempo composto;

b) «Continuou»: auxiliar aspetual;

c) «será»: auxiliar da passiva;

d) «pode»: auxiliar modal;

e) «há (de)»: auxiliar temporal.

 

2.2.

a) Pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo;

b) Pretérito perfeito do indicativo;

c) Futuro do indicativo;

d) Presente do indicativo;

e) Presente do indicativo.

 

3.

a) «cujo»: determinante relativo;

b) «que»: pronome relativo;

c) «onde»: advérbio relativo;

d) «quem»: pronome relativo;

e) «(d)o qual»: pronome relativo.

 

3.1.

a) «(o) Livro do Desassossego»;

 b) «O enunciador»;

c) «(d)a cidade de Lisboa»;

d) sem antecedente;

e) «O Livro do Desassossego».

 

4.

a) Os sonhos surgem-lhe de fora;

b) Podemos dispô-los livremente;

c) Quando puder, ler-lho-ei;

d) Temo-los lido;

e) Na próxima aula, lê-lo-emos;

f) Relatar-vo-la-ei.

 

5.

a) Valor impessoal;

b) Valor inerente;

c) Valor passivo;

d) Valor recíproco;

e) Valor reflexo.

 

5.1.

a) impessoal e passivo;

b) inerente e reflexo;

c) recíproco.

 

5.2. Os heterónimos pessoanos são salientados e não o semi-heterónimo.

 

5.3.

a) alínea a);

b) alínea e).

 

6.

a) Locução adverbial de lugar;

b) Advérbio de modo;

c) Advérbio de lugar;

d) Locução adverbial de tempo.

 

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