No que
diz respeito à categoria tempo, este parágrafo confirma o seguinte: a
maioria dos acontecimentos do conto tem lugar à noite. Neste caso, o evento é a
invasão do palácio pelo tio bastardo e da sua horda, na tentativa de matar o
principezinho e subir ao trono.
O facto
de se tratar de uma noite escura e de silêncio ajuda criar um ambiente de suspense
e de mistério, bem como de ameaça iminente. Com a escuridão, os sentidos das
personagens estão mais alerta, daí que estejam mais atentos a pequenos ruídos
ou movimentos. Por outro lado, a noite é uma fase do dia em que as pessoas se
encontram mais vulneráveis, pois encontram-se maioritariamente a dormir. Em
terceiro lugar, a ausência de luz facilita a aproximação dos inimigos ao
palácio, todavia o silêncio é um obstáculo ao ataque, dado que qualquer ruído
será mais facilmente escutado pelos vigias.
Quando
às personagens, é o que sucede com a aia, que, quando se prepara apara
adormecer, com os sentidos ainda assim despertos, “adivinhou, mais que sentiu,
um curto rumor de ferro e de briga, longe…”. Ou seja, a protagonista pressente o
que está a acontecer, no seu permanente estado de alerta para proteger o
príncipe.
Determinada,
a ama procura confirmar o seu pressentimento e, após tê-lo feito, perante a
ameaça iminente (“Num relance tudo compreendeu – o palácio surpreendido, o
bastardo cruel vindo roubar, matar o seu príncipe!”), não hesita e troca os
bebés de berço para proteger o príncipe. A sua ação é rápida e firme, sem espaço
para hesitação: “Então, rapidamente, sem uma vacilação, uma dúvida arrebatou o
príncipe do seu berço de marfim, atirou-o para o pobre berço de verga – e tirando
o seu filho do berço servil, entre beijos desesperados, deitou-o no berço real…”.
Deste
modo, a aia sacrifica o seu próprio filho por um bem maior: a defesa do
príncipe e, consequentemente, do reino. Por outro lado, com este gesto, a
protagonista confirma o seu forte senso de dever e lealdade… mas a que custo!
Além
disso, a troca de bebés mostra que a aia é uma mulher decidida e astuta. De
facto, ela não pensa sequer em confrontar os invasores, optando por fazer uso
de uma estratégia engenhosa para os enganar e, assim, salvar o príncipe,
deitando-o no berço simples e pobre. Os assaltantes concluem, como se verá no
parágrafo seguinte, que o príncipe dorme no berço rico, de acordo com a sua
condição nobre. O plano da aia é simples, mas eficaz.
Apesar
da astúcia, frieza e racionalidade demonstradas na troca de bebés, o seu amor
de mão está sempre presente, como se constata pela intensa emoção que evidencia
(“entre beijos desesperados”) quando concretiza a sua ação.
Por que
razão uma mãe como a aia sacrificaria o seu próprio filho tão amado?
1.º) Por lealdade ao rei
e à rainha.
2.º)
Por um bem maior: o de todo o reino.
3.º)
Por acreditar na vida além da morte.
4.º)
Por acreditar que a vida depois da morte é uma continuação da vida terrena.
Relativamente
à linguagem, a deste parágrafo espelha alguma formalidade, mático e
elevado. É o que sucede, por exemplo, através do recurso a expressões como “arrebatou
o príncipe” ou “atirando os cabelos para trás”, que conferem à narrativa uma
certa grandiosidade.
Outro
recurso importante são os verbos de ação. Formas verbais como «descerrou»,
«arrebatou», «atirou» ou «cobriu» criam uma sensação de movimento, de dinamismo
e urgência. Por exemplo, o verbo «arrebatar» evidencia a rapidez e a
determinação com que a aia troca os bebés de berço. Por outro lado, a presença
de outras formas verbais, no pretérito perfeito («adivinhou», «escutou») remete
para ações já concluídas.
Em
terceiro lugar, destacam-se as sensações, nomeadamente as visuais e auditivas.
A alusão ao som de “passos pesados e rudes” (hipálage e adjetivação) e de um
corpo “tombando molemente” (advérbio de modo) criam a noção de imagens
auditivas intensas, vívidas, o que sucede igualmente com as sensações visuais,
como “um clarão de lembranças, brilhos de armas…”.
Outro
recurso relevante é a antítese. Esta é visível, por exemplo, entre o silêncio
inicial e o súbito som de luta, ou entre a nobreza e o requinte que rodeiam o
príncipe e a humildade e simplicidade do escravozinho. A troca de berços para
salvar o príncipe reflete esses contrastes, pois o que permite, à partida, aos
invasores, saber qual dos dois bebés é o príncipe é exatamente o berço: o mais
rico é aquele onde dorme a vítima que buscam.
Como é
característico do conto, o narrador socorre-se da economia de diálogos, ou
seja, não existe diálogo, havendo apenas a registar uma única fala em discurso
direto, da autoria da aia. O efeito da ausência de diálogos prende-se, por um
lado, com a construção de uma ação rápida e, por outro, com o aumento da tensão
narrativa.
A
adjetivação é bastante expressiva, como sucede ao longo do conto. Assim, o
adjetivo «curto», em “curto rumor de ferro e de briga”, sugere que o ruído que
a aia ouviu ou pressentiu é breve, mas é o suficiente para a deixar em alerta.
Por seu turno, a dupla adjetivação “pesados e rudes” a qualificar os passos
sugere a aproximação de alguém ameaçador e rude. De facto, além da adjetivação,
podemos vislumbrar na expressão a presença da hipálage, que consiste na
atribuição de uma característica que pertence a uma pessoa a algo relacionada
com ela. Assim, a lentidão e a rudeza, que, na realidade, pertencem à pessoa
que caminha, são transferidas para os seus passos. Por outras palavras, o
indivíduo que a aia ouve a caminhar é pesado e rude. Quanto ao adjetivo
«desesperados», qualifica os beijos que a aia dá ao filho quando o retira do
seu berço e o coloca no do príncipe, enfatizando o desespero e a dor infinita
que sente ao fazê-lo e, assim, condená-lo à morte. No fundo, a protagonista vive
um drama pessoal intensíssimo, dividida entre o seu instinto de mãe e o dever
de proteger a vida do príncipe.
A obra
de Eça de Queirós inovou bastante no uso do advérbio. Neste excerto, a locução
adverbial “à pressa” dá conta da rapidez com que a aia se veste por causa da
urgência da situação: ela tem de se certificar rapidamente da causa e origem do
barulho que ouviu. Da celeridade da sua atuação, depende a vida do príncipe.
Por sua vez, o advérbio «violentamente» enfatiza a ânsia e a tensão que se
apoderam da protagonista e a necessidade de agir rapidamente. Além disso, dão
nota da necessidade de correr a cortina para evitar que alguém, a partir do
exterior, consiga ver o que ela vai fazer: trocar os bebés de berço. Na frase
imediatamente anterior, deparamos com «molemente», advérbio que traduz o modo
como o corpo cai, já sem vida ou resistência. Já «rapidamente» expressa a
celeridade com que a aia agiu, sem hesitação.
Por
último, a comparação “um corpo tombando molemente sobre lajes, como um fardo”
caracteriza o modo como o corpo de um interveniente na luta caiu no chão, isto
é, de forma simultaneamente mole e pesada.
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