A composição é construída, gráfica e
formalmente, de modo a sugerir a visão de um caminho, aliás como o próprio
título já sugere. De facto, o poema é constituído por oito estrofes com um
número de versos diferente, o que significa que não há liberdade.
Os cinco versos iniciais formam uma
espécie de introdução, remetendo para o caminho que tem de ser percorrido.
Deste modo, o sujeito poético compara o caminho das estrelas com a curva do
pescoço de uma gazela, um animal característico de África, esboçando, pois,
desde já a forte relação entre a identidade coletiva e a natureza, como se
tentasse demonstrar onde está a origem, portanto, o elemento-chave para a
compreensão do «eu» e para a reflexão acerca da memória.
Logo no primeiro verso, a forma
verbal “seguindo”, no gerúndio, sugere uma ação inacabada, ainda em realização,
refletindo algo que está em andamento, que não foi concluído. Assim, o poema
segue em ritmo de caminhada.
São vários os elementos da natureza
evocados na primeira estrofe: “onda” reflete a presença do mar e da água; “nuvem”;
“asas primaveris” sugerem a suavidade e a beleza da natureza na estação da
primavera, em que a vida renasce, brotando por todo o lado. A impressão com que
se fica é que o «eu», a partir da observação da gazela, constrói o início de um
percurso.
A segunda estrofe mescla elementos
musicais com outros que remetem mais uma vez para a natureza e para a origem
das matérias, como é o caso do «átomo», da «partícula», do «germe» e da «cor».
Este último nome começa a aferir as identidades africanas, mas não segregando,
antes universalizando-as, ideia confirmada no verso 11: “combinação múltipla do
ser humano”.
A terceira estrofe, através da
presença do enjambement, continua a descrição do caminho, cruzando
tempos diferentes. O sujeito poético recupera a memória para refletir sobre o
presente. O agora, o tempo presente é reflexo dos factos do passado, que foram
inevitáveis, o que remete para a identidade africana. Ou seja, o «eu» apresenta-se
como se lembrasse o passado dos povos africanos ao fazer o caminho das
estrelas.
A quarta estrofe, a última da
primeira parte do poema sugere a ideia da ausência: faltam as formas, ideais
com cor, isto é, com sentimento ou vida, sem ritmo, ou seja, sem música, ou
ainda sem cadência, sem cheiro, sem sabor e, por fim, a não existência de
raízes. O «eu» reforça a cada verso a ideia do anterior repetindo o tema, como
se procurasse mostrar ao leitor a força da negação, privação ou da pobreza do
caminho.
Separando as duas partes está um
verso solto composto por um vocábulo curto e simples: “Só”. Esta divisão
comprova a sensação de ausência, enfatizando a sensação de solidão e falta/ausência/privação.
A segunda parte aponta para a
esperança. Inicia-se com a conjunção coordenativa adversativa «mas», sugerindo
a ideia de contraste ou contrariedade, ou ainda retomando a imagem de
esperança, insinuada pelas expressões “verde esperança”, “cheiro novo das
florestas” e “chuva”. Esta última simboliza a renovação e a fortificação. A
água é fonte de vida, meio de purificação, centro de regeneração. Por outro lado,
a chuva é o símbolo universal das influências celestes recebidas pela terra; é
o agente fecundador do solo, que obtém a sua fertilidade dela.
A sexta estrofe alude à “seiva do
raio do trovão”, seiva essa que simboliza o alimento e a essência da vida,
enquanto o raio e o trovão se relacionam com o divino, pois o trovão seria a voz
do deus que está no céu e o raio a sua arma. Estes elementos e fenómenos
naturais aludem ao princípio da vida e à relação da esperança com o sagrado, o
sublime e o natural. Essa relação com o sagrado e com a conceção de um futuro
promissor são veiculados também pelos versos “as mãos amparando a germinação do
riso / sobre os campos de esperança”.
As duas primeiras estrofes da
segunda parte descrevem a concretude do “caminho das estrelas” a ser
percorrido: ainda que só, é constituído pela confiança e é santo. A esperança
perpassa toda a segunda parte; se na primeira ela estava ausente, nesta
predomina, destacando-se o ritmo, os sons e as cores, que retratam a vida
existente para a luta e para a caminhada.
A liberdade reside nos olhos, os
ouvidos podem ouvir e as mãos são insaciáveis pelo toque do tambor, num “acelerado
e clero ritmo / de Zaires Calaáris…”; todos estes elementos revelam o recomeço
ou o caminhar com vitalidade. Note-se que Zaire, além de ser uma província de
Angola, é também o nome do segundo maior rio da África, sendo que o território
angolano inclui parte dos sistemas, hidrográficos do Zaire. Por seu turno,
Calaári é um deserto localizado na zona sudeste de Angola, caracterizado por baixas
temperaturas mesmo durante a estação quente. Assim sendo, pode concluir-se que
existe a referência ao elemento areia (do deserto) e novamente de água (em
rio).
Ora, a presença do deserto e do rio
reflete a ligação com a pátria, tal com o tambor simboliza a musicalidade, o
ritmo do universo, a relação com a ancestralidade africana e constitui um
anúncio da guerra. Os nomes próprios Zaire e Calaári estão no plural e designam
as «montanhas», marcando a pertença das mesmas à região. A presença da cor
vermelha remete para o sangue, para a violência e para a vida, para o momento
de renascimento da coragem e da luta. O vermelho adjetiva aluz das fogueiras
feitas dos capinzais que foram violentados, ou seja, os capinzais estão vermelhos
porque foram violentados (assim se faz o cruzamento entre o humano e o natural)
ou porque receberam sangue humano. A estrofe finaliza evocando de novo a
musicalidade, através das “vozes tam-tam” e “ritmo claro de África”,
oficializando o fortalecimento das culturas africanas e evidenciando a harmonia
pelo encontro e reconhecimento da própria identidade.
A última estrofe do poema, a última,
de forma circular, retoma o início da primeira, clarificando a intenção musical
e apontando para a universalidade do conhecimento das origens africanas: “para
a harmonia do mundo”. Deste modo, o caminho foi sendo percorrido em busca do
«eu» coletivo e, para isso, foram descritos os sentimentos e características
desse caminho árduo em busca da libertação e da identidade. Assim sendo, o
caminho das estrelas é o caminho da reflexão da nação, do conhecimento
histórico e do reconhecimento da própria identidade coletiva.
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