Este poema de Sá de Miranda é
construído em torno da simbologia de vários elementos: a serpente, o encantador
e a sereia.
No caso desta composição poética, somos
confrontados com a imagem de uma serpente que, corajosamente e
inteligentemente, resiste à sedução do encantador, mais concretamente à sua voz:
“Cerra a serpente os ouvidos / à voz do narrador”. Pelo contrário, o sujeito
poético não é capaz de resistir ao som sedutor e encantador dessa voz, por
isso, inundado de dor, deseja agora perder os sentidos, nomeadamente a audição,
visto que são os responsáveis pela sua desgraça, ao fazerem com que se
enamorasse por uma “encantadora”.
Nos versos 5 e 6, o sujeito poético evoca
o mar e as figuras míticas da sereia e de Ulisses, o qual, aquando do regresso
de Troia, para não ser tentado e seduzido por aquelas, se amarrou ao leme para
resistir ao seu canto. Por sua vez, ao contrário da serpente e de Ulisses, que
souberam resguardar-se, o sujeito poético não o fez e agora lamenta-se: “eu não
me soube guardar / fui-vos ouvir nomear, / fiz minh’alma e vida alheas”.
Observe-se o modo como o «eu» poético
assume o seu amor como um erro que acarretou para si terríveis consequências. Por
outro lado, no momento em que dele se apercebeu, já era demasiado tarde para
escapar ou corrigir a situação. A consequência foi ter-se apaixonado pela “encantadora
de serpentes”: “fiz minh’alma e vida alheas”. A sua alma e vida deixaram de lhe
pertencer; são da mulher por quem se enamorou.
Uma novidade que este poema nos traz reside
no facto de o amor não ter tido como origem a visão e a beleza visão da mulher,
mas a audição da sua voz, a sua «nomeação», o que significa que o enamoramento
foi mais intelectivo do que é norma na poesia amorosa. Por outro lado, o
contraste entre as atitudes da serpente e do «eu» colocam-no num plano inferior
ao do animal, dado que este se revelou mais avisado.
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