O
parágrafo abre com a alusão ao ambiente geral que se vive no palácio
real: “um grande temor enchia o palácio”. Na ausência do rei (morto) e do
herdeiro, o príncipe (bebé de berço), quem governa agora é uma mulher (a
rainha) entre mulheres. Este passo (“uma mulher entre mulheres”), por um lado,
constitui um contraste entre a fraqueza associada ao género feminino e a força
esperada em quem reina num contexto de crise. Quando um qualquer perigo
espreita um reino, espera-se que haja uma liderança forte, o que não acontece
neste caso, transparecendo uma sensação de fraqueza, representada pelo facto de
quem lidera ser uma mulher.
Por
fim, o tio bastardo decide agir. O narrador prossegue a sua caracterização
através da metáfora “homem de rapina”, que reafirma o seu caráter violento e
cruel. Além disso, o recurso ao determinante artigo definido «o», em “O
bastardo, o homem de rapina”, confere-lhe um sentido de generalização e
singularidade, como se ele fosse o único e o pior de todos os do mesmo género.
De
seguida, o narrador referencia as suas ações e atitudes:
1.ª)
Erra no cimo das serras, onde passa o seu tempo, uma posição estratégia que
confirma a sua imagem de predador que está à espreita, ao longe, aguardando a
melhor ocasião para atacar.
2.ª) Desce
à planície com a sua horda, ou seja, abandona, por fim, as montanhas à frente
de um grupo de facínoras (o termo «horda» evoca um grupo violento e
desorganizado).
3.ª) Enquanto
se encaminha para o palácio real, deixa um sulco de matança e ruínas
(metáfora), isto é, destrói as aldeias e casais por onde passa, destruindo e
matando o que encontra por onde passa. Esta ação confirma a caracterização
traçada no texto até aqui: é um homem violento, bárbaro, cruel e impiedoso.
De
seguida, o narrador descreve os preparativos de defesa da cidade:
1.º)
Reforço das portas da cidade: “As portas da cidade tinham sido seguras com
cadeias mais fortes.
2.º)
Monitorização das atalaias: “Nas atalaias ardiam lumes mais altos.”. Desta
forma, aumenta-se a vigilância durante a noite.
No
entanto, a defesa da cidade enfrenta um grande problema: a falta de
disciplina – “Mas à defesa faltava disciplina viril.” –, ou seja, não há
uma força organizada, uma liderança enérgica e decidida, normalmente associada
ao papel dos homens em tempo de guerra-
Por que
razões falta disciplina:
1.ª) “Uma
roca mão governa como uma espada.” (comparação e metáfora): uma mulher (“roca”)
é frágil comparativamente ao homem (“espada”) numa sociedade tradicional, ou
seja, uma mulher não tem a capacidade guerreira de um homem – a rainha é
incapaz de defender o reino após a morte do rei. A metáfora da «roca» (objeto
usada para fiar) e da «espada» (arma de combate) sugere que, embora a rainha
esteja disposta a liderar a defesa do palácio e a exercer o seu papel de
rainha, não possui a força nem a experiência para o fazer, o que resulta numa
liderança frágil e emocional (note-se que os termos usados apontam para os papéis
tradicionais atribuídos a mulheres e homens: a roca remete para tarefas
domésticas, enquanto a espada se associa à violência, à ação, à morte; a mulher
é um ser mais recatado, circunscrito ao ambiente caseiro, aos filhos, ao cuidar
da casa e criar uma família, enquanto o elemento masculino está mais predisposto
à violência física).
2.ª) “Toda
a nobreza fiel perecera na grande batalha.” (eufemismo: o uso do verbo
«perecer» destina-se a suavizar a ideia de morte): a elite guerreira da nobreza
morrera na guerra juntamente com o rei, pelo que restavam apenas aqueles que não
possuíam capacidade estratégia e militar, bem como força, para lutar.
3.ª) “E
a rainha desventurosa apenas sabia correr a cada instante ao berço do seu
filhinho e chorar sobre ele a sua fraqueza de viúva.”: a rainha está mais
preocupada com a segurança do filho do que com o reino, daí que passe o tempo a
correr do e para o quarto do filho, o que faz com que não haja uma liderança
adequada e efetiva.
Nesse
ambiente de medo e desorganização, apenas a aia permanece «segura», enquanto
protege o príncipe. A comparação dos seus braços às muralhas de uma cidade
sugere a força e a determinação com que defende o herdeiro do trono. Por outro
lado, estabelece um contraste entre a firmeza da escrava e a fraqueza da
rainha, que apenas sabe chorar.
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