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sábado, 16 de maio de 2020

Análise do poema "Green God", de Eugénio de Andrade

Título

O título do poema surge em inglês. O adjetivo “green” remete para a cor que predomina na natureza – o verde –, a qual nos remete também para questões ambientais.

O nome “God” associa a figura descrita no poema a um “deus”, que, no entanto, possui traços humanos: o corpo (v. 3), os passos (v. 8), os braços (v. 9) e o sorriso (v. 11).

 

Análise do poema

1.ª estrofe

• O corpo do “Green God” é associado, nos dois primeiros versos, à graciosidade das fontes e, nos versos 3 a 5, é comparado a um rio e à sua serenidade.

• As fontes simbolizam a água viva e a pureza, sendo, por isso, símbolo de vida.

• O rio simboliza o movimento, a passagem, a fertilidade, a renovação, a juventude.

• Deste modo, o retrato que a primeira estrofe nos permite traçar do Green God é caracterizado pela graciosidade, pela serenidade, pela juventude e pela vitalidade, em comunhão com a natureza.

2.ª estrofe

• A segunda estrofe abre com nova comparação: “Andava como quem passa / sem ter tempo de parar” (vv. 6-7).

• De seguida, é descrito o processo de vegetalização do corpo: o “deus” vai-se metamorfoseando e fundindo com a natureza, que, por sua vez, se vai transformando à medida que ele passa:

‑ ervas nascem dos seus passos;

‑ troncos crescem dos seus braços;

‑ transforma-se numa flor ao vento, que se vai desfolhando ao dançar (vv. 12-13).

• É um deus, portanto, criador de vida.

3.ª estrofe:

• Esta estrofe inicia-se com nova comparação: o “deus” sorria como quem dança. 

• O vocabulário predominante na estrofe pertence ao campo da dança e realça a vitalidade, a graciosidade e a alegria do corpo, dançando e tremendo ao ritmo da música.

 

Retrato do Green God

▪ É um deus vivo e criador: os seus passos criam ervas e o seu corpo cria troncos.

▪ É um deus que sorri e dança quando passa, criando uma atmosfera de encantamento.

▪ É um deus que se vegetaliza, que transforma e se funde com a natureza. O processo de vegetalização do seu corpo atesta o seu caráter telúrico.

▪ É um deus associado às artes, nomeadamente à poesia, à dança e à música.

 

A tradição literária e a contemporaneidade no poema

▪ O tema da natureza está presente na literatura portuguesa desde a Poesia Trovadoresca, passando pelos clássicos renascentistas, até à contemporaneidade.

▪ O mesmo sucede com a temática do bucolismo, presente na imagem da flauta.

▪ O uso do verso heptassílabo está presente na literatura nacional desde o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, e dos clássicos renascentistas.

▪ A modernidade/contemporaneidade deste poema reside na abordagem ecológica da temática da natureza.

Análise de "Quando em silêncio passas entre as folhas"

O sujeito poético dirige-se a um «tu» que passa, silenciosamente, na natureza.

Essa natureza relembra, de certa forma, o «locus amoenus» clássico: as folhas, a ave, as espigas e as fontes são os elementos que a representam.

O «tu» tem um grande impacto e enormes efeitos na natureza:

faz renascer as aves;

as espigas, maduras, tremem;

as fontes param, contemplando-lhe a face.

Em suma, ele provoca alegria na natureza e é detentor de um poder divino, o de dar vida: ele traz da morte as aves.

O sujeito poético mostra-se fascinado com esses efeitos que o «tu» tem na natureza.

Ainda que curto, o texto é bastante rico em matéria de recursos expressivos:

▪ a personificação da natureza (“comedidas / param as fontes”);

▪ metáfora:

. “tremem maduras todas as espigas”;

. “param as fontes a beber-te a face”;

comparação: “como se o próprio dia as inclinasse”.

Estes recursos enfatizam a humanização da natureza e os efeitos nela provocados pela passagem do ser descrito.

O poema é constituído por uma única estrofe, de 7 versos (sétima), todos eles brancos ou soltos e de rima cruzada, de acordo com o esquema rimático ABCDEDE.

Análise de "Agora as palavras", de Eugénio de Andrade

Ao longo do poema, opõe-se dois tempos: o presente (“agora” – v. 1) e o passado.

Com a passagem do tempo, a relação do sujeito poético com as palavras alterou-se e, no presente, é caracterizada pelo seguinte:

» passou a sentir mais dificuldade em dominar as palavras (“não fazem / caso do que lhes digo” – vv. 3-4), que o ignoram;

» as palavras começaram a resmungar (“A propósito / de nada resmungam” – vv. 2-3);

» as palavras não lhe obedecem (vv. 1-2) ou obedecem-lhe muito menos;

» as palavras desrespeitam-no, desrespeitam a sua idade (“não respeitam a minha idade.” – v. 5);

» as palavras são “ariscas” e escapam-se-lhe “por entre / as mãos” (vv. 16-17);

» as palavras mostram-lhe os dentes, como forma de protesto (verso 17).

A referência à idade do «eu» lírico no verso 5, associada aos dois versos finais, significa que, com a passagem do tempo, aquele reconhece que a sua relação com as palavras se alterou e parece não ter a certeza acerca de quem é responsável por essa mudança. De facto, embora ao longo do texto lhas pareça atribuir, a interrogação desses dois últimos versos parece indiciar que não tem a certeza disso.

Ao longo do poema, predomina a personificação das palavras, a quem são associados atributos humanos e que parecem ter vida própria. Sobretudo no presente, mostram-se independentes, sentem, reagem e lutam com o sujeito poético.

Por outro lado, é-lhes associado um caráter metafórico, ao serem associadas a animais: elas são desobedientes, arreganham os dentes (como um cão, por exemplo), eram controladas pela rédea (como um cavalo) do sujeito poético. Todos estes recursos, incluindo a personificação, contribuem para dar vida às palavras e sugerir que o ofício de ser poeta é bastante exigente.

Os versos 6 a 9 permitem-nos compreender perfecionismo e o processo de criação artística sustentado pelo «eu»: é um processo meticuloso e rigoroso – ele trabalha as palavras com rigor (“mão rigorosa” – v. 8), caracterizado também por um controlo absoluto delas (daí o uso do nome «rédeas») e pela recusa dos artifícios (“a indiferença pelo fogo de artifício.”).

Pelo contrário, no passado, as palavras gostavam do sujeito lírico (“e elas durante muitos anos / também gostaram de mim” – vv. 11-12), eram obedientes, causavam-lhe alegria e entre ambos havia uma relação harmoniosa (“dançavam / à minha roda quando as encontrava.” – vv. 12-13). Esta relação passada entre o «eu» e as palavras é explicitada a partir dos dois pontos.

A metáfora do verso 14 (“Com elas fazia o meu lume”) estabelece uma associação entre palavra, poesia e vida. O lume, o fogo, equivale a vida.

A interrogação final, como já foi referido, aponta para uma explicação alternativa para a mudança operada nas palavras: talvez tenho sido, afinal, o sujeito poético quem mudou, visto que passou a procurar as palavras mais difíceis (“Ou será que / já só procuro as mais encabritadas?” – vv. 18-19).

Ao longo do texto, o sujeito poético enuncia as possíveis causas para esta alteração de comportamento das palavras. Em síntese:

1.ª) o envelhecimento do sujeito poético (“não respeitam a minha idade” – v. 5);

2.ª) o sujeito poético não sabe escolher as palavras mais apropriadas (vv. 18-19);

3.ª) as palavras cansaram-se do controlo excessivo por parte do sujeito poético (“Provavelmente fartaram-se da rédea” – v. 6).

 

Intertextualidade

Se relacionarmos este poema com outros de Eugénio de Andrade, como, por exemplo, “As palavras”, verificamos que, neste último, as palavras se deixavam dominar e controlar pelo poeta, ao contrário do presente, em que se mostram rebeldes, esquivas e indomáveis.

 

Processo de criação artística

O sujeito poético relaciona-se de modo quase conflituoso com a sua poesia, em decorrência da tensão que existe entre a sua vontade de trabalhar as palavras e a incapacidade de o fazer, como confessa nos versos 16 e 17.

Por outro lado, declara todo o rigor, perfecionismo e recusa do “fogo de artifício” com que encara o processo de criação poética.

Análise do poema "Amoras", de Eugénio de Andrade

Neste poema, o sujeito poético começa por associar o seu país a algo positivo – as amoras bravas no verão: ambos têm o mesmo sabor.

De seguida, nos versos 3 e 4, através da personificação, identifica alguns traços negativos do país: a simplicidade e a pequenez (“não é grande” – v. 3), a falta de inteligência (“nem inteligente” – v. 4). Estamos, portanto, perante um país pequeno, fechado (v. 10), pouco inteligente e feio.

A conjunção coordenativa (“mas” – v. 5) introduz uma outra visão do seu país, novamente positiva, como no início do texto: é doce e alegre, mesmo em circunstâncias difíceis, ideia presente na referência às silvas (v. 6), uma planta selvagem que causador e sofrimento quando nelas nos picamos.

No verso 7, o sujeito poético declara que raramente falou no seu país e assinala uma possível (advérbio “talvez”) razão que está na base desse facto: a falta de afeto por ele (“nem goste dele” – v. 8), a juntar aos defeitos apontados anteriormente: a ausência de dimensão, de inteligência e elegância.

O verso 10 associa ao país do sujeito poético um outro traço negativo: o fechamento, o isolamento, a falta de horizontes e liberdade, como se pode inferir da referência a “os seus muros”.

No entanto, a oferta de amoras bravas por parte de um amigo faz com que o sujeito poético ganhe consciência de que o seu país é humilde e alegre, de certa forma, o que o faz libertar-se temporariamente da contrariedade que constituem os “seus muros”, que limitam os horizontes. Nesse momento de generosidade e amizade, os muros parecem-lhe brancos (paz, pureza) e apercebe-se de que o céu é, ali, também azul, ou seja, também ali é possível ter uma existência feliz.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Análise do capítulo I de Os Maias

Localização espacial de temporal da ação
Espaço: Ramalhete, em Lisboa.
Tempo: outono de 1875.

1. Descrição do Ramalhete

1.1. Objetivo da descrição: permitir, à maneira naturalista, um melhor enquadramento das personagens e definição dos carateres, como espaço de convergência e harmonia entre o ambiente e seus anfitriões e frequentadores.

1.2. Descrição do Ramalhete (espaço histórico-familiar) – presente:

▪ é a residência da família Maia, em Lisboa;

▪ situa-se na Rua de S. Francisco, às Janelas Verdes;

▪ é um “sombrio casarão de paredes severas”;

▪ tem “um renque de estreitas varandas de ferro”;

▪ possui também “uma tímida fila de janelinhas”;

▪ “tinha o aspeto tristonho de residência eclesiástica”;

▪ estivera desabitado durante longos anos, pelo que ganhara tons de ruína;

▪ é um edifício de “gravidade clerical”;

interior:

- “disposição apalaçada”;

- “tetos apainelados”;

- “paredes cobertas de frescos”.

 
1.3. Origem do nome Ramalhete: um painel de azulejos representando um ramo de girassóis, substituindo o escudo heráldico da família.
 
1.4. Descrição do quintal do Ramalhete:
▪ pobre, inculto e abandonado;
▪ cheio de ervas bravas;
▪ elementos que nele existem: um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque cheio de entulho e uma estátua de Vénus Citereia enegrecendo a um canto por causa da humidade.
 

sábado, 9 de maio de 2020

Análise do poema "A sílaba", de Eugénio de Andrade

Assunto: o sujeito poético encara o ato de escrever poesia, por mais ínfimo que seja, como essencial à vida do poeta.

 

Título

O título sugere que a poesia está presente em tudo na nossa vida, desde a realidade mais simples e ínfima, como, por exemplo, a sílaba.

 

Análise

▪ O sujeito poético abre o poema, afirmando que passou toda a manhã à procura de uma sílaba. Esta referência sugere que o ato de escrever poesia é um processo demorado, paciente e pormenorizado: a procura ocupa uma manhã inteira, sendo feita, portanto, de forma lenta e cuidadosa. Em suma, a escrita poética é um processo lento/moroso, aturado e demorado. Repare-se, aliás, na relação que se pode estabelecer desde já desta composição com o título da obra de que faz parte: Ofício de Paciência.

▪ A criação poética é um ato de conquista de cada palavra e é exemplificado através da busca da sílaba perfeita ao longo de uma manhã. Essa sílaba é entendida como fundamental, crucial (“faz-me falta. Só eu sei / a falta que me faz.”).

▪ A conjunção coordenativa adversativa («mas») estabelece uma relação de contraste com os três primeiros versos: o sujeito poético mostra que tem consciência («é certo») da aparente «insignificância» da sílaba (“É pouca coisa”, “quase nada”), mas ela faz-lhe falta, é crucial para que o poema esteja depurado (“Mas faz-me falta.” – v. 4). Por outro lado, isto mostra a insatisfação do sujeito poético; além disso, o processo de criação poética, laborioso como é, está atento ao mais elementar constituinte da palavra: “uma vogal, / uma consoante”.

▪ O verso 6 reafirma, ou confirma, que o ato de escrever poesia é “um processo aturado de atenção, pormenor e rigor” (CAMEIRA, Célia et alii, Mensagens): “Por isso a procurei com obstinação.”.

▪ Essa procura obstinada da sílaba é mais facilmente entendida se a relacionarmos com as referências às estações do ano: a sílaba que irá formar a palavra que irá constituir o poema será o princípio do processo de criação de um produto artístico que permanecerá para além do “frio de janeiro” ou da “estiagem / do verão”, isto é, que permanecerá no tempo.

▪ De facto, o verso 7 apresenta a poesia como uma forma de defesa “do frio de janeiro, da estiagem / do verão”, ou seja, da passagem do tempo. Esta referência às estações do ano constitui então uma metáfora precisamente da passagem do tempo e da efemeridade da vida.

▪ Assim sendo, esta sílaba representa a «salvação» do sujeito poético face à voragem do tempo. Para se defender dela, ele necessita de encontra a sílaba certa (“Uma sílaba. / Uma única sílaba.” – vv. 9-10), ou seja, o poema (sinédoque). O poema / a poesia é a forma que o “eu” lírico encontrou para sobreviver à passagem do tempo.

▪ A sílaba representa a construção do poema, que implica uma busca constante da palavra exata, que conduzirá ao poema «perfeito». Não é uma palavra qualquer que serve para um determinado poema; as palavras combinam-se, nos versos, pelos seus sentidos, sons, etc. Como refere Alberto Caeiro no poema XXXVI, o poeta que é artista põe verso sobre verso, como quem constrói um muro, vê se está bem e tira se não está.

▪ O que está aqui em causa é a busca incessante do sujeito poético pela palavra, pelo verso, em suma, pela poesia que o salvará. A arte poética, um dos temas poéticos preferidos de Eugénio de Andrade, constitui, neste poema, uma reflexão sobre a própria composição poética (aquilo que se costuma designar metapoesia, ou seja, a poesia sobre a própria poesia), na qual o «eu» procura essa «sílaba» que lhe falta.

 

Conceção de arte poética

A poesia é encarada como uma salvação essencial à vida do poeta, uma defesa contra a passagem do tempo, bem como uma vida para a redenção, um instrumento na busca pela perfeição.

Por outro lado, o processo de criação poética é uma tarefa aturada, obstinada, laboriosa e de difícil execução.

 

Estrutura formal

Estrofe: uma décima.

Versilibrismo: o poema é constituído por um número diferente de sílabas métricas.

Rima: ausência de um esquema rimático definido.

 

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Origem e significado de OK

     A propósito do ensino à distância, vários alunos têm respondido às instrução que lhes são dadas com um sempre estimulante e delicado OK.
     Sucede, porém, que há sempre quem queira inovar e um ou outro surpreende-nos com variações, como, por exemplo, okk.
     Ora bem, de acordo com Allan Metcalf, professor de Inglês no MacMurray College, a expressão OK surgiu pela primeira vez no jornal The Boston Morning Post, entretanto extinto, em 1839. Sucede que o periódico tinha como característica o uso de abreviações (por exemplo, gt era usada para significar "gone to Texas"). Neste contexto, o OK surgiu como uma abreviatura da expressão "oll korrekt", que derivava de "all correct", com o significado de «tudo certo».
     A expressão ganhou popularidade por volta de 1840, quando os apoiantes de Martin Van Buren, candidato à presidência dos EUA e natural da cidade de Kinderhook, sustentaram que OK! se referia a "Old Kinderhook", isto é, a "Velha Kinderhook".
     Atualmente, esta abreviatura é usada a torto e a direito com o sentido de aprovação e de afirmação.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Análise do poema "Sísifo", de Miguel Torga

Mito de Sísifo

Sísifo era filho de Éolo e rei da Tessália. Além disso, era o fundador da cidade de Éfira, mais tarde chamada Corinto, bem como dos jogos de Ístmia, os designados jogos Ístmicos. Era considerado uma pessoa muito habilidosa e o mais esperto dos homens, razão por que se dizia que era pai de Ulisses.
Certo dia, Sísifo avistou Zeus a raptar Egina, filha de Asopo, deus dos rios. Quando este o interrogou sobre o paradeiro da jovem, Sísifo não hesitou e denunciou Zeus, em troca de uma fonte de água para a sua cidade.
Como castigo, o pai dos deuses ordenou a Tanatos, o deus da morte, que o levasse para o reino dos mortos. No entanto, Sísifo, graças à sua astúcia, enganou e prendeu Tanatos. A prisão da divindade impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino das Trevas, por isso foi necessário que Ares o libertasse. Então Sísifo, para escapar de novo à morte, engendrou novo ardil: instruiu a mulher que não lhe prestasse exéquias fúnebres, que não o sepultasse.
Quando chegou ao mundo dos mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, da negligência da esposa e pediu-lhe que o deixasse regressar ao mundo dos vivos, apenas por um curto período de tempo, para a castigar.
Porém, assim que se viu novamente à superfície, Sísifo recusou regressar ao mundo dos mortos. Pela sua falta de respeito em relação aos deuses, Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu castigá-lo pessoalmente: Sísifo foi condenado, no reino dos mortos, a empurrar eternamente uma rocha até ao cimo de uma montanha. Uma vez atingido o cume do monte, a pedra caía invariavelmente e regressava ao ponto inicial. Este processo seria sempre repetido até à eternidade.


Tema

O tema do poema é a luta permanente e persistente do homem para alcançar os seus objetivos, não se contentando com menos que o todo, o absoluto: “De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10).


Estrutura interna

1.ª parte (1.ª estrofe) – O sujeito poético aconselha ou incentiva o ser humano a não desistir e a ser ambicioso, dando como exemplo uma caminhada.

2.ª parte (2.ª estrofe) – O sujeito poético defende que o ser humano deve ser persistente na realização dos seus sonhos.

* * * * * * * * * *

1.ª parte

O sujeito poético aconselha o «tu» a recomeçar o percurso de vida a cada momento, de forma tranquila e persistente, ainda que o caminho seja difícil: “Nesse caminho duro”.

O «eu» usa o verbo «recomeçar» no modo imperativo (e não o verbo «começar»), visto que não se está a referir ao início de um percurso, mas a relembrar ao «tu» a necessidade de recomeçar em cada momento.

O modo imperativo tem um valor de exortação e incitamento do «eu», dirigido ao «tu».

As reticências traduzem uma ideia de continuidade, reforçando o valor do prefixo «re» da forma verbal «recomeçar»: a tarefa já foi executada anteriormente, ou seja, é necessário fazer um caminho que já se percorreu, tendo consciência de que tudo tem de se reconstruir e refazer. É necessário recomeçar repetidamente.

O «eu» lírico aconselha que a tarefa seja encarada com tranquilidade e vagar: “Se puderes, / Sem angústia e sem pressa.” – vv. 2-3.

Ele alerta o «tu» para a dificuldade do caminho (“Nesse caminho duro”), mas procura suavizar a ideia através de uma atitude mais otimista, que valoriza o esforço empreendido: a pessoa a quem o «eu» se dirige é incentivada a assumir-se como senhor(a) do seu destino e a usufruir das sucessivas oportunidades que a vida lhe oferece na busca de realização, trilhando o seu caminho de forma autónoma: “os passos que deres / […] Dá-os em liberdade”. O recomeço deve ser feito sempre em liberdade, isto é, de forma autónoma, por livre escolha.

O «tu» deve ser também perseverante (“Enquanto não alcances / Não descanses” – vv. 8-9), inconformado e exigente (“De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10). A metáfora presente neste último verso realça a importância de lutar até ao fim pela concretização dos seus sonhos, não os deixando pela metade.

As formas verbais no presente do conjuntivo («alcances», «descanses», «queiras») traduzem os conselhos do sujeito poético relativos ao valor da persistência e do esforço na construção do projeto futuro.

As consoantes sibilantes e os veros curtos do início do poema conferem-lhe um ritmo lento, o qual se adequa à serenidade que o sujeito poético defende (v. 3).

2.ª parte

O pomar está cheio de frutos que, mesmo depois de alcançados e degustados na totalidade, deixarão na boca do Homem um sabor a falsidade.

O sonho é aquilo que fez a humanidade avançar, pois obriga o ser humano a lutar pela sua concretização: “Sempre a sonhar.” (v. 14),

É possível associar estes versos a outra figura da mitologia: Tântalo. O seu castigo consistia na perpétua tentativa frustrada de alcançar os frutos que saciariam a sua fome. Assim se justifica que o sujeito poético aconselhe a ir “colhendo / Ilusões sucessivas no pomar”. São os frutos que, se não são proibidos, pelo menos são apetecíveis. Porém, não são totalmente satisfatórios: por mais que desfrutemos deles, nenhum «fruto» se exime da sua falsidade. Daí que o sujeito poético / ser humano “nunca [fique] saciado”.

A realidade (“Acordado” – v. 16) é conotada tanto com a concretização, como com o malogro dos sonhos, ideia sustentada na presença do nome «logro», que tanto pode significar «concretização de algo» como «engano».

No verso 18, o sujeito lírico dirige novo apelo ao «tu»: que se recorde de que a sua condição de ser humano lhe confere a responsabilidade de ter uma existência digna, isto é, uma vida na qual não se resigne à mediocridade e em que lute pelos seus ideais.

Os versos 19 e 20 concretizam a oposição entre o sonho e a realidade. A loucura associa-se ao sonho, na medida em que este se relaciona com a capacidade de perseguir algo que parece irreal. No entanto, é a aptidão de assumir esta loucura com «lucidez», isto é, com noção concreta da realidade, que permite ao Homem realizar um percurso em direção à concretização dos sonhos, em virtude do qual lhe será possível construir-se a si próprio e, portanto, “reconhe[cer-se]. (adaptado de Entre Nós e as Palavras 12, Alexandre Pinto e Patrícia Nunes, Santillana).

O Homem é um ser lúcido («Acordado», «lucidez») e a sua condição enquanto tal obriga-o a cair e a levantar-se, a ser derrotado e a lutar de novo, sempre consciente dos seus atos.

Em suma, nos três versos finais, ressalta a ideia de que o ser humano não pode esquecer a sua condição humana e que a loucura – isto é, o sonho – só é verdadeiramente seu quando é ele próprio a controlá-lo.


Título

▪ No mito grego, Sísifo é condenado a realizar eternamente uma tarefa absurda, pois os seus esforços são inglórios e a tarefa tem de ser continuamente reiniciada.

▪ No poema, o mito de Sísifo associa-se à condição humana, pois, tal como ele, o Homem é obrigado a reiniciar constantemente as suas lutas, que redundam frequentemente em fracasso. Contudo, o Homem mostra-se digno pela sua capacidade de recomeçar continuamente o percurso e continuar a sonhar a concretização desses sonhos.

▪ Sísifo é, afinal, uma metáfora do caminho do Homem em direção à concretização do sonho. É o símbolo do esforço incessante e persistente, presente no gesto sacrificial de rolar continuamente a pedra até ao cimo da montanha, bem como do inconformismo e do incentivo à procura de liberdade e de luta pela concretização dos sonhos. E é isto que dá sentido à vida do ser humano.

▪ Por outro lado, o mito assemelha-se ao trabalho do poeta: a criação poética. De facto, Sísifo, perante a tarefa que repete quotidianamente (rolar a pedra até ao cimo da montanha, sabendo que cairá quando chegar ao cume e que terá de a fazer subir novamente), recupera e recomeça o seu trabalho sem fim.

▪ De modo semelhante, o trabalho de criação poética, para o poeta, nunca estará completo, daí que o seu trabalho não tenha também fim com as suas palavras, os seus poemas. É uma tarefa infindável, tal como a de Sísifo.


O poema enquanto hino à condição humana

Óscar Lopes afirma que este poema é um hino à condição humana, como parece sugerir o verso 18: “És homem, não te esqueças!”.
De facto, a composição valoriza o sonho e a liberdade como valores que devem estar na base da ação humana.
Por outro lado, defende o espírito de resistência e de insubmissão do ser humano, espírito esse que é simbolizado pelo esforço de superação sugerido pela retoma sucessiva da tarefa, por Sísifo.
Além disso, o poema apresenta o Homem como um ser condenado a carregar a sua cruz até ao fim da sua vida, «sem angústia e sem pressa», «em liberdade» (isto é, por livre escolha), até alcançar o «fruto desejado».

As Conferências Democráticas do Casino

segunda-feira, 4 de maio de 2020

A Questão Coimbrã

A Geração de 70



Fim do Romantismo:
» Almeida Garrett morre em 1854.
» Alexandre Herculano afasta-se da vida pública e literária.
» António Feliciano de Castilho congrega os defensores do Ultrarromantismo.

A geração ultrarromântica liga-se ao período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e política, conseguida através da:
. eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
. criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira, degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
Os membros da chamada Geração de 70, cujas primeiras manifestações literárias datam de meados da década anterior, acabaram de se formar numa fase posterior à consolidação do liberalismo em Portugal, marcada pelo funcionamento regular das instituições parlamentares, pela noção de progresso (identificado com os melhoramentos materiais) e uma maior comunicação com o exterior, quer técnica, quer económica, quer cultural, bem como pela consolidação de uma cultura laica, burguesa e dirigida a um já numeroso público alfabetizado.
No entanto, novos problemas surgem: a sociedade tinha estagnado sob o ponto de vista tecnológico, económico e social; as condições da massa campesina não se alteraram; a enorme emigração para o Brasil é sinónimo de dificuldades; a população industrial viu-se confrontada com a produção mecanizada; o grupo político dirigente dependia cada vez mais do capital bancário interno ou externo.
Por outro lado, esta geração romântica, despojada da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados, dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
O paternalismo/autoritarismo destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico, com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
Esta situação literária, que tem como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da "rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor. Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
A Geração de 70 é, basicamente, um grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de António Feliciano de Castilho.

Em síntese:

A Geração de 70 era constituída por muitos intelectuais que, nas últimas décadas do século XIX, empreenderam uma verdadeira revolução no modo de pensar o país, a sociedade, a política e a literatura, e se afirmaram como elite intelectual entre 1865, data do texto de Antero com Castilho (Bom senso e bom gosto), e 1871, data das Conferências Democráticas do Casino.

Entre os seus membros destacaram-se:
» Antero de Quental;
» Eça de Queirós;
» Teófilo Braga;
» Ramalho Ortigão;
» Oliveira Martins;
» Guerra Junqueiro.

Apostados em modernizar o país, os membros da Geração de 70 foram influenciados pelas novas ideias culturais europeias e pelos novos modelos europeus (através de leituras de autores franceses e alemães e do conhecimento de movimentos insurrecionais, como a Comuna de Paris), mais precisamente:
» o Socialismo utópico de Proudhon e Saint-Simon;
» o Positivismo de Comte;
» o Idealismo de Hegel;
» o Realismo de Flaubert e Zola.

O primeiro passo para o nascimento da consciência da Geração de 70 foi a chamada Questão Coimbrã.

A Questão Coimbrã é o nome pelo qual ficou conhecida a polémica literária ocorrida em 1865, que opôs o então jovem Antero de Quental e António Feliciano de Castilho.

COVID-19: ponto de situação do dia 3 de maio


sábado, 2 de maio de 2020

Subtítulo Episódios da Vida Romântica

▪ O plural episódios remete para o estudo ou diagnóstico da sociedade portuguesa através de vários episódios, o que corresponde a uma características realista: primado do real + intuito reformista.

▪ Visão crítica de uma época:
» Crónica de costumes – Visão crítica da sociedade, denunciando os seus costumes, defeitos e virtudes através de personagens-tipo – personagens que tipificam um grupo, uma personagem, um vício.
» O mundo social e político da sociedade lisboeta de grande parte do século XIX.
» Caráter estático.
» Menos ficção, mais descrição.
» Menor interferência do narrador, embora adote frequentemente um tom irónico e pessimista.

▪ A representação dos espaços sociais e crónica de costumes – episódios:
» Jantar no Hotel Central (cap. VI) – temas e crítica:
. a literatura (Realismo vs. Romantismo e a crítica literária);
. a situação financeira de Portugal;
. a mentalidade retrógrada da elite lisboeta.
» Corridas no Hipódromo (cap. X) – crítica:
. a imitação do estrangeiro;
. a mentalidade provinciana portuguesa.
» Jantar dos Gouvarinhos (cap. XII) – temas e crítica:
. instrução e ensino;
. conceção da educação da mulher;
. mediocridade mental dos mais altos funcionários do estado.
» Jornais A Corneta do Diabo e A Tarde (cap. XV) – crítica:
. a parcialidade do jornalismo da época;
. clientelismo partidário;
. vingança política;
. dependência política.
» Sarau no Teatro da Trindade (cap. XVI) – crítica:
. superficialidade das conversas;
. falta de cultura;
. ausência de espírito crítico;
. sentimentalismo e gosto convencional ultrapassados;
. a oratória oca e sem originalidade.
» Passeio final por Lisboa (cap. XVIII) – crítica:
. a degradação do país.

▪ A expressão vida romântica remete-nos para uma sociedade ainda marcada pelo Romantismo:



▪ A crónica de costumes concretiza-se através da construção de ambientes e da atuação de personagens-tipo, revelando-se como uma ação aberta.

▪ A intriga principal é narrada em alternância com uma série de episódios centrados na vida da sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX, ainda bastante marcada pelos efeitos do Romantismo, como o subtítulo sugere:


Título
Os Maias
Subtítulo
Episódios da vida romântica
Capítulo I
. Instalação de Afonso e de Carlos no Ramalhete.
. Juventude de Afonso.
. Infância de Pedro.
Intriga secundária:
. Pedro vê Maria Monforte.
. Pedro namora Maria Monforte.
. Pedro casa com Maria Monforte.

Capítulo II
. Pedro e Maria Monforte viajam por Itália e por Paris. Têm uma filha.
. Pedro e Maria Monforte regressam a Portugal. Têm um segundo filho.
. Maria Monforte trai Pedro com Tancredo.
. Maria Monforte foge com Tancredo e leva a filha.
. Pedro suicida-se e deixa o filho com Afonso.

Capítulo III
. Infância e educação de Carlos.

Capítulo IV
. Juventude e formação académica de Carlos.
. Viagem de Carlos pela Europa.

Capítulo V
. Vida social de Carlos e Ega em Lisboa.

Capítulo VI
Intriga principal:
. Carlos vê Maria Eduarda pela primeira vez no Hotel Centra.
Episódio do Jantar no Hotel Central
Capítulo VII
. A condessa de Gouvarinho vai procurar Carlos ao consultório.

Capítulo VIII
Intriga principal:
. Carlos faz um passeio a Sintra com Cruges com o intuito de encontrar Maria Eduarda.

Capítulo IX
. Carlos e a condessa de Gouvarinho beijam-se.
Baile de máscaras em casa dos Cohen.
Capítulo X
. Carlos mantém a relação adúltera com a condessa de Gouvarinho.
Episódio das corridas de cavalos.
Capítulo XI
Intriga principal:
. Carlos conhece Maria Eduarda, devido à doença de Miss Sara.

Capítulo XII
. Carlos declara o seu amor a Maria Eduarda.
. A relação incestuosa começa inconscientemente.
Jantar em casa do conde Gouvarinho
Capítulo XIII
. Carlos e Dâmaso entram em confronto.
. Carlos termina a relação com a condessa de Gouvarinho.

Capítulo XIV
Intriga principal:
. Afonso parte para Santa Olávia.
. Maria Eduarda muda-se para a Toca.
. Maria Eduarda visita o Ramalhete.
. Carlos Viaja para Santa Olávia.
. Castro Gomes revela a Carlos a verdade sobre a sua relação com Maria Eduarda.

Capítulo XV
. Maria Eduarda relata a Carlos a sua história.
. Afonso regressa ao Ramalhete.
Episódios dos jornais
Capítulo XVI
. Guimarães revela a Ega que tem um cofre que pertencia a Maria Monforte para entregar à família e que Maria Eduarda e Carlos são irmãos.
Episódio do Sarau da Trindade
Capítulo XVII
. Ega revela, com o apoio de Vilaça, o conteúdo do cofre a Carlos.
. Carlos revela o conteúdo do cofre a Afonso.
. Carlos comete incesto conscientemente.
. Carlos encontra o avô após uma noite com Maria Eduarda.
. Afonso morre.
. Ega revela o conteúdo do cofre a Maria Eduarda.
. Maria Eduarda parte para Paris.

Capítulo XVIII
Epílogo:
. Viagem de Carlos.
. Estada de Carlos e Ega em Lisboa, após 10 anos.



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