● Nesta cena,
Manuel de Sousa, logo na sua primeira fala, desafia o Destino: “Mas vamos: não
dirão que sou da Ordem dos Pregadores? Há de ser destas paredes, é unção da
casa: que isto é quasi um convento aqui, Maria… Para frades de S. Domingos não
nos falta senão o hábito…”. Estas palavras despretensiosas e risonhas cortam o
tom solene, quase de sermão, com que Manuel de Sousa, momentos antes,
interpretara a “grande propensão (da filha) para achar maravilhas e mistérios
nas coisas mais naturais e singelas”, e lhe dera uma interpretação teológica
sobre os segredos inefáveis de Deus. Estas palavras possuem, contudo, um
sentido oculto, talvez até de trágica ironia: com elas, mais uma vez Manuel de
Sousa desafia o Destino. E este pega-lhe nas palavras tão imprudentemente
proferidas: Manuel de Sousa terá de renunciar a tudo e vestir o hábito de S.
Domingos.
● Na primeira
fala, Manuel de Sousa procura persuadir Maria de que não faz sentido acreditar
em presságios, dizendo-lhe que a única coisa que não se pode explicar é a Fé;
tudo o resto deve ser analisado à luz da razão.
● Prossegue
nesta cena o conflito de Manuel de Sousa com D. João. Ele louva as nobres
qualidades de alma deste, a sua grandeza e valentia, a força de vontade, serena,
mas indomável, que nunca foi vista mudar,
mas a realidade é que Manuel entrou naquela casa, está no ambiente em que D.
João vivera com D. Madalena, aparentemente como senhor da casa, na ambígua
situação de usurpador, de intruso.
● De seguida,
Manuel de Sousa realça a reação de D. Madalena (“estremece”) sempre que ouve
falar no primeiro marido. Ele atribui esta atitude ao respeito que ela teria
pela memória de D. João, não se apercebendo de que, na verdade, “estremece” por
causa dos seus receios relativamente ao destino de D. João de Portugal.
●
Presságios
▪ As palavras
de Manuel de Sousa a propósito de parecer um frade constituem um novo indício
de fatalidade: “Para frades de S. Domingos não nos falta senão o hábito…”. Sem
saber, Manuel de Sousa antecipa, simbolicamente, o desfecho da peça, altura em
que D. Madalena e ele ingressarão em conventos da Ordem de S. Domingos.
▪ A comparação
irónica de Manuel de Sousa a um pregador – “(…) não dirão que sou da Ordem dos
Pregadores?” – indicia a tomada do hábito.
▪ A referência
à capela: “Ainda não viste daqui a igreja? É uma devota capela desta. E todo o
tempo tão grave! Dá consolação vê-la.”. Será nela que Manuel e Madalena tomarão
o hábito.
▪ A resposta de
Manuel à fala de Maria, que afirma ter pena de D. João ter morrido na batalha
de Alcácer Quibir: o pai lembra-lhe que, se ele estivesse vivo, ela não
existiria e a família seria destruída, o que deixa Maria angustiada: “Manuel –
Mas se ele vivesse… não existias tu agora, não te tinha eu aqui nos meus
braços. / Maria (escondendo a cabeça no seio do pai) – Ai, meu pai!”.
Isto indicia o desfecho trágico: a alusão ao facto de a vida de D. João
implicar a não existência de Maria. Se, no passado, o regresso do cavaleiro
inviabilizaria o seu nascimento, no presente, acarretará a sua morte, ou seja,
ela sofrerá a vergonha de ser filha ilegítima.
▪ A comparação
do palácio de D. João a um convento – “isto é quase um convento aqui” – e a
fala “a morte – e a vida que vem depois dela tão diante dos olhos sempre “ - antecipam
uma mudança na vida da família e antecipam o desfecho da obra: é ali que Manuel
e Madalena vão professar e tomar o hábito.
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