Português

quinta-feira, 1 de março de 2012

Caetano da Maia

     Pai de Afonso, Caetano da Maia é um «português antigo e fiel», um conservador.
     Fidalgo beato e religioso, antijacobino ferrenho e miguelista convicto, expulsa o filho de casa, sem mesada, no entanto as lágrimas da mulher e as razões da tia Fanny levam a desterrá-lo para Santa Olávia por causa das suas ideias políticas.

Afonso da Maia

1. Retrato atual

     a. Retrato físico
  • Afonso da Maia é um velho «mais idoso que o século». Tendo em conta que a ação se inicia em 1875, tal significa que a sua idade será superior aos 75 anos, símbolo da sua sabedoria e experiência de vida;
  • É forte, saudável e resistente aos desgostos e à passagem dos anos;
  • Um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes;
  • Tem a face larga, o nariz aquilino e a pele corada, quase vermelha;
  • Cabelo branco cortado à escovinha e longa barba branca.

     b. Retrato moral
  • Ama os seus livros, o seu whist, o conforto da sua poltrona e o seu semelhante, praticando assiduamente a caridade, o que evidencia o seu lado caridoso, generoso e solidário.

     c. Retrato social
  • Rico, graças a um conjunto de heranças que a família recebeu e que possibilitam que não tenha trabalhado um único dia da sua vida.


2. Breve história de Afonso da Maia - Grande analepse

     A analepse inicia-se em 1820, ano da Revolução Liberal, e abrange 55 anos, pois termina em 1875.

     a. Primeiro exílio (voluntário)
  • Rebelde, liberal e jacobino, segundo o pai, lê Rousseau, Volney, Helvécio e a Enciclopédia, de Tácito de Rabelais.
  • Adepto da Constituição, maçon (segundo o pai), defende valores opostos ao deste, pelo que é expulso de casa para Santa Olávia.
  • Enfastiado do campo e perdoado, Afonso regressa a Lisboa e parte, quase de seguida, rumo ao exílio voluntário em Inglaterra, onde vive confortavelmente com o dinheiro do pai, portando-se sempre como diletante e estrangeirado, indiferente à situação política portuguesa, esquecendo os seus correligionários maçónicos e de lides políticas, que, em Portugal, continuam a sua intervenção política militante e ativa contra o Absolutismo e são perseguidos por D. Miguel nos dias da Abrilada, enquanto ele assiste às corridas em Epson.
  • Este conflito entre pai e filho é, no fundo, um conflito entre duas gerações. De um lado, temos Caetano da Maia, miguelista, absolutista, conservador e beato; do outro, Afonso, liberal, revolucionário e inovador.

     b. Casamento
  • Afonso regressa a Lisboa por causa da morte súbita do pai.
  • Casa com Maria Eduarda Runa, da qual tem um filho, Pedro da Maia.
  • Faz obras em Benfica, preparando o futuro.
  • Face à Lisboa miguelista, recorda com saudades a Inglaterra e anseia por uma aristocracia tory que possa repor a ordem, o progresso e a moral.

     c. Segundo exílio (forçado)
  • Vendo o seu domicílio invadido pelos seguidores de D. Miguel, exila-se novamente em Inglaterra, onde vive rodeado de luxo.
  • Observa as desigualdades que existem entre os emigrados liberais, o que o leva a descrer do liberalismo, mas nunca se envolve ativamente no combate às mesmas.
  • Pelo contrário, estuda e admira a língua e a cultura inglesas, integrando-se com naturalidade no universo social e cultural inglês. Conserva a prática da caridade e da solidariedade.
  • Mostra-se impotente face ao fanatismo religioso e à ignorância da mulher. Procurando despertá-la desse estado de espírito, viaja para Roma e, posteriormente, regressa a Benfica. A deterioração da doença e do beatismo de Maria Runa tornam-no cada vez mais ateu e revoltado contra a pobreza espiritual do país.

     d. Suicídio de Pedro
  • Mostra-se colérico por ver o filho naquela situação humilhante, antecipando o escândalo, a desonra da família e «o seu nome pela lama»;
  • Mostra-se, por outro lado, indignado pela incapacidade de Pedro reagir «como homem» à situação, lançando-se, em vez disso, «... para um sofá, chorando miseravelmente...»;
  • Porém, a visão de Pedro mergulhado na dor lancinante reaviva-lhe toda a ternura pelo filho;
  • Sente enorme carinho e felicidade e fica embevecido quando pega no neto pela primeira vez;
  • Ao jantar, não come quase nada e deixa-se cair num estado de melancolia, centrando o seu pensamento na desgraça («... pensando em todas as coisas terríveis que assim invadiam num tropel patético a sua paz de velho...»);
  • É resgatado desse estado pela antevisão de futuras alegrias na presença do neto;
  • Após o suicídio, parte para Santa Olávia mergulhado em pesado luto, o que leva Vilaça a afirmar que «... o velho não durava um ano». No entanto, o neto dar-lhe-á a força para sobreviver à desgraça do filho e viver.

(em atualização)

Seca???


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Exame intermédio de Português - 12.º ano - Correção

Grupo I

1. O sujeito poético vive, de facto, um drama que deriva dos seguintes aspetos:
  • a sensação de incompletude, de ficar a meio do «percurso» (v. 2);
  • a incapacidade de se realizar totalmente, de atingir a plenitude (v. 1);
  • a incapacidade para viver o sonho (v. 8);
  • a consciência do falhanço pessoal.

2. No verso 15, o sujeito poético revela a sua frustração e o falhanço que caracterizou a sua existência, resultantes da incapacidade de realizar os seus sonhos, de cumprir os seus objetivos.
     No verso 16, exemplifica-se o conteúdo do verso 15, isto é, tal como a ave que se esforça e lança no ar, mas não consegue voar, também o sujeito poético desenvolveu o seu esforço no sentido de alcançar o seu sonho, os seus objetivos, mas não conseguiu «voar» também.

3. Nos dois versos iniciais da primeira estrofe, é usado o pretérito imperfeito do indicativo, enquanto, nos dois primeiros da última, é usado o pretérito mais-que-perfeito, também do modo indicativo.
     A alteração de tempo verbal traduz a falência e a desistência do sujeito poético. De facto, o pretérito imperfeito remete para um tempo em que ainda havia a possibilidade de realização do seu sonho, de atingir a plenitude. Por seu turno, o pretérito mais-que-perfeito evidencia a impossibilidade de o «eu» atingir tal desiderato. Relembre-se que este tempo verbal traduz um facto passado relativamente a outro.

4. O ritmo do poema é marcado pelos seguintes aspetos:
  • a rima (cruzada e interpolada);
  • a métrica (o verso decasssílabo;
  • a pontuação - travessão e reticências -, que assinala pausas prolongadas;
  • as repetições de vocábulos («quási»);
  • as anáforas («Um pouco» / «Um pouco»);
  • o predomínio do ritmo binário (vv. 1, 2, 3), alternando com o ternário (vv. 5, 8, 23...);
  • a enumeração (vv. 17 a 20);
  • ...


Grupo II

Versão 1                                                                          Versão 2

1.1. A                                                                                    D

1.2. D                                                                                    B

1.3. C                                                                                    A

2.1. "os efeitos espaciais da arquitetura"

2.2. Oração subordinada substantiva completiva

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O circo e os palhaços

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     Não, o árbitro não considerou penalty. Marcou falta de Pablo Aimar. Pior do que esta decisão? A de Jorge Jesus, ao retirar o mesmo Aimar e fazer entrar... Djaló.

     Hugo Miguel (o árbitro) e Jorge Jesus: dois pândegos!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Doença de TARGARDT

     Exmo(a) Senhor(a),


     Vivo nos arredores de Lisboa e sou pai de uma menina, agora com 7 anos, que é portadora da doença de TARGARDT (degeneração da mácula), o que faz com que perca a visão central, doença essa que é actualmente incurável, mesmo no estrangeiro.

     Como não é fácil obter informações a nível nacional, resta-me a Internet para adquirir um conhecimento mais profundo que me ajude a lidar com esta doença, pois mesmo em Lisboa a única ajuda que me foi facultada foi de uma associação (mais concretamente a Associação de Retinopatias de Portugal), associação essa que também padece do problema de falta de apoio, pois é uma entidade privada.

     O grande objectivo deste mail é tentar arranjar maneira de contactar pessoalmente, familiares ou amigos de pessoas que sofram da mesma ou semelhante doença, para fazer um rastreio, com um único pensamento: difundir e trocar informações acerca desta doença. POR FAVOR, divulguem este mail pelos vossos contactos e/ou se tiverem conhecimento pessoal de um caso semelhante, agradecia que me contactassem:


MUITO E MUITO OBRIGADO!
Rui Gonçalves
P.F., não ignorem a mensagem. Ler e reencaminhar não custa nada.
Obrigado.

Avaliação de desempenho docente - Esquema


Roubado ao blogue ADDUO

Consultar o esquema completo AQUI.

Reflexão do dia


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

IRS 2011

Carlos da Maia

     Carlos da Maia surge no romance a propósito da remodelação do Ramalhete, tendo sido o responsável pela escolha de um arquiteto inglês para executar a obra. Através do processo de caracterização indireta, encontramos aqui os primeiros traços definidores do caráter da personagem: o requinte, a sofisticação, o bom gosto, o diletantismo, o gosto pelo luxo e pelos ambientes sofisticados e elegantes.

     No início do cap. III, somos confrontados com a descrição da educação a que a personagem é sujeita, contrastante com a de seu pai e de Eusebiozinho e que se carateriza pelos seguintes traços:
  • rigor nos princípios, tolerância nas ideias: «O Carlos necessita ter um regime. De madrugada já está na quinta: almoça às sete e janta à uma hora.»; «... tinha sido educado com uma vara de ferro!»; «Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de água fria, às vezes a gear lá fora (...). E depois o rigor com as comidas! Só a certas horas e de certas coisas...»;
  • rigor, método, ordem, disciplina;
  • contacto com a Natureza;
  • exercício físico: ginástica, ar livre, remo, trapézio;
  • aprendizagem de línguas vivas: inglês;
  • aprendizagem de coisas práticas e das ciências experimentais: «... saber o que é a chuva que o molha, como se faz o pão que come...»; «A instrução (...) É saber factos, noções, coisas úteis, coisas práticas...»;
  • educação agnóstica: «E Vilaça, que tinha crenças religiosas, não gostou de ver Carlos, sem se importar com as graças...»; «... e pediu-lhe que lhe disse o Ato de Contrição. E que respondeu o menino? Que nunca em tal ouvira falar!»; «... não soubesse a sua doutrina.»;
  • valorização da criatividade e do juízo crítico: «Eu quero que o rapaz seja virtuoso por amor da virtude e honrado por amor da honra; mas não por medo às caldeiras de Pêro Botelho, nem com o engodo de ir para o Reino do Céu...» - esta noção contrasta com a conceção que a avó e o pai de carlos tinham da religião e da forma de agir, isto é, estamos perante o contraste entre a ideia de agir por acreditar que é a forma correta de o fazer e o agir por medo (de um castigo divino, por exemplo);
  • submissão da vontade ao dever;
  • convivência com as crianças da aldeia.
     E assim, na esteira do equilíbrio clássico, se procurava construir uma alma são num corpo são.

     O capítulo IV começa pela informação acerca da iminente formatura de Carlos em Medicina, logo seguida de uma analepse que retrospetiva as circunstâncias do despertar da sua vocação. Essa analepse sugere uma fuga de Eça às diretrizes naturalistas em termos de caraterização de personagens. De facto, com Carlos da Maia «não dispomos (...) de um retrato integral debruçado sobre as suas facetas psicológicas, sociais e morais; do mesmo modo, o narrador não adota (como fez com Pedro) uma atitude de transcendência que lhe permite dissecar exaustivamente e num fragmento concentrado do discurso a influência do meio sobre a personagem, o programa educativo a que é submetido, etc.». Assim, a vocação de Carlos para a Medicina não é explicada pelo narrador em função de uma qualquer causa hereditária ou ambiencial; ela percebe-se quando nos é revelada a sua súbita atração pelas estampas anatómicas descobertas no sótão.
     Observemos, esquematicamente, o conteúdo da analepse:
  • em criança:
  • a descoberta de um rolo antigo de estampas anatómicas;
  • os recortes das mesmas  a sua afixação nas paredes do quarto;
  • o escandalizar das Silveiras com a imagem de um feto;
  • o apoio de Afonso («Se escolhe uma profissão é para a exercer com sinceridade e com ambição, como os outros. Eu não o educo para vadio, muito menos para amador; educo-o para ser útil ao seu país...»;
  • em Coimbra, no Liceu, Carlos abandona os compêndios de lógica e retórica e troca-os pela anatomia;
  • em Santa Olávia, faz diagnósticos aos criados doentes;
  • em Coimbra, na Universidade, Carlos revela-se um estudante brioso e entusiasta, embora com tendência para o diletantismo.
     Em Coimbra, já estudante universitário, Carlos mantém o entusiasmo inicial e a atração pela Medicina, pela «vida "a sério", prática e útil» («atraíam-no agora estes lados militantes e heróicos da ciência.»). No entanto, aos poucos outras ocupações vão-no «distraindo» dos seus deveres enquanto estudante. Leva uma vida de luxo, torna-se leitor de Proudhon, Comte, Spencer (autores que marcaram a Geração de 70), considera o país uma «choldra ignóbil», factos que lhe granjeiam a simpatia dos «mais rígidos revolucionários». Relaciona-se, entretanto, com dândis e filósofos, fidalgotes e revolucionários; faz ginástica científica, esgrima e whist sério. Nos serões que patrocina, lê-se o Figaro, o Times e as revistas de Paris e Londres, toca-se ao piano Chopin e Mozart; «... havia ruidosos e ardentes cavacos» em que amigos de diferentes tendências discutiam Arte, Literatura, Democracia, o Positivismo, o Realismo, Metafísica.
     Revela, pois, Carlos os primeiros traços de diletantismo e dandismo. Repare-se: o interesse pela medicina esmorece («... não tardou a deixar pelas mesas, com as folhas intactas, os seus expositores de medicina.»); interessa-se por diferentes formas de arte: publica sonetos no «Instituto» e um artigo sobre o Parténon, tentou a pintura a óleo, «compôs contos arqueológicos», anda a cavalo; a iminência de uma reprovação fá-lo moderar os hábitos de dispersão cultural; vive duas aventuras sentimentais, uma com Hermengarda, a mulher de um empregado do Governo Civil (que abandona por sentir compaixão do marido e do filho), e outra com uma prostituta espanhola, a quem monta casa.



Em atualização...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Ramalhete

     Logo nas páginas inicias do romance, o narrador procede a uma descrição pormenorizada do Ramalhete. Essa descrição, de acordo com a estética naturalista, tem um objetivo bem definido: permitir o enquadramento das personagens e a definição dos carateres, enquanto espaço de convergência e harmonia entre o ambiente e os seus anfitriões e frequentadores habituais.
     Na atualidade (outono de 1875), o Ramalhete, situado na Rua de São Francisco, às Janelas Verdes, é a residência da família Maia em Lisboa. O seu nome tivera origem num painel de azulejos representando um ramo de girassóis e substituindo o escudo heráldico da família. Atente-se, desde já, no simbolismo destas referências. Por um lado, o nome da habitação evidencia a ligação da família à terra e à província. Por outro lado, o emblema (o ramo de girassóis) associa-se ao simbolismo do girassol, planta que representa a atitude daquele que ama e que se vira continuamente para contemplar o seu amado e a incapacidade de dominar a paixão. No entanto, esta atitude de submissão e de fidelidade com o ser amado associa (o girassol) à incapacidade de ultrapassar a paixão amorosa e a eventual não correspondência da pessoa amada. Aplicando estas ideias à relação de Pedro da Maia e Maria Monforte, constatamos que aquele assume uma postura de absoluta fidelidade e submissão relativamente ao objeto do seu amor, o que o torna incapaz de enfrentar e prosseguir a vida após a traição e fuga da mulher, optando pelo suicídio. É como se tivesse perdido a vontade própria e se tivesse tornado num duplo dela, sem cuja presença se sente incompleto, incapaz de reagir à perda e de viver. Algo de semelhante parece acontecer com seus filhos. Com efeito, no início, após a primeira visão fugaz de Maria Eduarda, Carlos parece viver apenas para a (voltar a) olhar e contemplar. Após a consumação da paixão, ambos a vivem inebriados e eufóricos até ao seu desenlace, ou seja, até ao momento em que ele, tardiamente, revela a sua repulsa por aquela relação incestuosa e decide afastar-se da irmã.

     No início, o Ramalhete é descrito de forma disfórica: «sombrio casarão de paredes severas», «com um renque de estreitas varandas de ferro», «uma tímida fila de janelinhas», «o aspeto tristonho de residência eclesiástica». Ora, o vocabulário utilizado conota-o com o fechamento, o isolamento e a tristeza, a que se acrescentam as aproximações aos espaços religiosos, que, por um lado, evidenciam a importância e a influência do clero e da mentalidade clerical no passado da família e, por extensão metafórica, em Portugal, e, por outro, reenviam também para a ideia de clausura e pressão. Desabitado durante largos anos, ganhara tons de degradação e ruína; no entanto, o seu interior manifesta o bom gosto, o requinte e a riqueza da família: «disposição apalaçada», «tetos apainelados», «paredes cobertas de 'frescos'», etc. Note-se que a sua arquitetura evoca o último reinado absolutista, o de D. Maria I. Além disso, é de registar a referência de Vilaça à crença/lenda funesta, segundo a qual «eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete.», o que constitui o primeiro indício trágico da obra.

     Subitamente, Afonso decide retornar ao Ramalhete, sacrificando-se pelo neto, Carlos, que, culto, viajado e «com propósitos de trabalho», não gostaria de se «enterrar» na aldeia, decisão em que sofre a oposição de Vilaça, que argumenta com a necessidade de muitas obras e despesas, a falta de um jardim e a lenda funesta. E assim se inicia o seu restauro. Inicialmente, fica encarregado das obras Esteves, «arquiteto, político e compadre de Vilaça», de cuja ação se destaca o aparato grosseiro dos ornatos, que acaba substituído por um «arquiteto londrino» trazido por Carlos, que introduz na residência o conforto, o «luxo inteligente», o bom gosto, a sobriedade e a elegância (traços do protagonista) e que contrastam com a vulgaridade e a ostentação tão apreciadas pela sociedade lisboeta (representada, ironicamente, pelo dito Esteves, entretanto promovido a governador civil). E, assim, o espaço é transformado de acordo com o gosto europeu: introduzindo inovações nos hábitos portugueses (sala de música, bilhar, fumoir), em analogia com os intuitos de renovação da mentalidade portuguesa, empreendidos pela Geração de 70 (característica comum a Eça e a Carlos da Maia).
     Vejamos, em pormenor, a reformulação operada no interior da casa. Desde logo destaca-se o pátio de mármore quadrilhado e com plantas e vasos decorativos e bancos de talha; segue-se a antecâmara com estofos do Oriente, divãs cobertos de tapetes persas e largos pratos mouriscos de cobre; o amplo corredor transformado em rica galeria com arcas góticas, jarrões da Índia, quadros devotos para onde abriam várias salas do Ramalhete - o salão nobre, a sala de música com o seu ar rico de século XVIII, o bilhar defronte, o fumoir, a sala mais cómoda com a fofa vastidão das otomanas. No escritório de Afonso, destacam-se os damascos vermelhos, a mesa de pau-preto, as estantes, as encadernações luxuosas, um quadro de Rubens representando um Cristo na cruz (presságio de tragédia: Jesus morreu para expiar os pecados dos homens <-> Afonso morre por causa dos pecados do neto), o biombo japonês bordado a ouro, a pele de urso e uma venerável cadeira de braços «cuja tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda» (novo indício trágico). Os quartos de Afonso , no segundo andar, dão para o corredor guarnecido com os retratos da família, enquanto os de Carlos merecem a apreciação de Vilaça de «aposentos não de médico mas de dançarina», pelo seu luxo e requinte. Não obstante a modernização do espaço, note-se que a imagem do passado perdura na «fachada tristonha».
     Esta descrição representa, simbolicamente, uma nova oportunidade de modernização ou reforma da habitação (metaforicamente, do país) para uma nova etapa de ressurgimento e abertura; o reflexo do ideal reformista da geração de Carlos; um reflexo da reforma e europeização do país; o dandismo, o gosto pelo luxo, o dandismo e a formação britânica de Carlos. Por outro lado, é clara a intenção crítica de Eça de Queirós: por um lado, critica a importação de modelos estrangeiros e, por outro, caricaturalmente, a mentalidade portuguesa, caracterizada pelo seu atraso, incultura, megalomania e compadrio (o episódio da escolha de Esteves por ser compadre de Vilaça).

     Ao longo do romance, o Ramalhete constitui um marco de referência e acompanha o percurso da família. Símbolo desse percurso é o quintal / jardim, que é apresentado em três momentos diferentes, coincidentes com três momentos vividos pelos Maias.
     Num primeiro momento (cap. I, pág. 6), o jardim tem um aspeto de abandono, degradação, ruína e morte (pobre, inculto e abandonado, cheio de ervas bravas, a cascatazinha seca, o tanque cheio de entulho e a estátua de Vénus enferrujada), que se poderá associar ao desgosto e sofrimento de Afonso, resultantes do suicídio de Pedro (relembre-se o estado da estátua de Vénus, deusa do amor). Sobressaem, nesta primeira descrição, a estátua, «enegrecendo a um canto», sugerindo a indiferença pela estética clássica, repudiada pelo Romantismo, o cipreste, símbolo da imortalidade, e o cedro, símbolo da nobreza e da força, que permanecem eretos, contrariando o abandono e a decadência a que fora votado o Ramalhete.
     Num segundo momento (cap. I, pág. 10), o jardim fica irreconhecível, após as obras de remodelação do Ramalhete. De facto, a estátua reaparece em todo o seu esplendor, simbolizando a ressurreição da família para uma vida feliz e harmónica. Atente-se na sua ligação às personagens femininas do romance: Maria Monforte surge quase sempre como uma estátua, de face «grave e pura como um mármore grego», enquanto Maria Eduarda é apresentada como uma deusa pisando a terra. Porém, após o incesto e o desenlace trágico, a estátua cobre-se de ferrugem. Por seu turno, a cascata, símbolo de regeneração e purificação na tradição judaico-cristã, surge associada ao choro («... esfiado gota a gota na bacia de mármore...»), numa imagem marcada pela água que flui gota a gota, marcando a passagem inexorável do tempo e acentuando, melancolicamente, o destino inexorável da família, condenada ao desaparecimento após um breve momento de ilusão. No entanto, até neste momento se encontram notas dissonantes. Por um lado, o encanto que Afonso encontra no terraço é perturbado pelos prédios de cinco andares que lhe cortam a visão e os horizontes vastos e lhe permitem apenas vislumbrar pormenores que lobriga por entre as filas das ruas. Por outro lado, a tela marinha» que a referida personagem avista de sua casa parece refletir algum desencanto e pessimismo: o movimento dos barcos acentua, por contraste, a quietação e tristeza do moinho e das raras casas, como imagem do isolamento e estagnação da vida portuguesa: «durante dias... o vulto negro de um couraçado inglês» evoca as crises do Constitucionalismo e a dependência do poder da Inglaterra.
     Num terceiro momento




Em atualização...

Subtítulo: «Episódios da Vida Romântica»

     O subtítulo de Os Maias aponta para uma descrição / pintura de um estilo de vida - o romântico (daí a designação de «Vida Romântica» -, feita através da crónica de costumes da alta sociedade lisboeta da década de 70 do século XIX, sobretudo da aristocracia e da alta burguesia.
     Estamos perante uma visão fortemente crítica e uma sátira social que revela os defeitos sociais que impedem o progresso e a renovação das mentalidades e, por extensão, do país.
     A crónica de costumes é concretizada a partir da sátira, da crítica, da ironia, das personagens-tipo e da descrição de ambientes - os episódios - e constitui uma ação aberta:

Manual Página Seguinte (p. 235)

     Por outro lado, note-se que os dois níveis narrativos - a história da família Maia e a crónica de costumes - se articulam, funcionando os ambientes descritos como pano de fundo para a atuação de algumas das personagens da intriga principal que, pelo seu caráter, comportamento e postura, se destacam da mediocridade geral que pauta a sociedade portuguesa:

Elisa Valério, Para uma leitura de Os Maias de Eça de Queirós


Em atualização...
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