Através da análise das cantigas de
amigo, perscrutamos a alma da donzela enamorada e a diversidade dos seus
sentimentos, que correspondem a momentos diferentes da relação com o amigo.
Nas palavras do professor Rodrigues
Lapa (Lições de Literatura Portuguesa – Época Medieval, p. 159), “Toda a
escala sentimental da vida amorosa da menina nos é comunicada com o mais vivo
realismo: a timidez, o pudor alvoroçado e a inexperiência do amor, […] a
travessura, a alegria e o orgulho de amar e de ser amada, os pequeninos
arrufos, as tristezas e ansiedades, a saudade, a impaciência e o ciúme, a
crueldade e a vingança, a compaixão, o arrependimento e, finalmente, a
reconciliação.”
Por seu turno, António José Saraiva
e Óscar Lopes (História da Literatura Portuguesa, p. 64) afirmam o
seguinte: “A saudade, o ciúme, o ressentimento, os amuos, as ansiedades, as
desconfianças, a reivindicação da liberdade de amar perante a intervenção materna,
etc., exprimem-se de modo muito vivo; e ao lado da diversidade de situações é
de notar dois tipos psicológicos simulados: as mulheres ora são ingénuas, ora
experimentadas; ora compassivas e inclinadas à piedade, ora astutas e
calculistas; ora indiferentes, ora suscetíveis.”
O amor que a jovem exprime pelo seu
amado pode assumir várias facetas e despertar diferentes efeitos na figura
feminina.
1.
Felicidade amorosa
●
A donzela está enamorada, sente-se alegre e feliz com esse
amor e pretende celebrar a sua alegria, por exemplo, dançando
sedutoramente perante o seu amigo (para o que convida as amigas a bailarem
consigo debaixo das avelaneiras floridas ou no adro da ermida).
●
Antes do reencontro com o amado [muitas vezes, o amigo está ausente],
ela rejubila com a ideia de voltarem a estar juntos.
●
Noutros casos, depois de uma separação (quando o amigo partiu para
servir o rei, no «ferido» ou no «fossado», por exemplo), expressa a sua grande alegria
quando ele efetivamente regressa.
●
Em todas estas situações, a jovem sente o prazer de amar e ser amada
e acredita na firmeza da relação e nos sentimentos do amigo. Ocasionalmente,
sofre a oposição da família, nomeadamente da mãe; outras vezes, mesmo
que a avisem que ele não comparecerá ao encontro porque quer “mui gram bem a
outra mulher”, ela não acredita, segura do seu amor.
2.
Saudade
●
Na ausência do amigo (que partiu para a guerra ou para a pesca, como já foi
referido), a donzela sente saudades, que a inquietam e deixam em “gram
coidado”.
●
Frequentemente, é atormentada pelo ciúme, que é motivado pela
demora do amado ou pelo seu comportamento.
3.
Ansiedade
●
Quando o amigo está ausente, a donzela, além de saudosa, fica também ansiosa
e preocupada.
●
Se ele se atrasa ou falta a um encontro, receia que algo lhe tenha
acontecido:
- ele
já não vem;
- ela
quer notícias dele;
- quer
vê-lo;
- ele
já deveria estar com ela e não está.
●
Por vezes, os elementos da Natureza, personificados e confidentes, dão-lhe
notícias do amado e tranquilizam-na: ele está bem e de saúde e regressará como
combinado.
4.
Sofrimento, ciúme e desespero
●
Sempre que a donzela suspeita que o amigo já não a ama ou que o amor foi atraiçoado,
fica angustiada e ciumenta.
●
Nalgumas cantigas, suspeita ou fica a saber que o amigo lhe mentiu ou faltou ao
prometido, o que a deixa cheia de fúria e revolta, prometendo
nunca mais acreditar no amor ou revelando a intenção de exercer uma retaliação
ou vingança.
●
Por vezes, o amor durou pouco tempo:
-
ele partiu e deixou-a triste, tristeza que se reflete na Natureza;
-
a donzela chora o dia em que se enamorou e experimentou o que era o amor
e maldiz o dia em que viu o amigo.
●
Após tantas peripécias, a donzela parece ter aprendido a lição e reage:
-
se ele se assanha com ela, a jovem assanha-se com ele;
-
convencida da sua beleza e do seu amor, faz-se cara;
-
então vinga-se: se ele ficou de falar com ela e não o fez, a
jovem, quando o amigo quiser ficar consigo, não quererá;
-
perdoa-lhe, mas não o quer amar mais.
●
Todavia e afinal, o amor acaba por triunfar (ninguém pode mandar no coração) e
a donzela pede à mãe que não se zangue e a culpe porque quer ir falar com o
amigo à ermida, onde tantas vezes esperou por ele em vão.