O monólogo
interior, que desposa fielmente o fluir caótico da corrente de consciência das
personagens e que traduz, por conseguinte, em toda a sua integridade, o tempo
interior, permite a James Joyce devassar a confusão labiríntica e desesperante
da alma humana.
(...) A obra de
Marcel Proust, À procura do tempo perdido, insere-se igualmente nesta
moderna tradição romanesca, pela ausência de um «enredo uniforme e sistemático,
com toda a urdidura do episódio que atrai outro episódio até um final
contundente», e pela absorvente atenção concedida à vida psicológica das
personagens, uma vida psicológica extremamente densa e complexa. Marcel Proust
participa da mesma repulsa de Valéry pela demasiada aproximação do romance
relativamente à realidade informe e trivial e por isso observa que «nem sequer
uma única vez uma das minhas personagens fecha uma janela, lava as mãos, veste
um sobretudo, diz uma fórmula de apresentação. A haver alguma coisa de novo
neste livro [À procura do Tempo Perdido], seria isto mesmo».
Ao nome de
Marcel Proust, poderíamos agregar os de Frank Kafka, de William Faulkner, de
Hermann Broch, de Lawrence Durrell, as tentativas dos surrealistas no campo do
romance, etc. O romance afasta-se cada vez mais do tradicional modelo
balzaquiano, transforma-se num enigma que não raro cansa o leitor, num «romance
aberto» de perspetivas e limites incertos, com personagens estranhas e
anormais. A narrativa romanesca dissolve-se numa espécie de reflexão filosófica
e metafísica, os contornos das coisas e dos seres adquirem dimensões irreais,
as significações ocultas de carácter alegórico ou esotérico impõem-se muitas
vezes como valores dominantes do romance. O propósito primário e tradicional da
literatura romanesca - contar uma história - oblitera-se e desfigura--se.
Por outro lado,
o enredo do romance moderno torna-se muitas vezes caótico e confuso, pois o
romancista quer exprimir com autenticidade a vida e o destino humano, e estes
aparecem como o reino do absurdo, do incongruente e do fragmentário. O enredo
balzaquiano, a composição do romance defendida por Bourget, falsificavam a
densidade e a pluridimensionalidade da vida, e por isso o romance contemporâneo
situa-se muito longe do romance balzaquiano, sem que tal facto implique, aliás,
qualquer desvalorização de Balzac.