Português: Capítulo XIII de A Sibila

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Capítulo XIII de A Sibila

             1. Caracterização de Abel
 
            As primeiras referências aos três filhos de Francisco Teixeira e Maria da Encarnação (Abílio, João e Abel) são negativas e caracterizam-nos por oposição à irmã, Quina: fracos, como todos os homens, parecidos com o pai: "Mas todos eles eram muito do pai; volúveis, fracos com aduladores e com mulheres, moralmente a tender para a cobardia das responsabilidades, muitos jogos de argúcia para sofismar a fé que se quer atraiçoar".

            Abel, que não gostava de trabalhar, era, todavia, gastador, instável, amante do luxo e da aventura, e gostava de frequentar ambientes requintados, de preferência onde houvesse "meninas para casar" (p. 52). O gosto pela aventura e pelo luxo, a superficialidade aproximavam-no do pai e, quiçá por isso, da simpatia da mãe (pp. 61-62).

            Casou rico e, inicialmente, não era muito exigente com Quina relativamente à quota que esta lhe devia pagar anualmente pela exploração dos bens. Mantinha na vida e nos negócios o espírito de jogo de azar, como o pai (p. 88).

            Dado que Quina não tinha descendentes, Abel, duma forma perspicaz, chama a atenção de Germa para a necessidade de ser agradável à tia e ele próprio age de uma forma que considera adequada para que a filha seja a herdeira de Quina (p. 123).

            O materialismo de Abel (evidente na "caça à herança" da irmã) contrasta com o pensamento de Germa (p. 142), mas manter-se-á sempre "um diletante da experiência", que encara a vida como um jogo, à semelhança do pai e da irmã, Quina (p. 150).

            Ao contrário de João, que não queria que lhe falassem de Quina, Abel preocupa-se imenso com a herança e inquieta-se com a presença de Custódio e o carinho que a irmã lhe dedica, aponto de discutir com ela. Também a sua situação familiar e económica é diferente da de João. Na verdade, é lógico que dele provenha a herdeira universal de Quina. Só Germa dava garantias de continuidade e respeito pelo «sangue». Todavia, o que ressalta é a ambição desmedida de Abel.

 
 
            2. Caracterização de João
 
            Tem em comum com Abel o facto de não gostar de trabalhar, mas fora esta semelhança, diferem em tudo o mais e as suas vidas vão seguir rumos diferentes.

            João era, sobretudo, caçador, trabalhava pouco, mas, ao contrário do irmão, não era gastador.

            Casou com uma mulher burguesa, proprietária com pretensões fidalgas, feia e bronca, que desagradou muito a Maria da Encarnação: "Ela é uma lorpa, nem do campo nem fidalga, que não sabe ser nem uma coisa nem outra" (p. 69). O que lhe desagradava sobretudo na noiva do filho era a falta de autenticidade, o artificialismo, a pobreza do espírito.

            É por influência da esposa que João vai viver para a cidade e vende a Quina a sua parte da herança. Esta mudança para a cidade e a troca dos bens rurais por dinheiro traduzem o seu aburguesamento. Mas a vida citadina será medíocre e João rapidamente se arrependerá do negócio. A mulher está cada vez mais feia e ridícula. (pp. 122-123)

            Aproximadamente quinze anos depois, quando Abel o procura, João vive no último andar (84 degraus) de um prédio velho, propriedade da mulher, numa situação económica débil ("uma quase pobreza" – p. 149).

            À medida que o tempo passa e se reconhece pobre, enquanto Quina enriquece, João começa a odiá-la por se sentir ludibriado: "Parecia gravemente ofendido (...), mas, mesmo na indignação, era mais sofredor do que agressivo (...). Era um homem fraco, conciliador e liberal na fartura, mas sujeito à inveja e a torturada maledicência quando o êxito de alguém lhe revelava mais profundamente a própria impotência". (pp. 151-152)

            A fraqueza e o carácter "sofredor" revelam-se também no acervo (ultra-)romântico da sua biblioteca. Não tendo filhos legítimos [simbolicamente, a esposa era estéril, como a sua opção pela cidade, a recusa da terra (= fecundidade), o artificialismo, a falta de autenticidade], João, em consonância com as suas leituras "românticas", teve dois bastardos de uma criada.

            Tendo sido sempre um indigente, que ocupa o seu tempo na caça e, mais tarde, no quintal, João acaba por ser dominado pela mulher, intelectualmente medíocre, pretensiosa e ridícula, que o torna ainda mais amorfo e irresponsável. (pp. 154-155)

 
 
            3. Domínio de Custódio sobre Quina: "Ele aprendeu depressa a dominar Quina – ora pelo carinho de menino, ora pela grosseira arremetida que ela temia muito pela suspeita de escândalo que podia ocorrer aos vizinhos.". (p. 153)
 
 
            4. Caracterização de Germa
 
            Com a devida diferença de cultura, Germa segue as mesmas opções que, anteriormente, já tinham sido tomadas por Quina: conceção do casamento como um negócio e submissão a seres inferiores – os homens: "Aquela rapariga de vinte e seis anos, que não casara ainda e que não parecia disposta a transacionar legalmente o seu corpo e todos os seus dotes de educação e mentalidade por uma situação vantajosa para toda a família, parecia-lhe insolente e digna de reproche.". (p. 155)

            Em suma, estamos perante um esboço que aproxima Germa e Quina: solteiras, independentes, insolentes. Este estado de espírito opõe-se diretamente ao do pai, ambicioso e materialista: "Ele entretinha-se, às vezes, a depreciar os seus dotes, com simulado intuito de desafio, para a ver reagir e demonstrar uma atividade útil das suas qualidades – casando-se depressa, procurando um partido indiscutível, ainda que fosse como vingança.". (p. 155)

            É uma intelectual, aristocrata de espírito, que um grande afastamento da mentalidade burguesa citadina do pai e de Bernardo e a aproximação da «aristocracia "ab imo" da terra»: "Tenho espírito demais (...)" até "sessenta dias". (p. 155)

 
 
            5. Retrato de Custódio
 
            Na adolescência ("Aos doze anos..."  -  p. 156), torna-se delinquente ("... moldava em estearina chaves falsas, para abrir as gavetas onde suspeitava valores, que trocava sempre com prejuízo..." ;  "Tornou-se conhecido dos ourives de feira, recetadores de roubos." – p. 156). Chega a roubar a própria Quina, mas esta tudo lhe perdoa. Mantém-no na ociosidade e oferece-lhe até um cavalo branco: "Pobrezinho, és desatinado e tolo, há muitos bem melhores do que tu..." (p. 157); "Custódio roubava-a, ela apenas se precavia mais, sem o repreender; insultava-a, proferindo ameaças, ela optava pelo silêncio." (p. 157). Mesmo quando a sua crueldade o leva a matar "com um pontapé o cãozito rafeiro, cego já e que Quina tinha salvo dum ribeiro havia muito tempo", ela toma outra atitude que não o isolamento e o silêncio.

            A posição tomada para com Custódio compreende-se pelo ascetismo a que Quina aspira:  elevação humana, abandono da vulgaridade dos que a rodeiam, vaidade absoluta e egocentrismo, ostentação dos seus méritos, enternecimento por uma causa humana.

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