Português: Análise do poema "Para além da poesia", de Agostinho Neto

domingo, 11 de dezembro de 2022

Análise do poema "Para além da poesia", de Agostinho Neto


            Ao contrário de outros textos de Agostinho Neto, este poema representa não apenas o sofrimento dos negros colonizados, mas também as particularidades da sua cultura.
            O sujeito poético abre o poema com uma imagem da natureza, associa as árvores características de continente africano (os embondeiros e as palmeiras) com seres humanos, humanizando-as, ao referir-se a “braços erguidos” para remeter para os galhos e a “silhuetas escuras”, isto é, a sombra das árvores. O sujeito poético realça nestes versos a relação dos africanos com a natureza, nomeadamente com as árvores, que, como já foi referido, são humanizadas, indiciando o seu valor sentimental. Por outro lado, a sinestesia “cheiro verde” e a alusão ao fogo trazem para o poema os cheiros e as cores africanos com estreita ligação à luta africana pela liberdade.
            A segunda estrofe introduz novos ambientes, como a estrada, um quarto e a cama, trazendo distintas visões do povo: os trabalhadores que sofrem (os carregadores bailundos, isto é, indivíduos que pertencem aos grupos étnicos dos Bailundos, de Angola); a mulata enquanto representante da miscigenação e da vaidade feminina da mulher africana (“a mulatinha de olhos meigos” – atentar na expressividade do diminutivo e do adjetivo «meigos»); o homem africano com ideias e desejos estrangeiros como o de “comprar garfos e facas para comer”. Além disso, é apontado um ambiente não retratado concretamente, que é o vestuário da figura feminina: “A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas”, representando a musicalidade e a alegria do povo que dança, ou até a fertilidade.
            Na terceira estrofe, o sujeito poético promove um encontro entre o humano e a natureza (“No céu o reflexo do fogo”; “No ar a melodia quente das marimbas” – as marimbas são um instrumento musical formado por placas de madeira ou de metal, graduadas em escala sobre cabaças, que percutem com banquetas, ou seja, a música produzida pelos homens em contacto com o ar e o fogo também produzido por eles refletindo no céu. “As silhuetas dos homens negros batucando de braços erguidos” constitui a retoma ou a lembrança / semelhança dos baobás descritos na primeira estrofe, reforçando a ideia do encontro entre a espécie humana e a natureza.
            A quarta estrofe repete excertos da segunda, remetendo de novo para a musicalidade que perpassa todo o poema. Por sua vez, o título da composição indicia que a poesia africana não aborda apenas o sofrimento do africano, mas a cultura dos povos. 

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