Português: A questão da justiça em Assassinos da Lua das Flores

quarta-feira, 12 de junho de 2024

A questão da justiça em Assassinos da Lua das Flores

    Um dos temas fulcrais da obra é a justiça, encarada como um sistema e como um conjunto de valores filosóficos respeitantes ao modo de tratar as pessoas. Uma das primeiras questões que emerge é a certeza de que o povo Osage não foi tratado de forma justa, desde logo porque foi vítima de um racismo encardido que é apresentado como parte do seu relacionamento com o governo dos Estados Unidos e como um traço associado aos assassinatos de que são vítimas. Todo este bolo cria um caldinho que os envolve em desigualdades que os forçam a lutar pelos seus direitos básicos e pela sua dignidade enquanto seres humanos. Embora o sofrimento da tribo constitua um aspeto central na obra, a questão da justiça, ou da sua ausência, é generalizada. O próprio autor observa, de forma profundamente irónica, o problema quando constata que, no início da década de 1920, o Departamento de Justiça norte-americano era conhecido como Departamento da Virtude Fácil, expressão que se refere tanto à imodéstia sexual(o conceito de ser «fácil») quanto à prática de escolher aquilo que é fácil ou conveniente, o que leva, por exemplo, ao encobrimento de escândalos ou fazer vista grossa a uma série de factos e acontecimentos, em detrimento da adoção de princípios como a honestidade e a integridade.
    A secção central da obra foca-se na questão da Justiça, visto que a ação se centra no sistema de justiça criminal, evoluindo da fase da investigação para a acusação e, por último, a punição. Tom White é um homem íntegro que se dedica à busca da verdade, à captura dos criminosos e a levá-los à Justiça. Não é suficiente reunir provas que levem à condenação dos prevaricadores, embora White o consiga em parte, mas é também fundamental saber navegar pelos caminhos intrincados do sistema de justiça, escancarado à manipulação e à corrupção, traços exemplificados pela adulteração do júri e da intimidação de testemunhas da acusação. Deste modo, para que White consiga levar William Hale e os seus acólitos a tribunal, necessita de proteger este da corrupção que caracteriza o sistema. Em simultâneo, tem de combater o racismo para que se faça justiça, pois aquele leva os homens brancos a acreditar que é injusto condenar outra pessoa branca por matar um nativo americano, considerado um ser inferior.
    A ideia de que as pessoas têm valores e aptidões intrínsecas diferentes, ironicamente, faz parte de um modelo de Justiça mais antigo, que vigorou durante séculos e que moldou a política do governo dos EUA relativamente às populações indígenas e que foi usado amplamente para justificar a escravatura, bem como o tratamento desigual de mulheres e de outros grupos. De acordo com esta forma de pensar, era injusto conceder às pessoas direitos e responsabilidades que elas não seriam capazes de gerir. Ora, é precisamente este «princípio» que está base da tutela forçada dos Osage. Tudo isto, em suma, escancara a fragilidade das instituições encarregadas de salvaguardar e proteger os direitos humanos mais básicos.

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