Português: Análise da cantiga "A dona de Bagüin"

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Análise da cantiga "A dona de Bagüin"

    Esta cantiga de escárnio e maldizer de mestria (isto é, sem refrão), em cobras singulares, da autoria de Lopo Lias, é dedicada à dona do Soveral. Em concreto, trata-se da segunda que tem essa figura como destinatário; a outra é “A dona fremosa do Soveral”. A composição poética apresenta uma curiosidade no que diz respeito à métrica da primeira cobla, visto que os dois versos iniciais apresentam sete sílabas métricas, enquanto os correspondentes na segunda têm oito. Além disso, existe igualmente irregularidade no que toca à rima dos primeiros quatro versos da primeira cobra, que apresentam rima cruzada, ao passo que os correspondentes da segunda são monorrimáticos.
    O poema visa, pois, uma figura feminina designada por “dona de Bagüin”, um topónimo que se refere a um lugar do concelho de Marim, junto a Pontevedra, na Galiza. O verso seguinte esclarece que vive concretamente numa localidade chamada Soveral, pertencente à freguesia de Mogor, concelho de Marim, situada imediatamente a seguir a Bagüin. O trovador deu à mulher dezasseis soldos, em troca de um compromisso, um pacto, no entanto ela não cumpriu o prometido nem lhe devolveu o dinheiro, como combinado entre ambos, se “ond’al non fezesse”, expressão que constitui uma referência possivelmente erótica, aludindo a uma eventual troca de dinheiro por favores sexuais. O combinado era que, em troca do dinheiro adiantado, ela se fosse encontrar com o trovador a casa de D. Corral, um burguês galego, provavelmente pertencente a uma família natural do lugar homónimo, em Nóia.
    O arranjo entre o «eu» poético e a mulher é conhecido em diversos locais, como Morraz (ou Morrazo), uma península situada nas rias baixas galegas, entre Vigo e Pontevedra) e Salnês ou Salnés, na mesma zona, um topónimo cuja raiz é «sal», um produto aí produzido há bastante tempo. Isto significa que o assunto é público, conhecido por muita gente. O sujeito poético acrescenta que já passou mais de um mês e a mulher ainda não lhe restituiu os dezasseis soldos que ele lhe emprestou, continuando, portanto, a desrespeitar o acordo. O incumprimento ganha foros de maior escândalo, em virtude de a dona ter prometido devolver-lhe a quantia referida no terceiro dia após o empréstimo. O saldo da dívida seria consumado em casa de Dom Corral, o tal burguês referido no último verso da primeira estrofe, uma figura provavelmente prestigiada, cuja habitação seria o local que servia de cenário para a resolução de questões daquele género.
    Em suma, estamos perante uma composição satírica que denuncia uma mulher por causa de não pagar uma dívida contraída junto do sujeito poético, mesmo depois de várias promessas repetidas. A mulher é, portanto, alguém que não é confiável nem séria, pois não cumpre o seu compromisso. Por outro lado, tratar-se-á de uma figura que tem problemas financeiros, ou, em alternativa, que sobrevive graças ao dinheiro que obtém em razão de favores sexuais que presta.

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