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sábado, 15 de outubro de 2022

Análise do capítulo XVII de Iracema


 Essa expectativa é quebrada neste capítulo. Iracema revela o que tinha acontecido e assume as consequências, isto é, o afastamento da sua tribo. Martim não sabe como reagir, mas os seus atos são sempre dirigidos pelo seu sentir. Em Martim, há que separar o nível emocional e o racional.
    A fala de Poti sobre o amor é importante, na medida em que pensa que o amor é como o cauim, etc. É uma imagem que corresponde a uma linguagem que não é típica do índio, é marcada pelo romantismo europeu.
    A imagem construída de Martim é feita segundo os moldes europeus idealizados. No final do capítulo, ele assume tudo o que aconteceu, a situação e a sua ligação com Iracema - o facto de a considerar como sua esposa.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Análise do capítulo XVI de Iracema


     Há uma descrição de todos os ritos dos guerreiros. A nível de estratégia narrativa, a parte descritiva do capítulo retarda a ação e há uma certa suspensão: espera-se que aconteça algo de importante.
    A seguir a esta descrição, Iracema vai ao encontro de Martim e fogem juntos. De facto, este é um capítulo de suspensão: funciona como um retardamento da ação, criando-se com as descrições uma expectativa no leitor.

Análise do capítulo XV de Iracema


    Este capítulo constitui o centro da obra, pela importância de que se reveste. No início, descreve-se um ambiente de calma, que se opõe ao sentimento interior das personagens. Há um adensar do trágico, algo de indomável que se cria.
    Se o início era de ambiente de calma, em todo o resto do capítulo há um adensar do trágico, até se atingir o clímax. Iracema, segundo as leis da sua tribo, não podia ser possuída por Martim e é nesse sentido que se adensa o trágico. Martim age inconscientemente; só o ato de Iracema é voluntário e consciente. A única forma de ele ser feliz com Iracema é no sonho e é por isso que ele pede a bebida.

Análise do capítulo XIV de Iracema


     Irapuã aproveita o facto de os outros estarem bêbados, para satisfazer os seus desejos de vingança. Um aspeto que caracteriza positivamente Martim é o reconhecimento do que Iracema faz por si. Por outro lado, ele começa a confiar mais nela e a aceitar os seus conselhos.

Análise do capítulo XIII de Iracema


     Dá-se o encontro de Iracema com Poti. Martim não consegue abarcar verdadeiramente a realidade; Iracema pensa sempre mais além que ele. É ela quem tem coragem e firmeza para tomar as iniciativas: caracterização positiva do elementos indígena.

    Temos nestes capítulos o adensar da intriga através de um conjunto de factos. Todas as descrições e factos têm uma função: são elementos funcionais, ou seja, estão em função da construção das personagens principais, da definição do seu caráter. As figuras melhor caracterizadas e a quem os factos se ligam são Iracema e Martim. A jovem é sempre caracterizada positivamente: corajosa, fiel, de vontade imutável. São estas qualidades que fazem com que o seu amor se mantenha uno e decidido, ao contrário de Martim, que se mostra indeciso. Ela sabe da existência da "virgem loura", mas não desiste do seu amor. Estes episódios mostram o seu comportamento positivo, que se distingue de Martim pela sua superioridade.
    Martim é o reflexo da duplicidade do herói romântico. Ele oscila entre o amor a Iracema e a saudade da pátria. E é esta oscilação que o vai caracterizar negativamente e colocar numa posição inferior a Iracema, principalmente quando esta tem perfeita consciência dessa dualidade. Martim apresenta frequentemente um comportamento orgulhoso e excessivo; chega mesmo a mostra desprezo quando Iracema o defende. É valente e corajoso, mas raramente o mostra no momento oportuno. Raramente entende o sacrifício que Iracema faz em prol do seu amor. Temos ainda de notar as diferenças entre ambos: raça, condição social, religião, tribo. Estas diferenças situam-nos em campos opostos. Isto vem valorizar o elemento indígena e idealizá-lo.

Análise do capítulo XII de Iracema


     Temos mais elementos que caracterizam positivamente Iracema, que arrisca tudo e todos para defender o seu guerreiro branco. Ouve-se um canto de gaivota, que ela desconhece por ser um elemento ausente do seu ambiente, mas Martim reconhece-o como sendo o grito de Poti, seu amigo pitiguara. Martim quer ir ao seu encontro, mas Iracema não o permite, porque pode ser apanhado por Irapuã e predispõe-se ela a ir em seu lugar. A boa vontade e sacrifício de Iracema estão bem patentes quando afirma: "Não queres tu que morra Iracema, e queres que ela te deixe morrer!"

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Análise do poema "Descreve com mais individuação a fidúcia..."

            Neste poema, Gregório de Matos satiriza as ações do homem estrangeiro que ia enriquecer na Baía à custa do trabalhador baiano. Assim sendo, nesta longa composição de 192 versos, o sujeito poético descreve situações que evidenciam a insatisfação resultante das ações de determinadas personagens que habitavam na Baía, no período colonial.

            O poema abre com uma invocação (apóstrofe) à Baía, humanizada e tratada de forma formal, evidenciando respeito por ela, como se estivéssemos perante um diálogo entre um «eu» e um «vós».

            Os primeiros quatro versos assentam na antítese madrasta/madre: a cidade de Baía constitui o centro do discurso poético e, desde já, o sujeito lírico expõe o tratamento dado àqueles que exploram os bens do lugar: “Haverá duzentos anos, / (nem tantos podem contar-se) / que éreis uma aldeia pobre, / e hoje sois rica cidade.” Estamos já perante o foco da composição: a crise que a cidade enfrentava. De facto, por causa das crescentes barreiras alfandegárias impostas à comercialização dos açúcares brasileiros nos mercados europeus pela Inglaterra, França e Holanda, que dominavam a produção nas Caraíbas e no Oriente, os estoques acumulavam-se em Lisboa, que era incapaz de escoar o produto pelas razões apontadas. Para tornar os preços competitivos, a partir de 1675, a Coroa portuguesa determinou a redução dos preços, o que afetou os rendimentos da burguesia e do clero, elevou o valor dos escravos e o do cobre, do ferro e do breu, fundamentais para o funcionamento dos engenhos. Deste modo, os senhores ficam descapitalizados, o que os leva a recorrer ao crédito, à incapacidade de saldar as dívidas, às execuções, falências e ao fogo morto. Em simultâneo, a moeda petropolitana de prata e ouro desvaloriza, cujo valor facial se torna inferior ao da moeda que circula no Brasil, o que motiva a evasão do metal para Portugal, acompanhada da alta dos géneros. Esta crise atinge o auge por volta de 1688, quando, após a desvalorização da pataca espanhola em 20%, a moeda portuguesa de prata e ouro se torna mais vulnerável ao contrabando e a outras práticas de desvio, como, por exemplo, o corte dos seus bordos e a fundição das aparas, transformadas em metal, prata ou ouro.

            É este contexto que encontramos neste poema-romance, não configurado em estrofes, mas aparentemente formado por quadras. De facto, após cada conjunto de quatro versos, encontramos um ponto final, que indica o final de um pensamento, ao qual se segue outro, iniciado no verso seguinte.

            Por outro lado, o texto descreve várias personagens, cuja finalidade passas por envergonhar a cidade da Baía: “A essas personagens vamos, / sobre elas será o debate, / e queira Deus, que o vencer-vos / para envergonhar-vos baste.” A partir daqui, o sujeito poético descreve as ações de três figuras específicas e de uma quarta com uma configuração grupal, talvez a junção de todos num só. A transição entre a descrição destas figuras é pontuada pelo estribilho “e eis aqui a personagem”.

            Uma dessas personagens é “um pobrete de Cristo” que sai de Portugal, despachado para conseguir sair da crise em que se encontrava. Normalmente, esses homens que iam para o Brasil, nessa época, eram, maioritariamente, pessoas pobres, miseráveis, bandidos, libertinos, em suma, a escoriada sociedade europeia. Por isso, os jesuítas contam que era mais difícil catequizar os índios, dado que os próprios cristãos, normal geral pessoas brancas, não cumpriam as regras estabelecidas. De facto, as normas obedecidas na Europa eram desrespeitadas no Brasil, como se fosse uma terra de bárbaros. Esta primeira personagem é, portanto, um pobre que enriquece enganando as outras pessoas: “Vendendo gato por lebre, / […] / já tem tantos mil cruzados, / segundo afirma Pasguates.” Estes são os idiotas, os que contam as vantagens do seu enriquecimento e que, posteriormente, comporão o quadro político da Baía: “Entra logo nos pilouros, / e sai do primeiro lance / Vereador da Bahia.”

            As personagens seguintes são descritas como falsas, embusteiras, ladras, hipócritas, usuárias, que enriquecem com a desgraça alheia: “Nunca paga, e sempre come”. O poema, à semelhança de outros, procura traçar um quadro da formação do povo brasileiro. Enquanto uns enriquecem ilicitamente, a maioria afundava-se na miséria e, para lhe escapar, estas pessoas vendiam os seus serviços a preços irrisórios ou deixavam-se escravizar para simplesmente terem o que comer.

            Outra personagem, imprescindível nas obras da época, é um membro do clero: um “Clérigo idiota”. À semelhança das demais, esta figura não possui nome próprio, ou seja, são todas personagens-tipo. Deste modo, este Clérigo simboliza uma classe social que tinha grande influência na época da colonização do Brasil e que foi decisiva na formação da identidade brasileira. Por isso, a poesia de Gregório denuncia a hipocrisia do clero, que frequentemente faziam o contrário do que pregavam. Neste caso, o Clérigo representa a usura, a cobiça, a corrupção e, metonimicamente, a Igreja católica: “Cresce em dinheiro, e respeito, / vai remetendo as fundagens, / Compra toda a sua terra, / com que fica homem grande…”.

            Na quadra seguinte, a sátira é ainda mais acutilante: os clérigos são adjetivados como “mariolas”, “lacaios”, de “missal” e “missa-cantante”, respetivamente.

            Nos últimos vinte versos da composição, o «eu» poético evoca de novo a Baía, agora com o objetivo de denunciar a passividade dos “Filhos da terra”, que, diante das ações lesivas dos estrangeiros que procuram fazer tortura na Baía, permanecem indiferentes à situação: “Veem isto os Filhos da terra, / e entre tanta iniquidade / são tais, que nem inda tomam / licença para queixar-se.”

            Nos últimos versos, o sujeito lírico usa a primeira pessoa do singular («eu»), para exprimir o desejo de purificação pelo fogo, como sucedeu em Sodoma e Gomorra, as duas cidades bíblicas que foram destruídas pelo fogo por causa da sua iniquidade. De acordo com o sujeito poético, esse deveria ser o mesmo destino a dar à Baía, que se equipara, em iniquidade, às referidas cidades bíblicas.

"Precalço", um grande percalço


 

Análise de "Lizongea finalmente a convalecencia de sua esposa", Gregório de Matos


            Este soneto é dedicado à mulher do poeta, embora não se saiba exatamente qual, pois Gregório de Matos teve duas esposas oficiais. De acordo com alguns estudiosos, é provável que se trate de Maria de Povos.

            O «eu» poético dirige-se a uma flor, Rosa, qualificando-a como vaidosa. Aliás, na primeira quadra do soneto, são evocadas quatro flores: “Rosa”, “Clavel”, “Açucena” e “Jasmin”. Por outro lado, são referidas também cores, como o “branco”, o “enacarado” e “nevado”, com as quais as flores se envaidecem, porque cada cor é característica de cada flor.

            O tom de alegria e cor é substituído, nos dois últimos versos da segunda quadra, pela tristeza: “Se de la pompa el tiempo está acabado, / Vuestra pompa en retiros minorad”, os quais apontam para outro tema querido da época: a efemeridade da vida. O eufemismo “Se de la pompa das flores está acabado” sugere que a pompa das flores está a acabar, não esquecendo que cada uma delas representa a esposa do poeta. Ora, é nítida a ideia da perda de vitalidade por parte de “Açucena, Clavel, Jasmin y Rosas”, embora se trate de uma mera sugestão, dado que o que se pretende é exaltar a figura feminina, daí que o vocabulário seja positivo.

            De acordo com Samuel Lina (in Edifício de Palavras, p. 52), há no poema um certo traço carnavalizante, visto que, mesmo diante das agruras da vida, na festa (Carnaval) tudo se esvaía, dando lugar ao prazer, daí a existência das máscaras. Ora, no texto de Gregório de Matos, está igualmente presente esta noção de dualidade: na iminência da morte, a flor é exaltada, sendo destacadas as suas qualidades, as suas características positivas.
 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Faleceu Mrs. Jessica Fletcher


 Angela Lansbury

1925 - 11/10/2022

Análise de Os Lusíadas: Canto IX, estâncias 88-95


Contextualização
 
            Após a narração das dificuldades vividas em Calecute, o Poeta conta o regresso dos marinheiros à pátria. A meio da viagem, Vénus prepara-lhes uma recompensa, a Ilha dos Amores, onde serão recebidos pelas ninfas amorosas. Este episódio começa no canto IX e prolonga-se pelo X, quase até ao final do poema, e constitui uma alegoria, representando o prémio que, em local ameno e harmonioso, é atribuído aos homens pelo seu esforço, heroísmo e feitos.
            A armada avista a Ilha dos Amores e, depois de os marinheiros desembarcarem para caçar e abastecer as naus de água fresca, Camões descreve o contacto com as ninfas.
            Tétis explica a Vasco da Gama que a Ilha é o prémio merecido pelas façanhas realizadas, indicando, também, as glórias futuras que estão reservadas ao povo português.

 
Análise da reflexão
 
1.ª parte (estância 88) – Transição do plano amoroso para o da reflexão sobre o significado da Ilha dos Amores – o Poeta explica o significado da Ilha dos Amores: ela representa a imortalidade só atingida por quem realiza feitos sublimes.
 
Como serão os marinheiros recompensados pelo feito de terem chegado à Índia?
- na companhia das ninfas;
- num ambiente alegre e de prazer;
- usufruindo das maravilhas da Ilha.
 
Significado da Ilha dos Amores: a Ilha é uma alegoria da fama e da imortalidade.

A Ilha constitui o prémio (“O prémio lá no fim, bem merecido” – est. 88, v. 7) pelos “feitos grandes” e pela ousadia (“Porque dos feitos grandes, da ousadia” – est. 88, v. 5) da “forte e famosa” (est. 88, v. 6) gente portuguesa e o reconhecimento pelos “trabalhos tão longos” (“Os trabalhos tão longos compensando” – est. 88, v. 4), que garantirão aos heróis lusitanos “fama grande e nome alto e subido” (est. 88, v. 8), honra, fama e glória (“Aquelas preminencias gloriosas, / Os triunfos, a fronte coroada / De palma e louro, a glória e maravilha: / Estes são os deleites desta Ilha.”).

 
 
2.ª parte (estâncias 89 a 91) – Explicitação, em pormenor, do significado da Ilha.
 
Em que consiste essa recompensa?

A fama: “Com fama grande…” (est. 88, v. 8).

A mitificação: “nome alto e subido” (est. 88, v. 8).

A imortalidade: o contacto dos humanos com as ninfas confere-lhes um estatuto divino.

Os prazeres da Ilha são os sucessos, as vitórias alcançadas por mérito próprio (estância 89).

 
Trata-se, em suma, do reconhecimento pelos “feitos grandes”, pela “ousadia” e pelo esforço. Esta simbologia significa que a fama e a glória estão ao alcance de qualquer ser humano que se destaque pelos seus feitos e conduta virtuosa.
 
• Já na Antiguidade se atribuíam prémios e recompensas aos heróis.
 

• Que prémio era esse?

A imortalidade: os homens subiam ao Olimpo, tornavam-se, assim, deuses, imortais: “Que as imortalidades que fingia / A antiguidade, que os Ilustres ama, / Lá no estelante Olimpo, aquém subia / Sobre as asas ínclitas da Fama”.

Os dois versos iniciais da estância 90 são muito expressivos, pois significam que, à semelhança do que sucede com a Ilha dos Amores, os deuses da Antiguidade eram apenas representações simbólicas do prémio que é sempre atribuído àqueles que norteiam a sua existência pela virtude – a possibilidade de serem imortalizados pela fama.

 
Quem era premiado?

Os homens que realizavam feitos ilustres, grandes ações; aqueles que percorriam um caminho árduo, difícil, cheio de perigos: “Por obras valerosas que fazia, / Pelo trabalho imenso que se chama / Caminho da virtude, alto e fragoso…”. Assim, encontravam o prazer, o deleite, a satisfação: “Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso”.

 
A personificação do verso 4 da estância 90 significa que a Antiguidade fazia subir os homens ilustres ao Olimpo nas asas da Fama.
 
Qual é o papel da Fama?

Atribuir a imortalidade.

A estância 91 serve como confirmação desta ideia: a imortalidade era um prémio dado aos homens, devido aos “feitos imortais e soberanos” (“Não eram senão prémios que reparte, / Por feitos imortais e soberanos, / O mundo cos varões que esforço e arte / Divinos os fizeram, sendo humanos”). Por isso, obtiveram nomes divinos: “Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte, / Eneas e Quirino e os dous Tebanos, / Ceres, Palas e Juno com Diana, / Todos foram de fraca carne humana.”.

 
Qual é o objetivo do Poeta com a referência à Antiguidade?

É uma estratégia para convencer os homens do seu tempo a seguirem o exemplo dos clássicos. De facto, as figuras da Antiguidade citadas (Júpiter, Mercúrio, etc.) surgem como argumento do Poeta para convencer os contemporâneos a alterar a sua atitude, combatendo os vícios, bem como para conferir importância ao caminho a percorrer para atingir a imortalidade.

A enumeração de nomes próprios dos versos 5 a 8 da estância 91 indica-nos que antes de serem deuses, logo imortais, todos foram humanos e mortais. De facto, as divindades começaram por ser humanos, tendo ascendido ao patamar divino por “esforço e arte” e “feitos imortais e soberanos”, o que lhes valeu a imortalidade. Assim, o Poeta sugere que os Portugueses podem e merecem passar pelo mesmo processo de mitificação.

 
Expressividade da conjunção «Que» (estância 89, v. 1 e est. 90,v. 1): a conjunção possui, neste caso, um valor de causa. A finalidade do Poeta é justificar a razão pela qual o episódio da Ilha dos Amores e a relação entre as ninfas e os marinheiros portugueses são simbólicos, visto que não existiram. De facto, constituem uma mera representação alegórica da fama e do reconhecimento dos feitos dos marinheiros, elevando-os à condição de deuses.
 
 
3.ª parte (estâncias 92 a 95) – Alargamento da reflexão a questões políticas, sociais e religiosas.
 
Os quatro versos iniciais da estância 92 apontam outro papel da Fama: divulgar os feitos do herói e conferir-lhe atributos (atente-se na expressividade da metáfora e da personificação “Mas a Fama, trombeta de obras tais…”: na Antiguidade, cabia à Fama o papel de dar a conhecer por toda a parte o herói e os seus feitos. A Fama anuncia os feitos realizados como se fosse uma trombeta, para que todos possam ouvir, isto é, reconhecer o mérito dos seus autores. A trombeta é tradicionalmente usada como instrumento para anunciar o início de uma batalha ou a chegada de uma figura importante.
 
Desta forma, prepara a exortação que se segue: o Poeta (através de uma apóstrofe e de formas verbais no imperativo – «Despertai» –, da adjetivação – «ignavo», «livre» – e do uso da segunda pessoa do plural – «vós», «estimais») dirige-se a todos os que estimam a Fama, que querem ser famosos e incentiva-os a mudar o seu comportamento, a abandonar o ócio.
 
Valor expressivo da apóstrofe «ó vós» (est. 92, v. 5): o Poeta dirige-se aos que desejam ser famosos como os deuses da Antiguidade Clássica (“Se quiserdes no mundo ser tamanhos”). A Ilha dos Amores é uma alegoria para a fama, para a honra, para a mitificação.
 
Conselhos do Poeta àqueles que querem alcançar a fama e a imortalidade – vícios a evitar:

Combater a preguiça: “Despertai já do sono do ócio ignavo” (est.92, v. 7).

Evitar a cobiça e a ambição: “E ponde na cobiça um freio duro, / E na ambição também…”.

Evitar a tirania: “… e no torpe e escuro / Vício da tirania infame e urgente.”.

Promover a igualdade perante a lei, garantindo a imparcialidade e a justiça: “Ou dai na paz as leis iguais, constantes”.

Impedir a exploração dos mais fracos: “Que aos grandes não deem o dos pequenos” (antítese).

Combater contra os muçulmanos: “Ou vos vesti nas armas rutilantes, / Contra a lei dos imigos Sarracenos”.

 
Comentários do Poeta:

i) As “honras vãs, esse ouro puro”, obtidas sem espaço e sem mérito, não dão “Verdadeiro valor” às pessoas.

ii) É melhor merecer a honra e os bens materiais sem os ter, do que tê-los e não os merecer.

 
Quais são os ideais a perseguir, segundo o Poeta?

- Justiça;

- Igualdade;

- Fraternidade;

- Lealdade;

- Vontade;

- Honestidade.

 
Recursos expressivos:
- Hipérbole: “Tomais mil vezes”.
- Imperativo: “ponde”.
- Vocabulário com pendor crítico: “torpe”, “vício”, “infame”, etc.
 
Efeitos dos conselhos do Poeta, se forem seguidos:

i) O reino será maior e poderoso: “Fareis os Reinos grandes e possantes”;

ii) Haverá igualdade na distribuição dos bens: “E todos tereis mais e nenhum menos”;

iii) Todos terão honra e fama: “Possuireis riquezas merecidas, / Com as honras que ilustram tanto as vidas.”;

iv) O Rei será mais ilustre e esclarecido, devido ao apoio, aos conselhos sensatos e à lealdade: “E fareis claro o Rei que tanto amais, / Agora cos conselhos bem cuidados, / Agora co as espadas, que imortais”;

v) Tornar-se-ão imortais como os seus antepassados: “Vos farão, como os vossos já passados”;

vi) Serão eternamente reconhecidos como heróis: “Sereis entre os Heróis esclarecidos / E nesta «Ilha de Vénus» recebidos.”

 
Advertência do Poeta: não há limites para o ser humano, pois quem quis sempre conseguiu. Só com a força de vontade se alcança a glória: “Impossibilidades não façais, / Que quem quis, sempre pôde”.
 
Expressividade da metáfora “E nesta ilha de Vénus recebidos” (est. 95, v. 8): neste verso, o Poeta retoma a ideia apresentada na estância 89 (“Ilha angélica pintada.”). A Ilha simboliza as honras, sendo que, para as alcançar, para se ser recebido na “Ilha de Vénus”, é necessário adotar os comportamentos e as atitudes que o Poeta sugere.
 
 
Síntese

            O Professor Carlos Reis, in Rimas e Os Lusíadas (pp. 98 e 99), Leituras Orientadas, Porto Editora, considera que há a reter desta reflexão as seguintes conclusões gerais:

1.ª) O episódio da Ilha dos Amores representa a vida sublimada (isto é, exaltada e engrandecida; est. 89). O homem que se distinguiu pelo seu esforço e pelas suas obras tem direito a uma existência que, sendo terrena, não se limita (como se pensava na Idade Média) ao sacrifício para se alcançar a salvação. A vivência amorosa não é, então, moralmente condenada; aliás, por causa do amor, a condição humana ganha novo vigor e os homens são elevados ao nível dos deuses.
 
2.ª) O estatuto sobre-humano a conceder aos marinheiros manifesta-se do seguinte modo:

Através da submissão das Ninfas aos navegantes, juntamente com o tratamento concedido a Vasco da Gama, incluindo as revelações que lhe são feitas acerca das consequências da viagem (est. 10 e seguintes).

Pela comparação dos «varões» (incluindo os nautas) com os deuses (Júpiter, Mercúrio, etc.) que, antes de serem divindades, foram também humanos. Isto significa que também os homens podem ascender ao estatuto de deuses, desde que o mereçam.

Assim, é legítimo aspirar à Fama, se ela for conseguida pelo esforço e pela superação do «ócio ignavo» (est. 92, v. 7).

A procura da Fama não se coaduna com determinados comportamentos, nomeadamente a ambição desmedida, a tirania, o culto da injustiça, etc., e que caracterizam os homens do tempo do Poeta.

O serviço prestado ao Rei (“fareis claro o Rei que tanto amais”, est. 95, v. 1) tem de ser, então, a preocupação daqueles que, na paz ou na guerra santa contra os infiéis, merecem ser recebidos na Ilha dos Amores.

 
            Um exemplo deste serviço desinteressado, que Camões não invoca aqui, mas que surgirá mais adiante, é a escrita do poema épico como ato patriótico.

domingo, 9 de outubro de 2022

Análise do capítulo XI de Iracema


     Os tabajaras partem para defender a Taba, mas não descobrem nenhum guerreiro pitiguara, o que leva Irapuã a pensar que tudo foi uma estratégia de Iracema e vai em direção à taba de Araquém para terminar o ajuste de contas. Ele chega a ser insolente com Pajé e vem o seu irmão Andira em seu auxílio. Mas só a intervenção mágica de Tupã consegue acalmar os ímpetos de Irapuã, o que aumenta o poder do Pajé. Essas intervenções mágicas e misteriosas têm uma importância muito firme no romance romântico.
    Depois de Martim estar salvo, tem de novo um comportamento orgulhoso, não querendo que uma mulher o defenda sempre, o que o caracteriza negativamente. Ele volta o rosto e Iracema pensa que teria sido ela que errou, ela que sempre tomou o seu partido, mesmo contra a sua gente. Martim desculpa-se dizendo que receia a voz de Tupã, mas ela sabe que não é bem isso, mas sim a dualidade que nele se manifesta. A sua atitude pode compreender-se, embora não seja recomendado o orgulho.

Análise do capítulo X de Iracema


     Martim parte e Iracema fica na tribo dos Tabajaras. Temos uma penetração na psicologia de Iracema, não por análise da própria, mas pela reação de ará. Há uma intensa ligação entre Iracema e a natureza, neste caso, uma ave. É por uma interpretação dos sentimentos da ave que se chega a uma possível interpretação dos sentimentos de Iracema.
    Num certo momento, Iracema ouve o grito de guerra de Caubi e parte em seu auxílio, encontrando-os rodeados por Irapuã e seus guerreiros. Mas, entretanto, ouve-se o grito de guerra dos pitiguaras. Caubi e a jovem defendem Martim. Mais uma vez temos a caracterização positiva de Iracema, defendendo o amado e a coragem deste, que não foge à luta com Irapuã, que parte em busca dos pitiguaras.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

O tempo da história de O Delfim


             O narrador-escritor visitou a Gafeira pela primeira vez em outubro de 1966, data da abertura da caça, e regressou um ano volvido, na mesma altura, com o mesmo propósito: “Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Bravo, o Engenheiro.”

            Os acontecimentos da obra não seguem uma ordem linear, antes são apresentados de forma pretensamente desorganizada e deliberadamente equívoca ou multifacetada, para que o leitor não concentre a sua atenção na história do adultério e se dedique, tal como o Escritor, à análise e reflexão sobre outras mudanças que ocorreram na Gafeira.

            Neste contexto, o Tempo assume enorme relevância, desde logo porque é o responsável pela nova realidade que vai surgindo. Para o narrador, o Tempo assume várias facetas: tanto pode ser uma lagartixa, “um estilhaço sensível e vivaz debaixo daquele sono aparente”, “o tempo, o nosso tempo amesquinhado”, como uma nora a girar, a escorrer pela tarde. O Tempo é um relógio cego, um relógio de maquinismos perros. A roda vai rodando minuto a minuto, sente-se, mas não se vê. Este tempo circular, repetitivo, é tão subtil como as mudanças que traz à Gafeira.

            De facto, o tempo da narrativa é circular, contém em si o início e o fim de tudo; passado e presente tornam-se iguais ao futuro e contribuem para a construção do vivido e, sobretudo, para diluir e esbater as fronteiras entre a realidade e o imaginário. Por outro lado, o tempo condensa os acontecimentos, mas não os esclarece, antes procura passar uma mensagem subversiva, através de jogos de elipses, metáforas, repetições. Além disso, ao fundir o presente com o passado, apontando já para o futuro que se entrevê, as divagações do narrador permitem ao leitor compreender os movimentos da Gafeira e dos seus habitantes, camponeses que o mesmo tempo transformou também em operários.

            O narrador, que é solidário com os camponeses-operários e com a lagartixa, aparentemente imóvel, narra na primeira pessoa do presente do indicativo, o que indica que pertence àquele tempo e apoia a mudança: “Que é o tempo para estas mulheres? (…) E para o Regedor? (…) E para mim que sou o Sr. Escritor? Pergunto e tenho comigo a resposta num pedaço de papel que trouxe há pouco na loja do Regedor, uma licença passada por ordem dos habitantes da aldeia e não por Tomás, o Engenheiro. O tempo, o bom sentido do tempo, está nesta prova. A lagartixa sacudiu-se no seu sono de pedra.” Esta referência positiva ao tempo (“o bom sentido”) está ligado à mudança, representada pela licença de caça e em quem a passa, porque implica uma mudança profunda ao nível da própria estrutura social e económica da Gafeira. É por isso que a lagartixa se agita.

            O presente veiculado pelo narrador, a mistura entre passado e presente impede a identificação exata dos diversos momentos da história dos Palma Bravo e da Gafeira. Será particularmente difícil determinar com exatidão os acontecimentos relativos ao adultério e mesmo o relacionamento entre o narrador e os habitantes da casa da lagoa.

            Já no que concerne aos acontecimentos ligados à lagoa propriamente dita, são claros e relatados pelo Regedor, sem quaisquer omissões. Aqui o tempo foi inexorável. Trata-se de um tempo diferente, um tempo que tem de conter em si elementos condizentes com os habitantes da Gafeira, o Homo Lusitaniensis Sp., como lhe chama o narrador, um tempo que tem de ser um retrato fiel da mudança entre a modorra apática e a sociedade de consumo fielmente retratada nos blusões dos filhos dos emigrantes. O tempo na Gafeira retrata uma realidade alienada da qual a ação não é representativa, visto que peca por total falta de clareza e de movimento criativo.

            Para criar toda esta ambiência, o autor vai recorrer à narrativa ulterior, anterior, intercalada e simultânea. No que diz respeito à narrativa ulterior, ela é representada pelas recordações do Escritor, pelas citações que faz de falas de outras personagens, pelas reproduções dos seus apontamentos do ano anterior, algo que viu ou ouviu. A intercalada, por oposição, apresenta a narração que se antecipa ao acontecimento e nela se incluem tanto a mudança como o adultério. A narração intercalada respeita àquela que ocorre entre vários momentos da ação; e simultânea àquela que é feita ao mesmo tempo que acontece a ação.

            Esta anacronia reflete-se na aparente anarquia do tempo da história, que tão depressa nos transporta até ao passado, através de analepses (“volto-me antes para o Largo e, sem querer, torno à manhã do ano passado em que assisti à aparição do casal Palma Bravo depois da missa.”) , como nos antecipa o futuro, por meio de prolepses (“«A Barca do Inferno» – resumo da minha janela, pensando no triste fim que os espera.”), da Gafeira.

            Existe ainda o tempo da escrita, transposto para o presente, mas que já existia no passado. Exemplo disso são os apontamentos iniciados em 1966, aquando da primeira visita, e continuados na segunda e que, eventualmente, se misturam com a própria escrita do romance.

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