Português: 2014

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Education and Training Monitor 2014

     Se há algo de profundamente errado na área da Educação, se há algo efetivamente mau, muito mau mesmo, são os ministérios sucessivos do setor e os políticos que nela / nele intervêm.
     Porquê?
     Porque:
          a) Motiva-os a descredibilização da Educação pública;
          b) Motiva-os a oferta ao privado do maior número possível de escolas
               públicas;
          c) Motiva-os a desorçamentação do setor, visto como uma fonte de
               despesa a evitar a todo o custo e não como um investimento e um
               fator de desenvolvimento das pessoas e, por arrasto, do próprio
               país;
          d) Motiva-os uma ideologia ortodoxa que já (não) provocou noutros
               países.

     E de que meios se socorre esta gente para atingir os seus fins?
          1) Mentira;
          2) Falsidades várias e sucessivas;
          3) Adulteração de dados e números;
          4) Manipulação da «opinião pública».

     Porém, de vez em quando, têm de sair de mansinho pela porta baixa ao levarem na tromba - se quisermos ser polidos, ao serem confrontados) - com dados e números que evidenciam estas manobras miseráveis. Nesses momentos, a catedral escangalha-se e cai como um baralho de cartas.

     A última areiazita na engrenagem, neste caso, do ministro Crato foi o relatório identificado no título desta postagem, que, pasmem senhor ministro, senhores secretários de estado, senhor Passos Coelho e seus acólitos, proclama que os alunos portugueses, embora servidos por professores miseráveis (tão miseráveis que, mesmo possuindo licenciaturas efetivas e devidamente obtidas, mestrados e doutorandos, são obrigados a realizar uma charada para terem acesso à profissão) e por estas públicas ainda piores, obtiveram um desempenho, em 2012, que se situa acima da média da União Europeia em todas as áreas: Leitura, Ciências e Matemática.



Fernando Machado Soares: RIP


Fernando Machado Soares
(1930 - 07/12/2014)

sábado, 13 de dezembro de 2014

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

"Autorretrato com a musa" (parte 3)

quem amo tem cabelos
castanhos e castanhos
os olhos, o nariz
direito, a boca doce.
em mais ninguém conheço

tal porte do pescoço
nem tão esguias mãos
com aro de safira,
nem tanta luz tão húmida
que sai do seu olhar,

nem riso tão contente,
contido e comovente,
nem tão discretos gestos,
nem corpo tão macio
quem amo tem feições

de uma beleza grave
e música na alma
flutua nas volutas
de um madrigal antigo
em ondas de ternura.

é quando eu sinto a musa
pousando no meu ombro
sua cabeça, assim
me enredo horas a fio
e fico a magicar.

                         Vasco Graça Moura, Poesia 2001-2005

"Autorretrato"

Estado civil casado
nacionalidade portuguesa
triste se alegre e sorridente quando triste
muito mais egoísta se se veste de altruísta
chefe só de família olhar cansado
calva prometedora e tendência obesa
à beira dos quarenta anos de idade
e ajoujado ao peso de vários passados
tímido e trágico e capaz de crueldade
tanta quão tamanho o arrependimento
temendo hoje não tanto já fazer o mal
como fazer algumas ou pior uma só vítima
incoerente e instável ora dado a bons bocados
como logo açoitado pelos ventos dos cuidados
poeta para mais por condição
homem que só pensar sabe afinal fazer
que vive a arte o amor a vida até como destruição
digam vossas mercês como devia ele ser
pois sempre assim seria inútil mesmo renascer

                             Ruy Belo, Todos os Poemas III

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Número de jovens que não querem frequentar a Universidade aumenta

     «A percentagem de estudantes que dizem querer ficar só com o 12.º ano, abdicando da formação superior, está a aumentar. Os resultados do 4.º Barómetro Educação em Portugal 2014, realizado pela EPIS – Empresários pela Inclusão Social, mostram que os jovens estarão a acreditar menos nos estudos académicos e terão “uma percepção errada” sobre quem são as principais “vítimas do desemprego”, as pessoas com menos qualificações, alerta o presidente da associação, Luís Palha da Silva. Mas a falta de dinheiro das famílias também não será alheia à tendência.»

     Ver notícia aqui. »»»

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Na aula (XVIII): o «s» de cão

     Aula de 12.º ano sobre Álvaro de Campos. Trabalho de síntese de um texto informativo sobre este heterónimo pessoano. Pergunta saída lá da penumbra:

          «Professor, 'subversivo' escreve-se com S de Cão?»

Na aula (XVII): maratonas de «sprint»

     Abnegadamente, o aluno procura exemplificar uma parlapatice qualquer que está a proferir a propósito das noções de «esforço», «trabalho» e «estudo» e sai-se com esta pérola:

          "Por exemplo, estamos a fazer uma maratona de 100 metros..."

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Modificador do nome, complemento do nome e do adjetivo: exercícios

         Assinale a função sintática desempenhada pelos elementos sublinhados nas frases.

a) Não aprecio calças de ganga.
b) Vi o Manuel, primo da minha mãe.
c) O professor de Português está disponível para vos ajudar.
d) O Antunes, meu aluno, chegou da Austrália.
e) O cinema da vila foi encerrado por falta de espetadores.
f) O filho da tua cadela não sobreviveu.
g) Os cineastas defendem o apoio do ministério à atividade cinematográfica.
h) Os hotéis madeirenses estarão cheios na época natalícia.
i) A decisão do tribunal sobre José Sócrates será conhecida hoje.
j) Caros alunos, têm de entregar o trabalho sobre Ricardo Reis.
k) A Terra, um planeta verde e azul, está ameaçado.
l) Estou descontente com a exibição do Benfica.
m) O meu filho mais velho comprou uns ténis.
n) Joaquina, a minha prima, iniciou um novo negócio.
o) A festa de despedida do professor Rua foi muito participada.
p) O arquiteto mostrou-se interessado no projeto.
q) Dizem que este hospital é difícil de gerir.
r) A decisão da direção foi mal aceite pelos alunos.
s) José Sócrates, o réu, será julgado oportunamente.
t) Fumar é um vício prejudicial à saúde.

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Correção

a) Modificador do nome restritivo
b) Modificador do nome apositivo
c) Complemento do adjetivo
d) Modificador do nome apositivo
e) Modificador do nome restritivo
f) Complemento do nome
g) Complementos do nome (2)
h) Complemento do nome
i) Complemento do nome
j) Modificador do nome restritivo
k) Modificador do nome apositivo
l) Complemento do adjetivo
m) Modificador do nome restritivo
n) Modificador do nome apositivo
o) Modificador do nome restritivo
p) Complemento do adjetivo
q) Complemento do adjetivo
r) Complemento do nome
s) Modificador do nome apositivo
t) Complemento do adjetivo


Aulas de apoio e reuniões: componente letiva ou não letiva?

     Esclarecimentos do SPN aqui.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Na aula (XVI): problemas de localização geográfica

     «Em Lisboa há os estádios do Benfica, do Porto e do Sporting.»

     O centralismo da capital já chegou a este extremo?

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A fábula do burro e a Educação


A estória é bem conhecida mas lembro-a rapidamente: o dono de um burro teve que se ausentar e deixou dinheiro a um vizinho para ir comprando comida para o animal enquanto ele estava fora. O vizinho, para poupar dinheiro, foi dando cada vez menos comida ao burro até que ele morreu de fome. O comentário do desajeitado aforrador foi: “Que pena! O animal foi morrer logo agora, quando já estava quase habituado a não comer!”.
O orçamento proposto pelo Governo para 2014 corta – em cima dos cortes anteriores – mais 314 milhões de euros no Ministério da Educação. Os gastos com professores e auxiliares no ensino básico representam um corte de 13% em relação ao orçamento anterior.
Assim, reduzir professores e auxiliares, é uma poupança que nos vai custar muito caro. Cada vez mais as nossas escolas vão estar preparadas para educar alunos que têm ambientes familiares estimulantes e que lhes permitem seguir o currículo sem a necessidade de apoios. Para os outros, aqueles cada vez mais numerosos que não têm em casa, quem lhes dê apoio ou quem lhes possa pagar este apoio, a escola está cada vez mais pobre. Pobre porque não consegue criar ambientes de aprendizagem diferenciados que tenham atenção aos diferentes ritmos e condições de aprendizagem; pobre porque cada vez mais é encorajada a atuar como se os alunos se dividissem em “normais” – aqueles que aprendem da forma como tradicionalmente se ensina e os “especiais” aqueles que dão problemas e que não se tem possibilidades e recursos para ensinar.
E voltamos à fábula do burro. Todos estes cortes têm os seus efeitos: um dia perdemos uma auxiliar, daqui a meses um professor, para o ano mais duas auxiliares, e assim vamos… Tal como o burro vamo-nos desabituando de comer… A questão que é preciso recordar é o final da estória: o burro morreu. Quer dizer que estes cortes na educação vão-nos distanciando de uma escola para todos em cuja construção estivemos empenhados durante muitos anos. Não se trata só de racionalizar os gastos, o problema é que estamos a retomar uma conceção de escola – à semelhança da escola de má memória do “antigamente” – que ensine quem quer, quem está preparado, quem se comporta, quem ao fim e ao cabo se apresenta como um aluno “normal”.
Era muito bom que não nos conformássemos, que não nos habituássemos a esta dieta de recursos que fazem regredir a nossa educação e que leva a que muitos milhares de alunos – que podiam e são os nossos filhos – se sintam estrangeiros numa escola que foi feita para eles.

David Rodrigues

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O Rato

     O que leva uma pessoa supostamente educada, culta e com parte dos neurónios ainda em funcionamento a submeter-se, a subalternizar-se de forma humilhante e indecorosa?
     Em Esposende, o "disponível" ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, assistiu, ao vivo e a cores, à assunção formal da sua pasta por parte do primeiro-ministro. De facto, este, nas barbas (literal e figurativamente) do matemático, deu notícia ao mundo da forma autoritária e inapelável como subordinou a figura de Crato à sua vontade: quem quer sair sai, não ameaça, não se coloca à "disposição".
     O sorriso forçado e aparvalhado do MEC no momento em que Passos Coelho falou diz tudo sobre o nada em que se tornou. O inenarrável processo de colocação de professores (quando é que terminará?) foi apenas a cereja no topo do bolo de um mandato miserável.

Henricartoon

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Análise do poema "Não sei se é sonho se realidade"

                O sujeito poético começa por afirmar a sua incapacidade para distinguir o sonho da realidade (“Não sei se é sonho, se realidade, / Se uma mistura de sonho e vida.” – vv. 1 e 2). Essa incapacidade torna o desejo de felicidade (“A vida é tão jovem e o amor sorri.” – v. 6) tão forte (“É esta que ansiamos” – v. 5), que esta se presentifica (“Ali, ali” – v. 5), como se de uma realidade tangível se tratasse (“Aquela terra de suavidade / Que na ilha extrema do sul se olvida.” – vv. 3 e 4). Neste contexto, a “ilha extrema do sul” (v. 4) simboliza precisamente a felicidade ansiada, porém inacessível.
                A primeira palavra da segunda estrofe – o advérbio “talvez” – anuncia o tom geral desta parte do texto (de dúvida), bem como a impossibilidade de concretização do sonho (“inexistentes”, “longínquas”) presente na terceira estrofe (vv. 17-18). Os paraísos imaginados (“palmares inexistentes, / Áleas longínquas sem poder ser” – vv. 7-8) são uma forma de evasão reconfortante dos crédulos (“Sombra ou sossego deem aos crentes / De que essa terra se pode ter.” – vv. 9-10), mas apenas desencadeiam no sujeito poético dúvidas e ceticismo (“Ah, talvez, talvez, / Naquela terra, daquela vez.” – vv. 11-12) e descrença na possibilidade de se ser feliz (“Felizes, nós?” – v. 11). Assim, as imagens de felicidade (“sonhada” – v. 13; “Sob os palmares, à luz da lua” – v. 15) e a consciência da realidade (“Ah, nesta terra também, também, / O mal não cessa, não dura o bem.” – vv. 17-18), quando pensadas (“Só de pensá-la” – v. 13), perdem o seu efeito balsâmico (“se desvirtua” – v. 13), pois causa dor (“cansou pensar” – v. 14) a consciência do seu caráter ilusório (“Sente-se o frio de haver luar.” – v. 16).
                Concluindo, o sonho é ilusão e a felicidade aí procurada (“ilhas do fim do mundo” – v. 19; “palmares de sonho” – v. 20) traz ilusões e desilusões (“Não é […]”; “Nem […] ou não”; “Que cura a alma seu mal profundo, / Que o bem nos entra no coração.”). Ela está perto (“É ali, ali” – v. 23), mas só pode ser alcançada no íntimo de cada um de nós (“É em nós que é tudo.” – v. 23; “Que a vida é jovem e o amor sorri.” ­ V. 24).
                A nível vocabular, o sentido do poema progride da dúvida, logo presente no verso 1, para a certeza (“Não é” – v. 19). A transição do “sonho” para a “realidade” é feita na terceira estrofe através da conjunção adversativa “mas”. O advérbio “ali” acompanha esta progressão, pois, na primeira estrofe, refere a “ilha extrema do “sul” e, na última, remete para o interior de cada um de nós, pois é em nós, e apenas em nós, que podemos encontrar a felicidade (“É em nós que é tudo.” – v. 23). Esta conclusão é marcada, igualmente, pela utilização de atos ilocutórios assertivos, destacando a certeza do sujeito poético relativamente àquilo que afirma.
                O título do poema remete já para o tema – o refúgio no sonho – e para a oposição em torno da qual se desenvolve o texto: sonho vs realidade.

sábado, 11 de outubro de 2014

Um concelho a caminho da falência


Público on-line

Crato quis, mas não o deixaram, logo não saiu


     Nuno Crato sempre defendeu a implosão do MEC, porém o resultado da sua ação está a ser a implosão do quotidiano das escolas, dos professores e dos alunos.

     O chefe do bando, por sua vez, está unicamente preocupado com a permanência do dito e não com o caos que os seus ministros da Educação e da Justiça causaram nos respetivos setores, isto é, sectores.

"Canção da Primavera", Francisco Martins


Francisco Martins (15/10/1946 - 27/07/2014)

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Frações

     Uma fração é um número que representa uma ou mais partes iguais da unidade. Representa-se com o auxílio de um traço horizontal.


     O número que se escreve por cima do traço chama-se numerador e representa o número de partes de unidades representadas.

     O número que se escreve por baixo do traço chama-se denominador e indica o número de partes iguais em que a unidade foi dividida.


Situação problemática

                O João tinha um chocolate dividido em seis partes iguais, mas já comeu duas partes.
                Que parte do chocolate comeu o João?


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Memória

. Etimologia

     Na antiguidade grega, Mnemosine (Memória) era uma divindade que dava o poder de recuar no tempo e recordá-lo para transmiti-lo à sociedade – deusa da memória, no fundo.


. Definição

     As memórias são escritos em que um autor recorda e narra factos ligados à sua pessoa ou à sua época.


. Tipos

     - memórias de viagem;
     - memórias de infância;
     - ...


. Características

     - Pertence ao género literário narrativo.
     - É uma forma de escrita sobre si mesmo.
     - Constitui:
          o relato de factos/vivências pessoais e familiares;
          . o testemunho dum tempo e dum meio;
          . o relato de acontecimentos históricos e políticos.
     - A narrativa de memórias tem um fundo histórico-cultural, sujeito à filtragem subjetiva de quem a produz.
     - O papel fundamental neste tipo de texto é desempenhado pela memória. Os acontecimentos são passados pelo crivo da lembrança, que por vezes precisa de auxiliares: diários íntimos, cartas, jornais, etc.
     - Os factos são relatados num desfasamento temporal: o presente do discurso (da escrita) e o passado da história.
     - O discurso está centrado na primeira pessoa, com os verbos preferencialmente no pretérito imperfeito (para presentificar o passado) e no pretérito perfeito.
     - As memórias possuem enorme valor documental, pois constituem o testemunho de um tempo, um espaço e um meio. De facto, o narrador descreve todos os acontecimentos e condicionalismos que determinaram a sua infância, sejam de ordem familiar, social, cultural ou política.
     - Nas memórias, acumulam-se nomes de personagens ilustres que foram atores da história, ao mesmo tempo que o memorialista é actor da sua história.
     - A memória constitui uma recriação seletiva do passado: sendo seletiva, guarda apenas os factos e ocorrências significativos, aqueles que, por motivos diversos, se assumam como mais marcantes.
     - Neste tipo de texto, como a designação deixa antever, desempenha papel central a memória, pois é ela, enquanto faculdade que permite conservar recordações, que propicia a lembrança dos acontecimentos passados relatados.
     - A exterioridade possui um peso enorme: ainda que alusivo à vida do sujeito da enunciação, o texto centra-se sobretudo na sua relação externa com o meio e as outras pessoas, não registando apenas, como sucede com o diário, a posição do «eu» face ao mundo.

Protótipos textuais

                Embora cada texto seja uma unidade distinta, não deixa de ser agrupável num tipo ou género, a partir das suas marcas verbais, semânticas, formais e pragmáticas.
                Os tipos textuais são modelos mentais, abstratos, que o leitor, de acordo com os conhecimentos adquiridos na audição e na leitura, guarda na sua memória e lhe permitem reconhecer, produzir e classificar textos com marcas específicas. Cada tipo de texto define-se, pois, por um determinado conjunto de características, umas constantes e outras variáveis.
                Os textos são constituídos por sequências, estruturalmente organizadas entre si e em relação ao todo que constituem, configurando assim a organização do texto. Essas sequências poderão atualizar diferentes tipos textuais, podendo, num mesmo texto, ocorrer sequências de diferentes tipos. Por exemplo, é frequente que, num texto narrativo, ocorram sequências descritivas ou dialogais, além das narrativas.
                A configuração de um texto representa, assim, a sua estrutura global, permitindo classifica-los em diferentes tipos.


1. Texto narrativo

                O texto narrativo tem como principal objetivo relatar eventos, factos ou acontecimentos.
                O texto narrativo possui cinco características específicas: uma ação ou ações, localizada(s) no tempo e no espaço, protagonizada por uma pessoa ou personagem, que confere unidade à ação ou atravessa toda a narrativa, e contada por um narrador, que pode ser, ou não, uma das personagens.
                Por outro lado, os eventos representados encadeiam-se de forma lógica e orientam-se para um desenlace, desenvolvendo-se ao longo de três momentos, sobretudo no de texto de índole literária:
. Situação inicial: situação de estabilidade, em que se apresentam as personagens, situadas no tempo e no espaço. Habitualmente, são frequentes as sequências descritivas neste momento inicial.
. Complicação / problema: é o conjunto de eventos que geram um conflito, desequilibrando a situação inicial, e que constituem o núcleo da narração. Frequentemente, há textos narrativos que alternam situações de equilíbrio e desequilíbrio, correspondendo à ocorrência de vários episódios ou capítulos de uma obra.
. Resolução: é a solução do conflito e o regresso a uma situação de equilíbrio.
                São exemplos do protótipo textual narrativo textos literários, como o romance, a novela, o conto, a fábula, a lenda, o mito, a parábola, a banda desenhada, a (auto) biografia, e não literário, como a notícia, a reportagem, a crónica, o relatório, o relato histórico ou de experiências pessoais, o relato oral, etc.
                As principais marcas linguísticas desta tipologia textual são as seguintes:
. o uso predominante de verbos de ação;
. o predomínio do pretérito perfeito do indicativo ou do presente histórico;
. o uso do pretérito imperfeito para iniciar a narrativa;
. a abundância de organizadores e conectores temporais e espaciais (“quando”, “depois”, “um dia”, etc.);
. o recurso a advérbios de valor locativo e temporal;
. o uso de marcadores discursivos explicativos e conclusivos (“assim”, “porque”, “por esse motivo”, etc.).


2. Texto descritivo

                O texto descritivo constrói-se em torno de um dado assunto ou objeto, ao qual se atribuem predicados ou características diversos. Por outro lado, esse assunto ou objeto pode ser descrito de forma genérica / global, ou desdobrado e descrito nas suas partes constituintes.
                Podem ser objeto de descrição pessoas, personagens (os seus traços físicos e psicológicos), espaços (físicos, psicológicos ou sociais), fenómenos atmosféricos e todo o tipo de objetos. As sequências textuais descritivas surgem frequentemente articuladas com sequências textuais de outros tipos. Por exemplo, é frequente surgirem, em textos narrativos, sequências descritivas que permitem caracterizar uma personagem ou um espaço social, por forma a motivar o desenrolar da ação.
                O texto descritivo pode concretizar-se de diferentes formas:
. num texto corrido (uma enciclopédia, por exemplo);
. numa introdução seguida de uma listagem de itens caracterizadores de algo;
. num texto narrativo ou num texto científico.

                As principais marcas linguísticas deste protótipo textual são as seguintes:
. verbos de estado para a descrição estática (“ser”, “estar”, “parecer”, etc.) e verbos de ação para a descrição dinâmica;
. predomínio do pretérito imperfeito e do presente do indicativo;
. adjetivos e expressões caracterizadoras;
. conectores e marcadores discursivos (aditivos, enumerativos, etc.);
. advérbios com valor locativo;
. vocabulário expressivo e figuras de estilo.


3. Texto argumentativo

                O texto argumentativo tem como objetivo central justificar e / refutar ideias e opiniões. A sua intenção comunicativa é convencer, persuadir o(s) interlocutor(es), levando-o(s) a aceitar determinado ponto de vista, ideia ou produto, etc., obtendo assim a sua aprovação, ou refutar uma opinião alheia, estabelecendo relações entre factos, hipóteses, provas e refutações. Deste modo, pode afirmar-se que um texto argumentativo se caracteriza, por um lado, pela expressão de uma opinião que, sendo controversa, suscita uma defesa e abre espaço de contestação e, por outro lado, pela apresentação de argumentos a favor ou contra uma determinada tese.
                O texto argumentativo apresenta, geralmente, a seguinte estrutura:
. Tese: apresentação da opinião que se se pretende defender.
. Premissa: pode(m) ou não estar expressa(s), representando algo que é inequivocamente aceite.
. Argumentos: conjunto de provas ou razões que sustentam a tese, que devem ser fidedignas, autênticas e relevantes. Podem funcionar como argumentos exemplos, ilustrações, narrações, descrições, estatísticas, comparações, referências históricas, etc. Normalmente, os argumentos são apresentados de forma gradativa e crescente, partindo-se dos mais frágeis para os mais fortes e irrefutáveis.
. Conclusão: é uma demonstração clara da tese defendida.
                Como exemplo do protótipo textual argumentativo, podemos referir os discursos políticos, a publicidade, os discursos da imprensa escrita e falada, os debates, a propaganda política, situações informais de interação sobre aspetos práticos e quotidianos.
                As principais marcas linguísticas são as seguintes:
. verbos de opinião e crença (“achar”, “julgar”, “crer”, “dever”, “querer”, “gostar”, “ser preciso”, “concordar”, etc.);
. verbos declarativos (“afirmar”, “considerar”, “declarar”, etc.);
. verbos que indicam uma relação entre a causa e o efeito (“causar”, “motivar”, “originar”, “provocar”, “ocasionar”, etc.);
. uso frequente do verbo “ser” ou equivalente na elaboração da tese;
. predomínio do presente, pretérito perfeito e futuro do indicativo com valor universal;
. frases declarativas e interrogativas;
. marcadores e conectores discursivos com valores diversos: aditivo (“mais”, “além disso”), exemplificativo / confirmativo (“por exemplo”, “com efeito”), contrastivo (“mas”, “no entanto”, embora”), explicativo e conclusivo (“porque”, “pois”, “com efeito”, “por conseguinte”).


4. Texto expositivo

                O texto expositivo tem como objetivo a análise ou a síntese de ideias, conceitos e teorias; expor, explicar e informar sobre algo, apresentando problemas e propostas de resolução dos mesmos, acompanhados, ou não, de justificação.
                Constituem exemplos de atualização deste tipo textual os manuais da área das ciências naturais (onde abundam textos em que se passa constantemente da exposição – sucessão de informações com o objetivo de dar a conhecer algo – à explicação – com o intuito de fazer compreender o porquê do problema e a sua resolução).
                Algumas das marcas linguísticas que caracterizam esta tipologia textual são estas:
. verbos com sentido expositivo (“ser”, “ter”, “consistir”, etc.) no presente, pretérito perfeito e futuro do indicativo, normalmente com valor universal e intemporal;
. adjetivos e advérbios para descrever, precisar e situar;
. uso frequente de analogias e comparações;
. enunciação objetiva na terceira pessoa, omitindo as marcas do sujeito enunciador e estruturas que indicam uma avaliação pessoal (“na minha opinião”, “julgo”, “creio”, “parece-me que”, etc.), recorrendo antes a estruturas impessoais (“deve-se”) e passivas;
. léxico especializado;
. conectores e marcadores de causa e consequência, confirmativos e exemplificativos, explicativos e conclusivos.


5. Texto conversacional ou dialogal

                O texto conversacional é atualizado em textos em que intervêm, pelo menos, dois interlocutores que tomam a palavra alternadamente e que produzem um número variável de trocas verbais, cooperando na produção do texto.
                Este protótipo textual manifesta-se em qualquer interação verbal, como, por exemplo, numa conversa telefónica, nas interações quotidianas orais, no comentário de acontecimentos, em debates e nas entrevistas.
                As marcas linguísticas que o enformam são as que, seguidamente, se enunciam:
. características do discurso oral (repetições, quebras sintáticas, etc.);
. segmentos de reformulação;
. marcadores conversacionais (“olha”, “ouve”, etc.);
. formas de tratamento;
. formas verbais do modo indicativo e do imperativo;
. uso da segunda pessoa de verbos, pronomes e determinantes;
. modos de localização espacial que indicam proximidade ou afastamento relativamente aos interlocutores.


6. Texto instrucional ou diretivo

                Os textos que atualizam o tipo textual instrucional ou diretivo têm subjacente o objetivo de controlar o comportamento do(s) seu(s) destinatário(s), de o(s) ensinar a praticar determinada ação.
                São textos que incitam à ação, estabelecem regras de comportamento ou que fornecem instruções sobre as etapas e os procedimentos que deverão ser seguidos de modo a alcançar um determinado objetivo.
                Este protótipo textual é atualizado numa grande diversidade de textos: avisos / enunciados simples como «Não pisar a relva» ou «Proibido fumar», receitas de culinária, instruções de montagem, regras de utilização de um programa / máquina, instruções de montagem de um aparelho, alguns provérbios, manuais de instruções, a posologia dos medicamentos, “slogans”, etc.
                As principais marcas linguísticas são as seguintes:
. verbos, em geral, de movimento que incitam à ação;
. formas verbais no imperativo, conjuntivo (“insira-se”), infinitivo (“Não fumar”) e futuro do indicativo;
. frases imperativas;
. marcadores discursivos predominantemente temporais.


7. Texto preditivo

                O texto preditivo tem como função informar sobre o futuro, antecipando ou prevendo acontecimentos / eventos que irão ou poderão acontecer.
                A palavra «preditivo» é um adjetivo formado a partir da forma verbal «predizer», que significa «dizer antes», «anunciar com antecedência», «prognosticar», «vaticinar» ou «profetizar». Assim, o discurso preditivo afirma algo antecipadamente, antes de os factos serem observados ou comprovados.
                O protótipo textual preditivo manifesta-se, por exemplo, em boletins meteorológicos, profecias, horóscopos, alguns provérbios, etc.
                Algumas das marcas linguísticas que o caracterizam são as seguintes:
. expressões com valor temporal de futuro;
. predomínio do futuro do indicativo ou complexos verbais com utilização de auxiliar temporal.

Bibliografia:
. Domínios, de Zacarias Nascimento et alii;
. Gramática da Língua Portuguesa, de Clara Amorim.

domingo, 5 de outubro de 2014

'Vozes dos animais'

Palram pega e papagaio
E cacareja a galinha
Os ternos pombos arrulham
Geme a rola inocentinha

Muge a vaca, berra o touro
Grasna a rã, ruge o leão,
O gato mia, uiva o lobo
Também uiva e ladra o cão.

Relincha o nobre cavalo,
Os elefantes dão urros,
A tímida ovellha bala,
Zurrar é próprio dos burros.

Regouga a sagaz raposa,
Brutinho muito matreiro;
Nos ramos cantam as aves,
Mas pia o mocho agoureiro.

Sabem as aves ligeiras
O canto seu variar:
Fazem gorjeios às vezes,
Às vezes põem-se a chilrar.

O pardal, daninho aos campos,
Não aprendeu a cantar;
Como os ratos e as doninhas
Apenas sabe chiar.

O negro corvo crocita,
Zune o mosquito enfadonho,
A serpente no deserto
Solta assobio medonho.

Chia a lebre, grasna o pato,
Ouvem-se os porcos grunhir,
Libando o suco das flores,
Costuma a abelha zumbir.

Bramam os tigres, as onças,
Pia, pia o pintainho,
Cucurica e canta o galo,
Late e gane o cachorrinho.

A vitelinha dá berros
O cordeirinho balidos,
O macaquinho dá guinchos,
A criancinha vagidos.

A fala foi dada ao homem,
Rei dos outros animais:
Nos versos lidos acima
Se encontra em pobre rima

As vozes dos principais.

                                         Pedro Dinis

Onomatopeias: vozes de animais

abelha - azoinar, zoar, zonzonear, zumbar, zumbir, zunir, zunzunar
abutre, açor - crocitar, grasnar
águia - crocitar, grasnar, gritar, guinchar
andorinha - chilrar, chilrear, gazear, gorjear, grinfar, piar, pipilar, trinfar, trissar, zinzilular
anho - balar, balir
arara - chalrar, grasnar, gritar, palrar, taramelar
arganaz - chiar
asno - vd. burro
avestruz - grasnar, roncar, rugir
baleia - bufar
beija-flor - arrulhar, ruflar, trissar
besouro - zoar, zumbir, zunir
bezerro - berrar, mugir
bisonte - berrar, bramar, mugir
bode - balar, balir, berrar, bodejar, gaguejar
boi - arruar, berrar, mugir, urrar
búfalo - berrar, bramar, mugir
burro - zurrar, azurrar, ornear, ornejar, rebusnar, relinchar, zornar
cabra, cabrito - balar, balir, berregar, barregar, berrar, bezoar
calhandra - grinfar
camelo - blaterar
canário - cantar, dobrar, modular, trilar, trinar
cão - acuar, balsar, cainhar, cuincar, ganir, ganizar, ladrar, latir, maticar, rosnar, uivar, ulular
carneiro - balar, balir, berrar, berregar
cavalo - nitrir, relinchar, rinchar
cegonha - gloterar, grasnar
chacal - gritar, ladrar, latir, uivar
cigarra - cantar, chiar, chichiar, ciciar, cigarrear, estridular, estrilar, fretenir, rechiar, rechinar, retinir, zangarrear, zinir, ziziar, zunir
cisne - arensar
cobra - assobiar, chocalhar, guizalhar, sibilar, silvar
codorniz - cantar
coelho - chiar, guinchar
cordeiro - berregar, balar, balir
coruja - chirrear, crocitar, piar, rir
corvo - corvejar, crocitar, grasnar
cotovia - cantar, gorjear
crocodilo - bramir, chorar, soprar
cuco - cucular, cucar
doninha - chiar, guinchar
égua - vd. cavalo
elefante - barrir, bramir
estorninho - pissitar
falcão - crocitar, piar, pipiar
gafanhoto - chichiar, ziziar
gaio - gralhar, grasnar
gaivota - grasnar, pipilar
galinha - cacarejar, carcarejar, carcarear
galo - cantar, clarinar, cocoriar, cocoricar, cucuricar, cucuritar
gamo - bramir
ganso - grasnar, gritar
garça - gazear
gato - miar, resbunar, resmonear, ronronar, roncar
gavião - guinchar
gralha - gralhar, gralhear, grasnar
grilo - estridular, estrilar, guizalhar, trilar, tritrilar, tritrinar
grou - grasnar, grugrulhar, gruir, grulhar
hiena - gargalhar, gargalhear, gargalhadear
hipopótamo - grunhir
jaguar - vd. onça
javali - arruar, cuinchar, cuinhar, grunhir, roncar, rosnar
jumento - azurrar, ornear, ornejar, rebusnar, zornar, zurrar
lagarto - gecar
leão - bramar, bramir, fremir, rugir, urrar
lebre - berrar, chiar
leitão - bacorejar, cuinchar, cuinhar
leopardo - bramar, bramir, fremir, rugir, urrar
lobo - ladrar, uivar, ulular
lontra - chiar, guinchar
macaco - assobiar, guinchar, cuinchar
melro - assobiar, cantar
milhafre - crocitar
mocho - chirrear, corujar, crocitar, piar, rir
morcego - farfalhar, trissar
mosca - zinir, zoar, zumbir, zunir, zumbar, ziziar, zonzonear, sussurrar, azoinar
mosquito - zumbir
onça - esturrar, miar, rugir, urrar
ovelha - balar, balir, berrar, berregar
pantera - miar, rosnar, rugir
papagaio - charlar, charlear, falar, grazinar, palrar, palrear, taramelar, tartarear
pardal - chiar, chilrear, piar, pipilar
pato - grasnar, grasnir, grassitar
pavão - pupilar
pega - palrar
peixe - roncar
pelicano - grasnar, grassitar
perdigão, perdiz - cacarejar, piar, pipiar
periquito - chalrar, chalrear, palrar
peru - gorgolejar, grugrulejar, grugrulhar, grulhar
pica-pau - estridular, restridular
pintarroxo - cantar, gorjear, trinar
pintassilgo - cantar, dobrar, modular, trilar
pinto - piar, pipiar, pipilar
pombo - arrulhar, gemer, rulhar, suspirar, turturilhar, turturinar
porco - grunhir, guinchar, roncar
poupa - arrulhar, gemer, rulhar, turturinar
rã - coaxar, engrolar, gasnir, grasnar, grasnir, malhar, rouquejar
raposa - regougar, roncar, uivar
rato - chiar, guinchar
rinoceronte - bramir, grunhir
rola - gemer
rouxinol - cantar, gorjear, trilar, trinar
sapo - coaxar, gargarejar, grasnar, grasnir, roncar, rouquejar
serpente - vd. cobra
tigre - bramar, bramir, miar, rugir, urrar
tordo - trucilar
toupeira - chiar
touro - berrar, bufar, mugir, urrar
tucano - chalrar
urso - bramar, bramir, rugir
vaca - berrar, mugir
veado - berrar, bramar, rebramar
vitela - berrar, mugir
vespa - vd. abelha
zebra - relinchar, zurrar

'Média' ou 'mídia'?

     «Com o furioso domínio da língua inglesa que se vem sentindo, já não há latinidade que resista! Há muita gente por aí a dizer mídia e multimídia! E não se lembra ou não sabe, essa gente, que a palavra é um latinismo. Como curricula, por exemplo. E que, para a Inglaterra ou para a América, ou para qualquer outro país, foi o latim que a forneceu e que, nessa língua ou nas suas derivadas novilatinas, se deve pronunciar média. Deixemos os Ingleses e os Americanos pronunciar o latim como eles quiserem... Quem poderá obstar?...
     Mas o desaforo (ou snobismo?) vai mais longe... Um locutor da rádio, referindo-se aos media, a certa altura dizia assim: "Utilizar um media para...". E aí está outra incorreção: media é plural. "Os media" é correto; "o media" não. Se quero usar o latinismo no singular, terei de dizer: o medium. O mesmo se diga de curricula: os curricula, o curriculum.
     Não é obrigatório usar o latinismo quando no vernáculo há palavras apropriadas. Mas, usando-o, use-se corretamente...: os media, o medium; os curricula, o curriculum.
     Posto isto, continuar, em Portugal, a dizer mídia por média, só pode ser ignorância ou snobismo.»

(c) Tento na Língua, António Marques

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Na aula (XV): problemas médicos

     Contexto: aula de 7.º ano, alunos a realizarem um exercício desobedecendo alegremente às instruções do professor.

     Situação «problemática»: comentário do professor - «Precisam de ir urgentemente ao otorrinolaringologista».

     Após uns instantes de reflexão: «Sabem o que é um otorrino...?»

     Resposta lá do fundo: «Claro: é um médico dos olhos.»

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Registos formal e informal - Formas de tratamento

1. Registos formal e informal

                O contexto situacional em que se encontram dois interlocutores condiciona as escolhas linguísticas que ambos fazem. Por outro lado, o tipo de relação social que mantêm (marcado por fatores como a idade, o sexo, o grau de instrução, etc.) condiciona igualmente o grau de formalidade da sua interlocução, que pode oscilar entre um registo mais informal ("Dá-me esse livro!") e um registo cuidado ou mais formal ("Não se importa de me dar esse livro?").


2. Formas de tratamento

                Cada falante dispõe de um conjunto de formas de tratamento para comunicar e que refletem as relações existentes entre si: de familiaridade, de amizade, de submissão, etc.
                A opção por uma determinada forma de tratamento em detrimento de outra é determinada por alguns critérios:
. a relação de familiaridade / proximidade;
. a idade e o estatuto social dos falantes (em termos de hierarquia social e profissional;
. o sexo;
. o grau de instrução;
.


                As principais formas de tratamento são as seguintes:

. Familiar (é usado na intimidade, entre iguais e de mais velhos para mais novos): tu, querido, amigo;

. Nome próprio: o João, a Maria;

. Você: este termo é considerado, pelo português europeu, uma forma de tratamento menos respeitosa, de nível mais popular. Situa-se entre o tu e o senhor. Por outro lado, em determinados ambientes (citadinos, classes mais altas), o uso de você é considerado elegante, sendo usado entre iguais, ou como forma de tratamento íntimo. Porém, nos estratos socioculturais mais populares de determinadas regiões, o pronome você ainda é usado de inferior para superior como sinal de respeito, de deferência. Pelo contrário, nos estratos mais cultos, este tratamento é entendido como muito deselegante e a sua utilização ofensiva. Já no que diz respeito ao português do Brasil, o você é de utilização corrente e familiar;

. Sujeito nulo subentendido: quando nos dirigimos a uma pessoa com quem não temos suficiente familiaridade para a podermos tratar por tu e como entendemos o uso de você como deselegante e ofensivo, optamos por recorrer ao sujeito nulo subentendido ou, então, à explicitação do nome do nosso interlocutor ou do grau de parentesco precedido de artigo definido:
. Está bom?
. A mãe foi à missa?
. A avó vai sair com o avô?
. A Joana viu o seu colega no cinema?

. De cortesia: o senhor / a senhora: estas formas de tratamento formal mostram maior respeito ou distância social no tratamento;

. Académico: senhor professor, senhor doutor, Professor Doutor, etc.;

. Honorífico: Senhor Primeiro-Ministro, Senhor Presidente da República, Vossa Excelência, Vossa Senhoria;

. Eclesiástico: Vossa Santidade (Papa), Vossa Eminência (cardeais), Monsenhor, Vossa Reverência, etc.;

. Nobiliárquico: Vossa Alteza, Vossa Majestade, Sua Majestade, etc.

                Estas formas de tratamento podem surgir conjugadas:
. A senhora dona Cláudia…
. Senhor engenheiro…



Fontes:

     » Dicionário Terminológico;
     » AMORIM, Clara e SOUSA, Catarina, Gramática da Língua Portuguesa, Areal Editores

Análise de "As palavras", Eugénio de Andrade

As palavras

São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.

Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

                “As palavras” é uma composição poética da autoria de Eugénio de Andrade, pseudónimo do poeta José Fontainhas, nascido a 19 de janeiro de 1923 no Fundão e falecido em 13 de junho de 2005, no Porto, incluído na obra O Coração do Dia.
                Formalmente, o poema é constituído por quatro estrofes, duas sextilhas e duas quadras, num total de 20 versos, maioritariamente brancos ou soltos, à exceção do 1 e do 3, que apresentam rima cruzada, e aborda o tema da reflexão sobre o valor polissémico das palavras.
                Relativamente à sua estrutura interna, o texto divide-se em duas partes: a primeira, constituída pelas primeiras três estrofes e a segunda pela última. Na primeira parte, o sujeito poético descreve as palavras, enquanto na última faz duas interrogações retóricas, chamando deste modo a atenção do leitor para o seu papel de descodificador delas.
                Logo a abrir, as palavras são comparadas a um cristal, revelando-se, assim, desde logo o seu sentido polissémico, devido ao facto de os cristais possuírem várias faces, tal como a palavra possui vários sentidos. Além disso, como os cristais, as palavras podem adquirir vários significados (polissemia), podem ser claras, transparentes, belas, brilhantes, isto é, são “multifacetadas”. De seguida, são identificadas com um punhal, metáfora que remete para a agressividade, dor, morte e sofrimento que podem carregar; com um incêndio, pois podem queimar, destruir, aludindo pois à sua capacidade de destruição e também de regeneração; e finalmente com o orvalho “apenas”, metáfora que nos conduz à suavidade das palavras, capazes de despertar a calma, a brandura, o amor e a esperança.
                A segunda estrofe ensina-nos que as palavras são essenciais na comunicação entre os seres humanos e intemporais, pois têm carregado, através dos tempos, as histórias e os segredos dos homens. Com o passar do tempo vão recebendo novos significados, evoluindo, carregando os segredos da história dos homens e acompanhando os seres humanos como instrumento indispensável de comunicação; trazem consigo um saber muito antigo (“Secretas vêm, cheias de memória”). Em simultâneo, porém, também causam insegurança e agitam as pessoas, fazendo-as estremecer como os barcos, que agitam as águas, e os beijos, que também fazem estremecer. Com efeito, os versos 8 a 10 (“Inseguras navegam / barcos ou beijos / as águas estremecem”) revelam insegurança quer das palavras, que agitam as pessoas, quer dos barcos, que agitam as águas. Ao amor representado pelos beijos, ninguém lhes fica indiferente, assim como às palavras.
                Na terceira estrofe, o sujeito poético caracteriza as palavras como “desamparadas” (porque estão ao alcance de todos), “inocentes” (porque não representam qualquer perigo, mas podem ser usadas e abusadas) e “leves” (quando não têm importância no texto). Estamos na presença de características que conferem alguma fragilidade às palavras, mas não nos devemos esquecer que as palavras podem ser usadas de várias formas, com vários tons. Uma palavra “leve” e “inocente” também pode ofender, caluniar... Por sua vez, a metáfora e a antítese “Tecidas são de luz / e são a noite” realçam as contradições que as palavras contêm (positividade versus negatividade) e o seu sentido conotativo: há as que surgem cobertas de luz, são claras, transparentes, mas estas mesmas podem também ser a noite, podem ser negras, escuras, sombrias. Por seu turno, nos versos “E mesmo pálidas / verdes paraísos lembram ainda”, o sujeito lírico sugere que as palavras podem não ser intensas nem coloridas, mas ainda assim podem ser aprazíveis e alegres, lembrando o paraíso.
                O poema termina com duas interrogações retóricas, através das quais o eu poético chama a atenção do leitor, dizendo-lhe que lhe cabe o papel de intérprete das palavras, do seu significado, de acordo com a sua experiência de vida, com o seu modo de sentir. É o leitor que vai abrir as conchas puras, com as palavras lá dentro cheias de mistério, atribuindo-lhes um sentido. As interrogações retóricas “Quem as escuta? Quem/as recolhe, assim, /cruéis, desfeitas, /nas suas conchas puras?” apelam à releitura das palavras.

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