Português: Análise do 8.° parágrafo do conto "A Aia"

sábado, 30 de novembro de 2024

Análise do 8.° parágrafo do conto "A Aia"

    O parágrafo abre com a alusão ao ambiente geral que se vive no palácio real: “um grande temor enchia o palácio”. Na ausência do rei (morto) e do herdeiro, o príncipe (bebé de berço), quem governa agora é uma mulher (a rainha) entre mulheres. Este passo (“uma mulher entre mulheres”), por um lado, constitui um contraste entre a fraqueza associada ao género feminino e a força esperada em quem reina num contexto de crise. Quando um qualquer perigo espreita um reino, espera-se que haja uma liderança forte, o que não acontece neste caso, transparecendo uma sensação de fraqueza, representada pelo facto de quem lidera ser uma mulher.
    Por fim, o tio bastardo decide agir. O narrador prossegue a sua caracterização através da metáfora “homem de rapina”, que reafirma o seu caráter violento e cruel. Além disso, o recurso ao determinante artigo definido «o», em “O bastardo, o homem de rapina”, confere-lhe um sentido de generalização e singularidade, como se ele fosse o único e o pior de todos os do mesmo género.
    De seguida, o narrador referencia as suas ações e atitudes:

1.ª) Erra no cimo das serras, onde passa o seu tempo, uma posição estratégia que confirma a sua imagem de predador que está à espreita, ao longe, aguardando a melhor ocasião para atacar.

2.ª) Desce à planície com a sua horda, ou seja, abandona, por fim, as montanhas à frente de um grupo de facínoras (o termo «horda» evoca um grupo violento e desorganizado).

3.ª) Enquanto se encaminha para o palácio real, deixa um sulco de matança e ruínas (metáfora), isto é, destrói as aldeias e casais por onde passa, destruindo e matando o que encontra por onde passa. Esta ação confirma a caracterização traçada no texto até aqui: é um homem violento, bárbaro, cruel e impiedoso.

    De seguida, o narrador descreve os preparativos de defesa da cidade:

1.º) Reforço das portas da cidade: “As portas da cidade tinham sido seguras com cadeias mais fortes.

2.º) Monitorização das atalaias: “Nas atalaias ardiam lumes mais altos.”. Desta forma, aumenta-se a vigilância durante a noite.

    No entanto, a defesa da cidade enfrenta um grande problema: a falta de disciplina – “Mas à defesa faltava disciplina viril.” –, ou seja, não há uma força organizada, uma liderança enérgica e decidida, normalmente associada ao papel dos homens em tempo de guerra-

                Por que razões falta disciplina:

1.ª) “Uma roca mão governa como uma espada.” (comparação e metáfora): uma mulher (“roca”) é frágil comparativamente ao homem (“espada”) numa sociedade tradicional, ou seja, uma mulher não tem a capacidade guerreira de um homem – a rainha é incapaz de defender o reino após a morte do rei. A metáfora da «roca» (objeto usada para fiar) e da «espada» (arma de combate) sugere que, embora a rainha esteja disposta a liderar a defesa do palácio e a exercer o seu papel de rainha, não possui a força nem a experiência para o fazer, o que resulta numa liderança frágil e emocional (note-se que os termos usados apontam para os papéis tradicionais atribuídos a mulheres e homens: a roca remete para tarefas domésticas, enquanto a espada se associa à violência, à ação, à morte; a mulher é um ser mais recatado, circunscrito ao ambiente caseiro, aos filhos, ao cuidar da casa e criar uma família, enquanto o elemento masculino está mais predisposto à violência física).

2.ª) “Toda a nobreza fiel perecera na grande batalha.” (eufemismo: o uso do verbo «perecer» destina-se a suavizar a ideia de morte): a elite guerreira da nobreza morrera na guerra juntamente com o rei, pelo que restavam apenas aqueles que não possuíam capacidade estratégia e militar, bem como força, para lutar.

3.ª) “E a rainha desventurosa apenas sabia correr a cada instante ao berço do seu filhinho e chorar sobre ele a sua fraqueza de viúva.”: a rainha está mais preocupada com a segurança do filho do que com o reino, daí que passe o tempo a correr do e para o quarto do filho, o que faz com que não haja uma liderança adequada e efetiva.

    Nesse ambiente de medo e desorganização, apenas a aia permanece «segura», enquanto protege o príncipe. A comparação dos seus braços às muralhas de uma cidade sugere a força e a determinação com que defende o herdeiro do trono. Por outro lado, estabelece um contraste entre a firmeza da escrava e a fraqueza da rainha, que apenas sabe chorar.

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