A estória é bem conhecida mas lembro-a rapidamente: o
dono de um burro teve que se ausentar e deixou dinheiro a um vizinho para ir
comprando comida para o animal enquanto ele estava fora. O vizinho, para poupar
dinheiro, foi dando cada vez menos comida ao burro até que ele morreu de fome.
O comentário do desajeitado aforrador foi: “Que pena! O animal foi morrer logo
agora, quando já estava quase habituado a não comer!”.
O orçamento proposto pelo Governo para 2014 corta – em
cima dos cortes anteriores – mais 314 milhões de euros no Ministério da
Educação. Os gastos com professores e auxiliares no ensino básico representam
um corte de 13% em relação ao orçamento anterior.
Assim, reduzir professores e auxiliares, é uma poupança
que nos vai custar muito caro. Cada vez mais as nossas escolas vão estar
preparadas para educar alunos que têm ambientes familiares estimulantes e que
lhes permitem seguir o currículo sem a necessidade de apoios. Para os outros,
aqueles cada vez mais numerosos que não têm em casa, quem lhes dê apoio ou quem
lhes possa pagar este apoio, a escola está cada vez mais pobre. Pobre porque
não consegue criar ambientes de aprendizagem diferenciados que tenham atenção
aos diferentes ritmos e condições de aprendizagem; pobre porque cada vez mais é
encorajada a atuar como se os alunos se dividissem em “normais” – aqueles que
aprendem da forma como tradicionalmente se ensina e os “especiais” aqueles que
dão problemas e que não se tem possibilidades e recursos para ensinar.
E voltamos à fábula do burro. Todos estes cortes têm os
seus efeitos: um dia perdemos uma auxiliar, daqui a meses um professor, para o
ano mais duas auxiliares, e assim vamos… Tal como o burro vamo-nos desabituando
de comer… A questão que é preciso recordar é o final da estória: o burro
morreu. Quer dizer que estes cortes na educação vão-nos distanciando de uma
escola para todos em cuja construção estivemos empenhados durante muitos anos.
Não se trata só de racionalizar os gastos, o problema é que estamos a retomar
uma conceção de escola – à semelhança da escola de má memória do “antigamente”
– que ensine quem quer, quem está preparado, quem se comporta, quem ao fim e ao
cabo se apresenta como um aluno “normal”.
Era muito bom que não nos conformássemos, que não nos
habituássemos a esta dieta de recursos que fazem regredir a nossa educação e
que leva a que muitos milhares de alunos – que podiam e são os nossos filhos –
se sintam estrangeiros numa escola que foi feita para eles.
David Rodrigues
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