Esta
cantiga de escárnio e maldizer de mestria (isto é, sem refrão), em cobras
singulares, da autoria de Lopo Lias, é dedicada à dona do Soveral. Em concreto,
trata-se da segunda que tem essa figura como destinatário; a outra é “A dona
fremosa do Soveral”. A composição poética apresenta uma curiosidade no que diz
respeito à métrica da primeira cobla, visto que os dois versos iniciais
apresentam sete sílabas métricas, enquanto os correspondentes na segunda têm
oito. Além disso, existe igualmente irregularidade no que toca à rima dos
primeiros quatro versos da primeira cobra, que apresentam rima cruzada, ao
passo que os correspondentes da segunda são monorrimáticos.
O poema
visa, pois, uma figura feminina designada por “dona de Bagüin”, um topónimo que
se refere a um lugar do concelho de Marim, junto a Pontevedra, na Galiza. O
verso seguinte esclarece que vive concretamente numa localidade chamada
Soveral, pertencente à freguesia de Mogor, concelho de Marim, situada
imediatamente a seguir a Bagüin. O trovador deu à mulher dezasseis soldos, em
troca de um compromisso, um pacto, no entanto ela não cumpriu o prometido nem
lhe devolveu o dinheiro, como combinado entre ambos, se “ond’al non fezesse”,
expressão que constitui uma referência possivelmente erótica, aludindo a uma
eventual troca de dinheiro por favores sexuais. O combinado era que, em troca
do dinheiro adiantado, ela se fosse encontrar com o trovador a casa de D.
Corral, um burguês galego, provavelmente pertencente a uma família natural do
lugar homónimo, em Nóia.
O
arranjo entre o «eu» poético e a mulher é conhecido em diversos locais, como
Morraz (ou Morrazo), uma península situada nas rias baixas galegas, entre Vigo
e Pontevedra) e Salnês ou Salnés, na mesma zona, um topónimo cuja raiz é «sal»,
um produto aí produzido há bastante tempo. Isto significa que o assunto é
público, conhecido por muita gente. O sujeito poético acrescenta que já passou
mais de um mês e a mulher ainda não lhe restituiu os dezasseis soldos que ele
lhe emprestou, continuando, portanto, a desrespeitar o acordo. O incumprimento
ganha foros de maior escândalo, em virtude de a dona ter prometido devolver-lhe
a quantia referida no terceiro dia após o empréstimo. O saldo da dívida seria
consumado em casa de Dom Corral, o tal burguês referido no último verso da
primeira estrofe, uma figura provavelmente prestigiada, cuja habitação seria o
local que servia de cenário para a resolução de questões daquele género.
Em
suma, estamos perante uma composição satírica que denuncia uma mulher por causa
de não pagar uma dívida contraída junto do sujeito poético, mesmo depois de
várias promessas repetidas. A mulher é, portanto, alguém que não é confiável
nem séria, pois não cumpre o seu compromisso. Por outro lado, tratar-se-á de
uma figura que tem problemas financeiros, ou, em alternativa, que sobrevive
graças ao dinheiro que obtém em razão de favores sexuais que presta.
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