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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Os "Vencidos da Vida"

Em pé: Conde de Sabugosa, Carlos Mayer, Carlos Lobo d'Ávila, Oliveira Martins,
Marquês de Soveral, Guerra Junqueiro de Conde de Arnoso
Sentados: Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Conde de Ficalho, António Cândido

A partir de 1887 e até 1889, várias personalidades relevantes da vida literária, desiludidas com a situação política portuguesa, passaram a reunir-se, semanalmente, à mesa do Café Tavares e do Hotel Bragança, para jantar e para discutir assuntos relacionados com a sociedade, a política, a cultura e a literatura.

Estes intelectuais, herdeiros da Questão Coimbrã e das Conferências Democráticas do casino, pretendiam demonstrar o seu desencanto e pessimismo em relação ao rumo da sociedade portuguesa.

O grupo era constituído pelos elementos mais destacados da Geração de 70, nomeadamente Eça de Queirós (a partir de 1889, sempre que se encontrava em Lisboa, nos intervalos da sua atividade consular), Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Carlos Mayer.

Em 1888, o próprio Oliveira Martins batizou o grupo com a designação de Vencidos da Vida, em razão do seu diletantismo e de um certo mundanismo desencantado, de um desalento e frustração que, no fundo, eram os sentimentos de uma geração – a de 70 – que almejara a transformação e reforma sociocultural do país, mas falhara.

Com a morte e o afastamento progressivo dos seus membros, o grupo dos Vencidos da Vida dissolveu-se por volta de 1894.

A Geração de 70 e a Questão Coimbrã


& O Realismo e a Geração de 70







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            1. A Geração de 70

            A segunda geração romântica, geração ultrarromântica, liga-se ao período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e política, conseguida através da:
. eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
. criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira, degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
            Esta geração romântica, despojada da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados, dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
            O paternalismo / autoritarismo destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico, com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
            Esta situação literária, que tem como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da "rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor. Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
            A Geração de 70 é, basicamente, um grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de António Feliciano de Castilho.



            2. Questão Coimbrã

            O primeiro sinal da renovação literária e ideológica foi dado na Questão Coimbrã, onde se defrontaram os defensores do statu quo literário e um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, mais ou menos entusiasmados pelas leituras e correntes estrangeiras.
            O motivo da "Questão" foi aparentemente trivial. O conjunto de acontecimentos que a rodearam pode resumir-se da seguinte forma:
-» Publicação, em 1862, do poema D. Jaime, de Tomás Ribeiro;
-» A Conversação preambular, escrita, em 11 de Julho de 1862, por António Feliciano de Castilho, para apadrinhar o poema D. Jaime, ultrapassa todos os limites, traçando um confronto entre essa obra e Os Lusíadas, considerando-a uma epopeia superior à epopeia camoniana.
-» Leitura a Castilho dos poemas, até então inéditos, de Antero e Teófilo, que os acolheu com hiperbólica ironia.
-» Escaramuças jornalísticas entre Pinheiro Chagas, crítico dos «coimbrões», e Germano Meireles, seu apologeta.
-» Em agosto de 1865, Antero de Quental publica Odes Modernas, influenciado por escritores e filósofos franceses, afirmando no prefácio que “A poesia é a voz da Revolução”.
-» Em 27 de setembro de 1865, Castilho (uma espécie de padrinho oficial de escritores mais novos, tais como Ernesto Biester, Tomás Ribeiro ou Pinheiro Chagas, à volta do qual se constelou um grupo de admiradores e protegidos ‑ «escola do elogio mútuo», chamar-lhe-á Antero ‑ em que o academismo e o formalismo anódino das produções literárias correspondiam à hipocrisia das relações humanas, e em que toda a audácia tendia a neutralizar-se), em carta ao editor António Maria Pereira que serve de posfácio ao Poema da Mocidade, ingénua biografia lírica em quatro cantos, típica do saudosismo ultrarromântico, escrita por Pinheiro Chagas, aproveita a oportunidade para fazer o elogio deste escritor, recomendando Pinheiro Chagas ao rei D. Pedro V para a cadeira, então vaga, de Literaturas Modernas no Curso Superior de Letras, e censurar um grupo de jovens de Coimbra, acusando-os de exibicionismo livresco, de obscuridade propositada e de tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia. Os escritores mencionados eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras (futuro candidato a essa cadeira de Literatura); Antero de Quental, que publicara Odes Modernas; e Vieira de Castro, um jovem e verboso deputado.
-» Antero responde, em novembro de 1865, com um folheto intitulado Bom Senso e Bom Gosto (as duas virtudes que Castilho negara aos dois academistas). Nele defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da missão dos poetas na época de grandes transformações em curso, a necessidade de eles serem os arautos do pensamento revolucionário e os representantes do «Ideal»: ridicularizava a futilidade, a insignificância e o provincianismo da poesia de Castilho. Estava despoletada a Questão Coimbrão e estavam também lançadas as sementes do Realismo em Portugal.

            Os sequazes de Castilho replicaram de imediato e os folhetos começaram a chover de ambos os lados. Quental arremeteu com novo opúsculos nesse mesmo ano, sob o título A dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, enquanto Teófilo replicou com Teocracias Literárias (1866). Castilho não reagiu publicamente, mas teve como defensores figuras ilustres. Um deles foi Ramalho Ortigão, que mais tarde se haveria de integrar no grupo de Coimbra, mas que nesta altura saiu à liça como paladino de Castilho em Literatura de Hoje (1866), repreendendo Antero com ásperos adjetivos pelo seu desrespeito, o que provocou um duelo entre ambos. Note-se, porém, que nesse folheto Ramalho marcou uma posição de independência, criticando também a fuga de Castilho às lutas das ideias. Outro combatente das hostes de Castilho foi Camilo, que, em Verdades Irritadas e Irritantes (1866), com o seu temível sarcasmo polémico, veio atacar a nova geração.
            De notar que a Questão Coimbrã se alimentou de incompatibilidades literárias, que se foram juntando as sociais, políticas e filosóficas e, por último, as pessoais. Por exemplo, Antero e Teófilo não deixaram de causar estupefação com a brutalidade das alusões à idade e à cegueira de Castilho.



                        2.1. O significado da Questão

            A Questão, embora aparentemente literária, denunciava incompatibilidades mais profundas. De facto, os jovens universitários de 1865 reagiram contra a falsidade que representavam muitos outros aspetos da vida portuguesa, produto da adaptação das formas alienígenas do Liberalismo à velha estrutura tradicional do País. A revolta da Geração de 70 eclodiu num movimento político, filosófico e literário, cuja amplitude ultrapassou talvez a do próprio Romantismo.
            Este grupo que se sublevou contra Castilho era o mesmo que, acrescido de personalidades com tendências paralelas, havia de tratar, em 1871, nas Conferências Democráticas do Casino, de colocar Portugal a par da atualidade europeia, ligando-o "com o movimento moderno", estudando "as condições de transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa".
            Da ânsia de renovação cultural dos universitários dessa época dá Eça de Queirós uma boa ideia, ao relembrar a Coimbra do seu tempo: "Pelos caminhos de ferro que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França), torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários. Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos Reis; e Balzac com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como um universo; e Pöe, e Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros!
            Naquela geração nervosa, sensível e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira, fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumarada!"
            De toda esta problemática, fácil se torna concluir que esta geração surgida à vida pública na famosa "Questão Coimbrã" avulta como uma das mais brilhantes constelações que a cultura portuguesa produziu em qualquer época.



            3. As Conferências do Casino

            Assim designadas por terem decorrido na sala alugada do Casino Lisbonense, as Conferências do Casino foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa, na primavera de 1871, pelo chamado grupo do Cenáculo, constituído por jovens escritores e intelectuais de vanguarda (Geração de 70), que passaram a reunir-se em Lisboa depois de concluídos os seus estudos em Coimbra, restaurando a antiga fraternidade académica num Cenáculo com sede em casa de um deles. Do grupo faziam parte Antero, Teófilo, João Augusto Machado de Faria e Maia, Manuel de Arriaga, Eça de Queirós, e mais tarde Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Guilherme Azevedo e Guerra Junqueiro.
            Das discussões do Cenáculo, em que se aliavam a literatura e a boémia, tinham saído de começo obras de pura ficção, como as últimas Prosas Bárbaras de Eça de Queirós e os «satânicos» Poemas de Macadam, atribuídos a um imaginário Carlos Fradique Mendes; a chegada de Antero vem disciplinar as leituras e os interesses e dar um objetivo mais preciso ao grupo.
            O grande impulsionador das Conferências foi Antero de Quental, que, a partir de 1871, regressando de viagens a França, América e à ilha de S. Miguel, logo começara a influir nos gostos e interesses do grupo, iniciando-o na leitura de Proudhon. A ideia das Conferências surgiu na Casa da Rua dos Prazeres, onde o Cenáculo reunia então. Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria, hoje de Rafael Bordalo Pinheiro. O jornal A Revolução de Setembro encarregou-se da propaganda. A 18 de maio surgiu naquele jornal um manifesto (que já fora distribuído em prospeto), assinado por doze nomes, onde se indicavam as intenções dos organizadores das chamadas Conferências Democráticas.



                        3.1. Programa das Conferências

       «Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve re­generar-se a organização social.
       Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e o porquê dos movimentos.
       Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e, por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
       Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelec­tuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
       Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos.
       Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
       Procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
       Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
       Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
       Tal é o fim das Conferências Democráticas.
       Têm elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
       Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma ação ‑ embora mínima ‑ nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.

            Lisboa, 16 de maio de 1871 ‑ Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Teófilo Braga."



                        3.2. Significado das Conferências

            Encaradas no seu conjunto, as Conferências do Casino integram-se num largo, embora vago, plano de reforma da sociedade portuguesa e representam entre nós a afirmação dum movimento de ideias que contagiara os intelectuais portugueses, através dos livros vindos de fora. Era o historicismo, o interesse pelas ciências políticas e sociais, a crítica positivista à maneira de Taine, o evolucionismo de Darwin, um alvorecer de interesse pelas teorias de Marx e Engels, os ecos da Internacional, o realismo em Arte como expressão dum novo ideal de vida, a crença no progresso das sociedades, conseguido através das ciências ‑ das positivas, cujo prestígio crescia a cada instante. E, embora as preleções de Soromenho e A. Coelho se tenham mantido alheias a este espírito revolucionário, e apenas tenham marcado uma posição de ácido negativismo quanto às coisas portuguesas ‑ a verdade é que o espírito das Conferências do Casino foi este. Como Eça afirmava nas Farpas, «era a primeira vez que a Revolução sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna».
            Para compreender todo o alcance das Conferências, convém notar que se estava então num ano de grandes acontecimentos ‑ 1871: remate da unificação de Itália, queda do II Império francês, guerra franco-prussiana, Comuna de Paris, que Antero e Guilherme de Azevedo aplaudiram publicamente. No plano interno, este é o ano em que a Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, se estende a Portugal, com a cooperação de Antero. O principal promotor em Portugal desta organização, um empregado da livraria Bertrand, José Fontana, tem contactos com o Cenáculo, e participa, como organizador administrativo, nas Conferências.
            É fácil, desta forma, compreender a importância que lhe dedicaram as autoridades oficiais, até ao seu encerramento compulsivo por ordem do ministro do reino, António José de Ávila, após os ataques de jornais conservadores, que acusavam os conferencistas de intenções subversivas e de serem adeptos da Comuna. A motivação próxima da ordem de encerramento parece ter sido a de impedir a realização de uma conferência que ia pôr em causa a religião católica, constitucionalmente ligada ao Estado.

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