O tão aguardado duelo entre os dois maiores heróis das partes conflituantes concretiza-se finalmente. Homero controla habilmente o enredo, entrelaçando os eventos de forma admirável. Por exemplo, a cena da pesagem dos destinos de Aquiles e Heitor assemelha-se, embora em sentido contrário, à que ocorre no Canto VIII, quando o destino do exército troiano se sobrepõe ao do grego. Por uma questão de dignidade, Heitor tem de lutar até à morte para resgatar a honra perdida quando, de forma imprudente, ignorou os conselhos e ordenou ao seu exército que acampasse fora dos muros da cidade, o que levou à fuga dos seus homens, causando-lhe enorme vergonha e à sua liderança. Por outro lado, o primeiro momento glorioso de Heitor, quando ele liquida Pátroclo e fica com a sua armadura, acaba por se tornar determinante para a sua perdição, dado que Aquiles conhece perfeitamente onde ela é vulnerável e é aí que desfere o golpe fatal. Estas conexões sugerem o caráter cíclico da vida e do universo, que tende(m) a equilibrar-se: uma oscilação do pêndulo leva a outra; as ações de uma pessoa acabam por voltar para o assombrar.
Por outro lado, o confronto entre os
dois inimigos constitui um duelo de heróis e de valores. O enfrentamento
evidencia claramente a superioridade de Aquiles no que respeita à força física,
mas o tratamento vergonhoso e cruel que dedica ao corpo de Heitor diminui-o e
torna-o indigno. E fá-lo apenas guiado pela sua raiva desmedida, irracional e
incontrolável. Heitor, pelo contrário, redime-se das suas falhas anteriores. As
suas orelhas moucas aos prudentes conselhos de Polidama, que o levaram a
acampar fora da cidade na noite anterior, implicaram consequências terríveis
para as suas tropas. Agora, ele não pode recuar, pois tal seria ainda mais
desonroso, e a sua recusa de regressar à segurança do interior da cidade
simboliza a sua vontade madura de sofrer as consequências dos seus atos. A
tentativa de negociar um duelo honrado evidencia um forte sentido de dignidade
pessoal. A tentativa de obter do inimigo a garantia mútua de um tratamento
respeitoso do cadáver do derrotado traduz a sua decência. Por último, a
tentativa desesperada de alcançar a glória ao atacar Aquiles, mesmo depois de
ter consciência da traição dos deuses e da iminência da sua morte, enfatizam a
sua coragem e o seu heroísmo.
À primeira vista, poderíamos ser
levados a concluir que a morte de Heitor simboliza a morte dos valores que
encarna – a dignidade, a coragem, a decência, a honra, o heroísmo, etc. –, no
entanto, a atitude posterior de Aquiles, quando recebe Príamo e se
consciencializa da sua crueldade e barbarismo, fruto da cólera incontida e
incontrolável, significa que ele terá interiorizado a importância desses valores.
Em suma, Aquiles é o mais forte
fisicamente, o herói mais valoroso no que à guerra diz respeito (ele não
precisa de ajuda divina para correr nem se cansa), porém Heitor é a personagem
mais humana e digna. O filho de Tétis não trata o oponente como humano, antes o
vê como uma presa. As duas personagens representam, enfim, dois tipos diversos
de heroísmo: o grego é o símbolo da força física e da destreza na guerra, mas
possui falhas de caráter; o troiano é mais humano e representa um caráter mais
heroico, valorizando o respeito mútuo, mesmo em situações limite, como a guerra
ou a iminência da morte.
Como acontece frequentemente, as
visões sobre os acontecimentos e as ações diferem de personagem para
personagem. É o que acontece, por exemplo, com Andrómaca, que vê a recusa do
marido de se acolher dentro de Troia como uma manifestação de orgulho. Contudo,
é exatamente isso que o torna honrado e digno. O próprio Príamo parece
pressentir tal quando, mesmo implorando ao filho que se acoite dentro das
muralhas, receia a desgraça de morrer velho numa cidade conquistada pelo
inimigo, sugerindo que é preferível morrer jovem de forma gloriosa.
Curiosa é a cena em que Heitor foge
de Aquiles, correndo sucessivamente em volta da cidade. Se, por um lado, somos
levados a ler na atitude do troiano um gesto de fraqueza e cobardia (até porque
ele prometera nunca fugir do oponente), por outro, encontramos nela algo de
caricatural e cómico. De facto, assistir, no contexto daquele duelo, à figura
de duas personagens correndo uma atrás da outra num campo de batalha vazio tem
o seu quê de cómico. Porém, o que está em causa – a vida de Heitor – não
encerra qualquer comicidade.
Por último, há que ter em conta que
o destino de Troia está intimamente ligado ao seu defensor: Heitor. Príamo
prevê, à semelhança do que Andrómaca fizera no Canto VII, que a cidade cairá
sem a liderança do seu filho. Por seu turno, a mesma Andrómaca, ao ver o marido
morto, receia, com toda a razão, pelo futuro do filho de ambos, ao ficar sem
pai. Dentre as várias versões sobre o que, de facto, aconteceu a Astíanax após
a Guerra de Troia, a mais corrente é a de que ele terá sido atirado por
Neoptólemo (também conhecido por Pirro, era filho de Aquiles e Deidamia) do
cimo das muralhas da cidade, por receio de que, sendo cria de Heitor, vingasse
a morte do pai e, além disso, se tornasse um dia rei de Troia.