Português: Análise do 7.° parágrafo do conto "A Aia"

sábado, 30 de novembro de 2024

Análise do 7.° parágrafo do conto "A Aia"

Personagens


    Apesar na sua crença na vida para além da morte e da sua continuação noutro plano, enquanto mãe, não deixa de recear pelo destino do principezinho, o que mostra que está consciente dos perigos que agora corre, após a morte do pai: “[…] também ela tremia pelo seu principezinho!”. Atente-se na expressividade do determinante possessivo «seu», que reflete a devoção, o cuidado e o afeto maternal que a aia sente pelo príncipe, que trata como se fosse seu filho. Além disso, mostrou-se, ao longo do tempo, ansiosa e extremamente preocupada com o destino do herdeiro do trono, reconhecendo a sua fragilidade e o longo caminho que terá de percorrer até ao estado de adultez: “[…] pensava na sua fragilidade, na sua longa infância, nos anos lentos que correriam antes que ele fosse ao menos do tamanho de uma espada […]”. Muito tempo passaria ainda até que ele pudesse ocupar o seu legítimo lugar no reino e exercer o poder.

    Deste modo, a aia não esconde a sua preocupação com o destino do principezinho, sobretudo por causa da ameaça constante do tio bastardo, que deseja usurpar o trono e, para tal, terá de se desfazer do sobrinho. Este receio, esta preocupação revelam o seu forte sentido de dever, responsabilidade e lealdade.

    Apesar de todo o afeto que nutre pelo príncipe, a aia possui um amor superior pelo próprio filho. Ao contrário do herdeiro do trono, que está relacionado com o poder e rodeado de inimigos e de perigos, o pequeno escravo, por causa dessa sua condição, está livre dessas questões, daí que a mãe sinta que está mais protegido do que o príncipe: “Esse, na sua indigência, nada tinha a recear na vida.”

    Este parágrafo torna claro que, não obstante demonstrar uma ternura por ambas as crianças, o faz de formas diferentes. Assim, os beijos q     ue dá ao príncipe são “ligeiros”, enquanto os entregues ao escravozinho são “pesados e devoradores”, metáfora que significa que são mais intensos, viscerais, profundos e possessivos. Outra metáfora – “Desgraças, assaltos da sorte má nunca o poderiam deixar mais despidos das glórias e bens do mundo do que já estava ali no seu berço…” – apresenta-o como desprovido, desde o seu nascimento, de qualquer riqueza ou estatuto social, pois até a sua nudez é coberta apenas por um “pedaço de linho branco”. Contrariamente ao príncipe, que está destinado a assumir grandes possibilidades, a deter enorme poder e a viver rodeado de riqueza, o pequeno escravo nada tem a perder em termos materiais, porque nada possui.

    Ora, essa ausência de bens materiais e de estatuto social, proporcionam-lhe uma certa liberdade e proteção física e emocional: as preocupações e os problemas associados ao poder e à riqueza, que pesarão, no futuro, sobre o príncipe, não o atingirão: “[…] nenhum dos duros cuidados com que ela enegrece a alma dos senhores roçaria sequer a sua alma livre e simples de escravo.”

    Por outro lado, a afirmação segundo a qual “A existência, na verdade, era para ele mais preciosa e digna de ser conservada que a do seu príncipe” quer dizer que, embora o príncipe seja o herdeiro de um trono e, em termos materiais, a sua vida possa ser considerada mais importante, logicamente, para a aia, a vida do seu filho possui mais valor. Que a razão justifica esta postura? O escravozinho tem à sua frente uma existência com menos cuidados e preocupações que, na sua mente, “enegrecem a alma” dos que possuem e exercem o poder. Assim sendo, uma vida simples e humilde são superiores, na ótica da aia, a uma existência marcada pelo exercício do poder e das responsabilidades que caberão ao príncipe.

    Outra personagem visada neste excerto é o tio bastardo, que é descrito como uma pessoa «cruel», sombria e ameaçadora. Fisicamente, tem a pele escura (comparação hiperbólica “de face mais escura que a noite”) e, psicologicamente, possui uma maldade interior superior, mais profunda do que a sua expressão exterior (comparação hiperbólica “coração mais escuro que a face”), é extremamente ambicioso e deseja fortemente o trono (“faminto do trono”), que procura usurpar sem quaisquer escrúpulos. Além disso, retoma-se neste parágrafo a metáfora do lobo, de atalaia, à espera da presa (“… espreitando de cimas do seu rochedo entre os alfanges da sua horda!”), ou seja, sugere-se que está à espreita, a observar e a esperar o momento oportuno para atacar, tal como faz um animal predador. Assim sendo, confirma-se que o tio representa uma ameaça constante para o príncipe e o reino.


Elementos simbólicos

 
    A peça de linho branco que envolve o corpo do príncipe é simbólica. Por um lado, o branco está associado, tradicionalmente, à pureza e à simplicidade, parecendo enfatizar a ideia de que uma vida despojada de ambições e preocupações é extremamente valiosa. Por outro lado, poderemos estar perante uma crítica ao fardo que constitui uma existência caracterizada pela riqueza e pelo exercício do poder.

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