- As autoridades, intencionalmente, não informaram a população acerca das condições de transmissão do vírus ou da proteção conferida pelo uso de máscara.
- O responsável pela gestão da situação decidiu sozinho e à margem da comunidade científica.
- Foi negado oxigénio aos doentes idosos, que, deste modo, morreram mais depressa.
domingo, 8 de janeiro de 2023
O milagre sueco do combate à COVID-19
Origem da palavra «carro»
Para percebermos a origem da confusão do pobre turista, e antes de olharmos para a nossa palavra «carro», tentemos descortinar a origem de «coche» — as voltas que deu têm o seu quê de inesperado.
Tudo começou na localidade húngara de Kocs (lê-se algo como «cotche»), onde no século XV se começou a fabricar uma carruagem com uma suspensão mais agradável às costas dos passageiros. Este tipo de veículo foi chamado de «kocsi» (húngaro para «de Kocs») e o nome, com as habituais amolgadelas sempre que as palavras viajam, foi aproveitado por outras línguas, desde o italiano «cocchio» ao alemão «Kutsche», passando pelo inglês «coach».
A palavra inglesa acabou por ganhar também o sentido de treinador por um caminho arrevesado: «coach» era um termo usado entre estudantes ingleses de meados do século XIX para denominarem um professor que ajudava alguém, individualmente, a treinar para um exame. O professor era o veículo — «coach» — que levava o aluno até à meta. Esta metáfora acabou por ser usada em particular no desporto, onde a meta era a vitória, e deixou de ser vista como uma figura de estilo. Há muitas destas metáforas mortas nas nossas línguas e é também por isso que o mesmo vocábulo pode ganhar significados tão diferentes em diferentes lugares. As palavras andam a entornar-se pelos idiomas, mas vão sendo absorvidas à maneira de cada língua, como tinta que ganha novos tons conforme o tecido por onde alastra.
Antes das transformações desportivas, os ingleses tinham recebido a palavra do francês — que, como era costume, também a oferecera aos primos ibéricos, com a forma «coche». Assim ficámos todos com uma nova palavra para designar aquele tipo de carruagem, numa viagem que tinha começado na Hungria.
Quando, no século XIX, surgiram os automóveis, os nossos vizinhos aproveitaram o nome dos coches para designar esta novíssima carruagem que não sujava tanto as ruas das cidades (mal sabíamos nós…).
Já os falantes de português, perante um automóvel, não pensaram no coche engalanado. Virámo-nos para a velha palavra «carro», que remetia para um veículo puxado por animais num ambiente bem mais rural que o dos coches. Este sentido de «carro» ainda não se perdeu, mesmo entre quem vive na cidade: todos sabemos o que é pôr o carro à frente dos bois.
A palavra «carro» tinha vindo do latim que, por sua vez, a tinha ido buscar à velha língua celta dos gauleses — e estes tinham-na herdado do «*kers-» do proto-indo-europeu, que significava «correr». A mesmíssima palavra latina também foi exportada pelos franceses para o inglês e acabou por ser aproveitada da mesma maneira: o «car» inglês e o «carro» português têm a mesma origem. As histórias de palavras fazem-se de alguma lógica e muito acaso.
Portanto, ali por fins do século XIX, tanto portugueses como espanhóis tinham o mesmo problema: o que chamar ao novo veículo sem animais (tirando os que lá forem dentro)? Encontrámos soluções parecidas: pegámos numa palavra que já existia e reutilizámo-la com um novo sentido. A única diferença foi a palavra escolhida — e assim se explica que um espanhol amante de motores e afins se veja de repente num mundo de reis e cinderelas.
Qual é o palavrão mais usado em Portugal?
Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que
fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.
Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que
espalhei pelas famosas redes sociais.
Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão»
(a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma
palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é
mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão
sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra
tão rara que mal se percebe.
Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo
o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os
palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões.
Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão,
para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá
conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se»,
«caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas
hoje não é dia de falar deles.
Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu
ao trabalho de responder ao meu inquérito?
Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se
virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la
com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva,
diga-se a bem da verdade.
Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a
particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então
se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra
com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na
Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…
O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se
fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho
de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma
página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para
mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos
a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como
«mrd» em lugar do palavrão…
Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão
«f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a
maioria absoluta.
(Houve ainda 7% de respostas variadas.)
Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós
andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais
comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a
asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um
inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma
fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».
A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…
Fonte: Certas Palavras, de Marco Neves.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
Caracterização da hospedeira
Narrador / Personagem / Escritor-Furão em O Delfim
Este início da obra
remete para a dupla função de narrador e personagem, porém a sua presença não
se limita a isso, visto que revela constantemente a sua consciência do fenómeno
da criação literária, introduzindo mesmo a figura de autor. Ele próprio se
intitula «escritor furão», visto que se reconhece como um pesquisador da
verdade oculta, numa constante dupla caçada.
A narrativa é
construída a partir das recordações de diálogos que manteve com os donos da
Casa da Lagoa, de situações que presenciou ou não, mas que considera
plausíveis, de atitudes que observou, de tensões que pressentiu ou julgou
pressentir, e de versões várias sobre um incidente.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
O triângulo amoroso de O Delfim
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
Análise da Cena 9 do Ato II de Frei Luís de Sousa
domingo, 1 de janeiro de 2023
Análise do poema "O Gondoleiro do Amor"
sábado, 31 de dezembro de 2022
Última homenagem a Pelé
Análise do poema "Os Três Amores"
O poema é constituído por três sétimas com rima emparelhada, cruzada e interpolada, de acordo com o esquema rimático ABCADDB, com um verso na primeira estrofe, e versos decassílabos.
O tema é o amor, tratado em três
partes distintas, mas de construção paralela: I: Tasso – Eleonora; II: Romeu –
Julieta; III: D. Juan – Júlia. Os nomes são exemplificativos, porque
personificam uma situação própria e simbólica. A mudança de personagens
condiciona a mudança de ambiente. A construção formal é a mesma nas três
estrofes; muda o motivo, os símbolos e o ambiente. Isto aponta para a divisão
do «eu» romântico abstrato concretizado em personagens reais. Se atentarmos na
data de escrita do poema (setembro de 1866), podemos especular que a composição
tenha sido escrita para a sua amada, a atriz portuguesa Eugénia Câmara. Nela, o
«eu» cita três diferentes situações vivíveis com a mulher amada, aludindo a
três obras importantes da literatura mundial para descrever esses momentos com
a mulher: a ópera Torquato Tasso, a peça Romeu e Julieta e El
Burlador de Sevilla o El Convidado de Piedra.
Assim, a primeira estrofe remete
para a mencionada ópera, da autoria de Gaetano Donizetti, que decorre na cidade
italiana de Ferrara e se baseia na vida do poeta Torquato Tasso, que vive um
romance cheio de desencontros e escândalos que termina com a perda da amada. O
sujeito poético encarna o poeta italiano e retrata o amor de forma idealizada,
um amor não realizado, embora sublime e sereno. Com efeito, há uma apropriação
da história dos amores de Tasso por Eleonora, nobre de Ferrara a quem ele dedicara
os seus versos e que acaba ensandecido pela ideia fixa de perseguição
religiosa. Tasso é o cantor do sofrimento amoroso, que chora (canta) a cidade
da sua amada, cuja visão risonha lhe afugenta o sofrimento e a solidão.
A segunda estrofe remete para a peça
Romeu e Julieta, também ela situada em Itália, concretamente na cidade
de Verona, onde decorrem os amores impossíveis e contrariados entre dois jovens
de famílias rivais, uma paixão que termina de forma trágica com a morte dos
dois apaixonados. O sujeito poético deixa de lado o plano espiritual e passa ao
terreno amoroso. Para isso, pede a ajuda dos ícones da literatura amorosa,
ainda que trágica: Romeu e Julieta. Ao encarnar o herói de Shakespeare, o «eu»
alude ao amor transcendental, isto é, ao amor que, apesar das barreiras sociais
que o obstaculizem, se concretiza. O recurso à conjunção coordenativa
copulativa «e» no último verso une as duas figuras femininas referidas no
poema: Eleonora é também Julieta, isto é, são duas mulheres numa (quando
concluída a terceira estrofe, serão três numa). Dito de outra forma, a mulher
amada pelo sujeito poético é Eleonora, mas também é Julieta e ainda Júlia, ou
seja, ele deseja as várias facetas da mulher. Para ele, o amor não possui
apenas uma face, mas várias, e a mulher é, ao mesmo tempo, pura e sensual.
Por sua vez, a terceira estrofe
contém referências à obra de Tirso de Molina, cujo protagonista é D. Juan, um
jovem belo que seduz Júlia, uma rapariga espanhola de origem nobre que
assassina o pai. Estamos na presença de um amor sensual, carnal e amaldiçoado,
cujo desenlace é igualmente trágico. O amor platónico cede lugar ao desejo
ardente, à volúpia e à paixão descontrolada: “Na volúpia das noites andaluzas /
O sangue ardente em minhas veias rola…”. Como não poderia deixar de ser, o
vocabulário traduz esse amor/paixão/desejo, através de uma linguagem repleta de
erotismo: ”sangue”, “ardente”, “leito”, “seio”, “desfaço-te”. Atente-se também
na expressão «Eu morro», que alude à petit mort, isto é, ao orgasmo, se,
por acaso, ele lhe desfizer a mantilha. Em suma, esta estrofe alude claramente
à iniciação amorosa de D. Juan por Júlia, a espanhola fogosa.