Esta cantiga de
escárnio e maldizer é constituída por duas sextilhas, antecedidas por uma
rubrica que clarifica que o poema se centra numa dona que tinha uma ligação com
um criado chamado Vela, como se verá na primeira estrofe.
O verso inicial
remete para a cantiga de amor e a sua temática, a partir da referência a uma
dona, cuja fama chega ao conhecimento do sujeito poético, antes mesmo de a
conhecer pessoalmente, o atrai e desperta nele o amor “de longe”. Ele ouviu
falar dessa dona (“Agora oí d’ua dona falar”), a quem quer bem (“que quero
bem”), porém não a conhece, nunca a viu (“pero a nunca vi”), pois ela soube
guardar-se muito bem, isto é, soube preservar a sua boa reputação (“por tam
muito que fez por se guardar”). Como? A mulher guardou-se, pondo “vela sobre si”.
Ora, o uso do nome «Vela» é ambíguo, dado que se presta a um duplo
entendimento: por um lado, a expressar “pôr Vela sobre si” significava, em
sentido corrente, “pôr-se sob vigilância”, resguardar-se, conservar a sua
reputação; por outro, «Vela» é um nome de um seu criado, como nos informa a
rubrica, um homem de condição social inferior, portanto um par inadequado para
uma dona, uma mulher nobre (“por se guardar de uma nomeada, / filhou-s’e e pôso
Vela sobre si”). “Pôso” é uma forma arcaica de «pôr», contudo presta-se ao
equívoco “pôs o”. Neste sentido, “pôso Vela sobre si” constitui uma alusão de
caráter sexual bem explícita: a dona “pôso Vela sobre si.”, isto é, pôs o
criado sobre si.
Em suma, na primeira
estrofe, o trovador dirige a cantiga a uma dona não identificada, que mantinha
uma relação com um seu criado, mas procurava resguardar-se da má fama.
José Carlos Ribeiro
Miranda, professor da Universidade do Porto, considera que esta mulher era
solteira e fez-se monja, mesmo contra a vontade do pai, a cuja guarda se
encontrava (“nunca end’ouve seu padre sabor”; “e, a pesar dele, sem’o seu grado”),
para se “guardar”. A referência ao pai permite questionar os papéis
tradicionais de pais e filhas neste contexto: tradicionalmente, são aqueles que
velam as filhas, que as “guardam”, porém, na cantiga, é a filha que resolve “pôr
vela” sobre si própria. Tendo em conta a epígrafe da composição poética, na
realidade a «vela» que a dona decidiu pôr sobre si é o “peom Vela”, numa “aequivocatio”
que é esclarecido pelo pequeno texto em prosa que antecede o poema. Deste modo,
podemos concluir que a composição poética configura uma crítica implícita às “liberalidades”
paternas. Deste modo, a dona conseguiu iludir a vigilância paterna por não
estar devidamente “guardada”.
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