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quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Análise do poema "Poesia", de João Cabral de Melo Neto

    O discurso é interrogativo e está ligado a um clima de mistério e também de racionalização. O discurso parece ser o único elemento que permite chegar à racionalização e nunca o conteúdo, apesar de haver palavras que só por si são racionais, claras e objetivas: sol, luz, saúde (são palavras que fogem ao domínio da noite, do escuro e do sonho). Mas toda a “luz” e “saúde” são subordinadas a um mistério maior. Por isso, toda a tentativa de racionalização pelo uso de certas palavras desaparece, ficando apenas o discurso interrogativo.
    A conquista de um território diurno esbarra com um território em que se produz a poesia. Há uma desistência do real enquanto instância passível de organização pela consciência. Apesar do poeta procurar ordenar o real, pela sua consciência acaba rendido à evidência de o não conseguir. A poesia surge como ato de criação, onde é valorizada a mente onírica, do sonho, da evasão do criador, que não consegue ter uma atitude crítica perante o que cria.
    Como conclusão, poderemos dizer que a poesia é o resultado da mente do criador e, como dizia o Surrealismo, é um conjunto de expansões oníricas. A interrogação surge ao poeta como única forma de colocar em causa o que foi dito.

Análise do poema "Nocturno", de João Cabral de Melo Neto

    Neste poema, temos uma reivindicação do imaginário, que passa por uma reinvenção sintática, que tem a ver com a associação de palavras com sentidos totalmente diferentes: “O mar soprava sinos”, “Os sinos secavam as flores”.
    Nesta reinvenção sintática, tem grande importância a subjetividade do sujeito criador (ex.: “minha memória”, “meus pensamentos”, “meus pesadelos”).
    Os dois poemas abordados mostram diferentes relações que se estabelecem entre o mundo onírico e o sujeito: no anterior, há uma nítida tentativa de separação; neste, pelo contrário, há uma aproximação: o sujeito procura esse mundo.
    No poema, o “eu” aparece como forma de discurso dominante: na segunda estrofe, o “eu” é agente; na terceira estrofe, o “eu” assume-se como espectador do processo que cria.
    A noite, o sonho e a morte são também ideias presentes no poema e, embora se associem, não há entre eles uma relação necessária: por exemplo, se a noite é propícia ao sonho, contudo a expansão onírica não implica a noite.
    Temos ainda neste poema o que se pode chamar de “poética do deslizamento”, ou seja, preferência pelo que é líquido, inconsistente e incorpóreo (ex.: “... meus pensamentos soltos / voaram como telegramas...”). Daí que J. Cabral ignore a terra e o fogo e apenas se debruce sobre o ar e a águia (vide: “O poema e a água”).

Análise do poema "Composição", de João Cabral de Melo Neto

    O Surrealismo tem como principal característica a expressão de imagens oníricas, que também neste poema são abundantes.

    Ao lado da vertente de organização consciente e objetiva, sobressaem no poema três ideias fundamentais: a ideia de noite, de sonho e de morte. Mas em J. Cabral, estas imagens são submetidas a um processo de racionalização, concretizado no final pelo verbo “digo”, que marca a separação do mundo onírico e a consciência de criação desse mundo pelo “eu” lírico. O sujeito lírico compactua com o onírico, mas não o subscreve, não o “celebra”.

Pedra de Sono, de João Cabral de Melo Neto

    Os poemas reunidos nesta obra foram escritos entre 1939 e 41.
    A obra tem uma epígrafe constituída por um verso de Mallarmé: "Solicitude, récife, etoile",que mostra uma certa influência do Simbolismo. Apesar de não ser simbolista, João Cabral apresenta alguns traços comuns ao Simbolismo:
        - espírito crítico
        - traçar artes poéticas. Este 

Vida e obra de João Cabral de Melo Neto

Motivo e tema de Vidas Secas

    Há determinados motivos centrais e o tema é construído através deles.

    Se este é um romance regionalista, o núcleo do romance deve ser a região e também o modo de vida e de ser das personagens. A paisagem e a seca são elementos omnipresentes em todo o romance e, por isso, é inútil separá-los de todos os outros motivos e temas.

    Os motivos principais são:

            1. Viagem: relacionada com um trânsito de caráter cíclico e toda a vida das personagens tem como polos a viagem. A vida das personagens acaba por ser a própria viagem com um tempo de esperança no meio.
    Como o que leva as figuras a viajar são motivos exteriores, a viagem acaba por ser errância, que se caracteriza pela ausência de um plano e tempo específicos. É como se o destino das personagens as levasse a andarem sempre errantes de lugar para lugar. Se as personagens viajassem por motivos interiores, então seria verdadeiramente viagem; como tal não acontece, é errância, sempre condicionada por questões externas, que se identificam com o destino.
    Logo no capítulo I, temos um contraste entre um presente de desespero e u  futuro que poderá ser de esperança e é isto que os leva continuamente a viajar e a viagem suscita dois estados: desalento e anseio. A viagem tem um sentido místico de procura e esperança. Mas esta ideia não é constante no romance. Se em determinadas alturas, as personagens estabelecem esta dualidade são elas próprias que ganham a consciência de que ela não é constante. Fabiano tem consciência do seu destino de errância; há uma sina que os leva a mudarem constantemente de lugar. Mas no final do romance, Fabiano e Sinhá Vitória sentem necessidade de acreditar num futuro melhor, porque confiam um no outro. Este afinal tem como centro o sertão, núcleo fundamental de mão de obra que envia para a cidade.
    A viagem equivale a uma mudança, que é constante e, assim, aparece uma referência universal nu romance regional. Se a viagem é um motivo provocado pelas características de uma determinada região, ela consegue adquirir uma dimensão universal, através do destino e da fatalidade que rege a vida das personagens.

            2. Problema da linguagem: a linguagem é uma preocupação essencial de Fabiano e, neste campo, há uma referência constante a Tomás da bolandeira. São vários os exemplos disto ao longo do romance: Fabiano tem consciência de que o conhecimento das coisas, a cultura, dão uma certa superioridade ao indivíduo. Elas estão ao serviço de outros elementos, como o poder, a exploração e a revolta, que se tornam efetivos e eficazes pela linguagem. Pela sua dificuldade de comunicação, Fabiano tem consciência da sua inferioridade e incapacidade de exercer um poder; ele sabe que é pelo poder da linguagem que é explorado, e como não a domina nunca será capaz de exercer o poder e explorar. Por outro lado, Fabiano também tem a noção de que a linguagem exige uma certa perícia e domínio da língua que ele não tem. Mas ele coloca em causa a necessidade de conhecer as coisas e o interesse desse conhecimento. Isto acontece quando as crianças o interrogam e ele põe em causa o conhecimento, pois através do domínio do conhecimento, as crianças podiam pôr em causa o seu poder. Também fabiano usa o seu restrito poder para se impor na família. Também Seu Tomás conhecia tudo, mas isso não o impediu de sofrer as vicissitudes da seca.
    A própria revolta acaba por não ter sucesso: o patrão tem a autoridade e ele tem apenas que a acatar. A linguagem e o conhecimento são fontes de poder, nas não valem nada, porque acima de tudo está um poder superior: destino, que submete todas as personagens.
    O problema da linguagem é também sentido pelas crianças; elas sentem a necessidade de nomear as coisas para lhes retirarem o mistério e delas se apoderarem.
    A linguagem também se impõe como problema em Sinhá Vitória. É pela linguagem que estabelece ligação com os outros.
    É ainda pela linguagem que as personagens podem mostrar os seus sonhos; é pela linguagem que surge o desejo e a esperança, dá-lhes a possibilidade de se revoltarem. É pela construção de um discurso de esperança e revolta que Sinhá Vitória leva Fabiano a mudar a sua atitude. A revolta no domínio do sonho e esperança é a única possível.

            Relação entre os 2 motivos: viagem e dificuldade de comunicação. Temos entre os dois motivos uma relação de implicação. A viagem é causada pela fatalidade, mas a linguagem seria um momento de revolta. A fatalidade é o símbolo da viagem e a revolta o símbolo da dificuldade de linguagem e ambos se implicam. Esta revolta que a linguagem podia possibilitar acaba por ser inútil, por causa desse destino imutável que determina a viagem.
    No fundo, as personagens caem num beco sem saída. A viagem e a dificuldade de comunicar são dois motivos essenciais, cujas consequências se cruzam ao longo do romance. Fica a ideia da impossibilidade de mudança. É perante isto que Fabiano aceita o poder do patrão, pois a revolta é impossível. Ele não tem capacidade de argumentar e, por isso, o poder de soldado amarelo aumenta também pela autoridade de que está investido. A única revolta de Fabiano consiste na questionação da legitimidade da opressão exercida. É uma revolta íntima e nunca exteriorizada. Daí o isolamento a que se votam; aceitam o inevitável, não fogem ao destino e apenas se revoltam em sonho.

    No final, Sinhá Vitória constrói um mundo de sonho e Fabiano é aliciado por isso, mas o sonho condu-lo a uma cidade onde vão perder a sua liberdade. Assim, abdicar da região que lhes dava uma certa liberdade é outro motivo.
    Do romance fica a ideia da impossibilidade de mudança, do destino e uma imagem de rudeza e opressão.
    A viagem e suas implicações, todo o destino e fatalidade, a revolta íntima e automática e a impossibilidade de comunicação constituem um tema único e geral: denúncia da opressão, que é uma necessidade do homem universal e não apenas do homem do sertão. É pelo uso de motivos regionais que se alcança um tema universal e é pela conquista deste tema que o romance regional se torna universal.

Foco narrativo em Vidas Secas

    Cada capítulo é dedicado a uma personagem, embora as outras possam estar presentes. O tipo de discurso que temos é quase sempre o discurso indireto livre: o narrador na 3.ª pessoa é substituído pela visão e pensamento das personagens. Mas a distância entre os dois discursos não é fácil de efetuar, de tal modo se sobrepõem. Este processo já era usado por Machado de Assis, embora com objetivos e efeitos diferentes. É um processo presente em todo o romance: muitas vezes, não sabemos se estamos perante a visão das personagens ou do narrador.

    A descrição física é substituída, por vezes, pela descrição do sentimento e o narrador é substituído pelas personagens e isto confere ao romance uma grande dose de objetividade.

    No início de cada capítulo, temos um relato omnisciente, que é quase sempre substituído pelo relato da personagem, o que tem repercussões ao nível do discurso.

    No capítulo referente ao menino mais novo, o vocabulário e a construção utilizados mostram-nos a evolução do pensamento do menino. E é constante a alteração entre a perspetiva do menino e a do narrador, que se sobrepõem, sendo difícil separá-las.

    O processo de substituir perspetivas acaba por ser um facto importante na própria estrutura do romance: se o narrador é substituído pela visão das personagens, ele vai ter a ciência que as personagens lhe permitirem.

    O discurso vai ser condicionado pelo próprio conhecimento que as personagens têm em relação às coisas. O foco narrativo e a ciência do narrador são condicionados por dois aspetos:
            - discurso indireto livre: substituição da voz do narrador pela voz das personagens;
            - recurso ao monólogo.

Tempo em Vidas Secas

    O tempo não é medido; não nos é apresentado segundo uma sequência lógica. O tempo medido é dado apenas pela sequência das estações do ano: verão, inverno. É pela mudança da estação que temos a noção da passagem do tempo.

    Se o tempo não é medido, há a noção de um longo lapso de tempo, de um tempo que se arrasta. Uma vez que não há indicações da sequência dos dias, não há ordenação em relação aos capítulos. Disto resulta um arrastamento do tempo, ao longo do qual se passam muitos eventos. Por vezes, temos sinais que indiciam a passagem do tempo (pág. 18-19), mas não temos a localização dos acontecimentos num tempo concreto.

    Podemos distinguir 2/3 tipos de tempo:
            - Tempo histórico: não aparece concretamente referido; apenas se evidencia pela passagem das estações do ano. Daí a sua ligação a um outro tipo de tempo:
                - Tempo meteorológico: relacionado com as estações do ano, que condicionam as atitudes das personagens.
                - Tempo narrativo: é o tempo do texto e do qual só nos apercebemos pela mudança dos verbos e de certas expressões. No capítulo referente a Fabiano, temos uma alternância entre verbos no perfeito e imperfeito e verbos no mais-que-perfeito. São os verbos que indicam a passagem do tempo: eles já estão na quinta e, então, é através do mais-que-perfeito que se mostra o que acontecera entre a situação atual e o que se passara no capítulo anterior. Não há uma sequência lógica, pois no capítulo I apenas se faz referência a uma quinta e neste já estão instalados. A ligação entre os capítulos não é feita pelo tempo; há uma ambiência mais significativa.
    Por exemplo, no capítulo referente a Sinhá Vitória, temos mais um tempo psicológico que narrativo, que nos é dado através de expressões ou locuções adverbiais. Todo o capítulo é mais o relato do pensamento de uma personagem, onde se cruzam o tempo histórico e o tempo narrativo. É um tempo narrativo longo, pois a personagem é acompanhada em toda a sequência do seu pensamento. Por isso se diz que é mais um tempo psicológico que um tempo histórico; o que interessa são as vivências psicológicas.

Espaço de Vidas Secas

    Se se trata de um romance regionalista, implica que tenha que nos descrever um espaço concreto: sertão. É um espaço importante que devia ocupar todo o romance; no entanto, não temos uma descrição rigorosa do espaço, mas sim alguns elementos descritivos: viagem, seca e um certo tipo de paisagem referente à seca e o inverno. Por exemplo, é-nos apresentado o facto de eles se instalarem numa quinta, mas nunca nos é descrita.

    Também a cidade, nem quando Fabiano é preso, nem na festa, nos é descrita exaustivamente, mas apenas referida como uma cidade.

    Sendo um romance Neorrealista, além de regionalista, era obrigado a fazer uma exposição clara e objetiva do espaço, mas isso não acontece. O espaço físico é, na sua maior parte, substituído pelo espaço psicológico. Assim, não temos uma descrição da cidade, mas apenas uma visão que nos é dada pela personagem. O mesmo se passa em relação à visão que nos é dada da Igreja.

    Quando temos a descrição do espaço físico, ela é feita com a objetividade de um relatório. Temos que reconhecer que, se o espaço tivesse aqui uma centralidade fundamental, o romance seria impossível de ler, porque apenas se falaria da seca e da terra árida. O espaço é monótono, repetitivo e opressivo.

    O espaço físico é, assim, breve, objetivo e preciso. Todos os elementos apresentados são importantes e necessários para a compreensão do espaço e sua influência nas personagens. Toda a descrição seja da viagem, da seca ou do inverno, tem uma função determinada; pauta-se por ser funcional: dá-nos a dimensão da opressão do espaço sobre as personagens e do sofrimento das personagens. A ausência de referências ao espaço físico pode estar ligada ao próprio tipo do narrador. A função do narrador é, por vezes, substituída pelo olhar das personagens sobre os acontecimentos. Se temos a visão das personagens e não do narrador e elas têm dificuldade em nomear as coisas e comunicarem, então as referências a objetos e espaços que elas não conhecem não podem existir. Por isso, temos apenas a descrição de certos elementos que as personagens conhecem. Daí os momentos de descrição serem também repetitivos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Personagens de Vidas Secas

     Após a morte do papagaio, ficam cinco viventes, cinco "vidas secas": Fabiano, Sinhá Vitória, os dois miúdos e a cadela Baleia.

    Mas há outras personagens importantes:

        => "Seu Tomás da bolandeira", referido por causa da cama que Sinhá Vitória gostava de ter e pela sua capacidade de comunicação. Mas enquanto Fabiano não sabe falar e sobrevive, Tomás, que tão bem sabia falar, não resiste à seca. No fundo, esta personagem é um ideal de identificação.

        => Fazendeiro: principal elemento de oposição, tal como o soldado. Ele explora Fabiano e este, sabendo que precisa dele, não se revolta e tudo suporta.

        => Soldado amarelo: é também um elemento de poder e opressão.

        => Dono da taverna.

        => Sinhá Terta, que irá desencadear uma importante discussão sobre o "inferno"

    Um dos aspetos mais difíceis na relação das personagens é a dificuldade de estabelecerem diálogo, que é substituído por gestos ou interjeições ou, então, não falam. Fabiano não é burro, mas pelo contrário tem consciência da inutilidade de saber muito numa região daquelas. A dificuldade de comunicação passa de pais para filhos (págs. 54-6).

    A linguagem está ao nível da utilização material do signo. O conhecimento e a apropriação de uma coisa passa pela sua nomeação. Daí a sua estranheza na festa, perante tantas coisas para as quais não conhecem os nomes.

    A família é um elemento fundamental e engloba homens e animais. Por exemplo, Baleia tem direito a um capítulo como as outras personagens. A dificuldade de comunicação verbal é substituída por um tipo de comunicação afetiva e instintiva.

Ação de Vidas Secas

    São vários os aspetos principais: viagem, seca e região. O romance começa e termina com uma viagem; as personagens têm medo dela e, no entanto, ela condiciona as suas vidas.
    A seca não é uma ação, mas influencia uma ação, que é a viagem. Esta é a ação mais justificativa e profunda. É ela que justifica a sua razão de sobrevivência. A estadia na quinta corresponde apenas a um período relativo de bem-estar. Temos, assim, no romance, dois polos: viagem e estadia, organizados ciclicamente entre si. A estadia ocupa um espaço maior, mas a viagem tem um sentido mais profundo. Não nos são apresentados os factos do dia a dia, mas apenas se refere a sua estadia na quinta. A única ação possível e fuga ao destino que cai sobre as personagens é a viagem.
    Deixando de lado a viagem, a única ação que resta é a do dia a dia, que se resume à narração de certos episódios de importância relativa, mas essenciais para a caracterização das personagens.
    Esta pouca ação e o caráter fragmentário dão-nos uma sensação de vazio em relação ao que é esperado de um romance. Mas este romance é muito simples e tem ideias básicas, a respeito das quais não nos conseguimos afastar: seca e viagem; opressão e vazio. A viagem é o único modo de tentar ultrapassar esta situação e o facto de ocupar um espaço menor na narração mostra a impossibilidade de mudança.
    Os episódios são importantes pela alteração psicológica que provoca nas personagens. Por exemplo, o episódio da morte de Baleia mostra uma identificação entre bicho e homem. Sinhá Vitória esconde os miúdos debaixo das almofadas para que estes não ouçam os latidos da cadela e ela própria sente pena dela; também Fabiano sente a sua morte. Baleia sempre foi importante no romance pela comunicação que estabelece com as crianças e que nem mesmo Fabiano consegue.
    O próprio Fabiano admite que ele é um bicho e esta consciência faz com que as personagens adquiram dos animais a dureza para sobreviverem num meio tão contrário.
    Também "A Cadeia" é um episódio importante pelas referências sociais e ao poder. Já não bastava a opressão do meio, temos agora a opressão das autoridades, que nem sequer têm capacidade para exercer esse poder. Mas temos dois tipos de poder:
  • o poder do Estado, que é reconhecido por Fabiano;
  • o poder das autoridades, representadas pelo soldado amarelo, que ele não aceita. Fabiano reage, porque não compreende a autoridade do soldado amarelo, não sabe como é que o governo escolhe assim pessoas para exercerem o seu poder.
    Outro episódio importante é o da "festa", que é muito ativo; descreve-se o modo como se vestiam, como decorre a viagem e como se sentem deslocados no ambiente desconhecido da cidade. Temos presente o poder do desconhecido, o desajustamento social e o medo de estabelecer contacto, que são os aspetos fundamentais deste capítulo.

Estrutura de Vidas Secas

Vidas Secas: "Estória"

    É a história de 6 viventes, que ficam reduzidos a 5 com a morte do papagaio e depois 4 com a morte da cadela Baleia. Não há noção de distinção entre homem e bicho.
    O romance abre com uma família em trânsito, em viagem, que nunca é interrompida, pois embora se fixem num certo lugar durante algum tempo, a viagem continuará por causa da seca, motivo nuclear, juntamente com o próprio sistema socioeconómico: exploração do que trabalha pelo patrão. Esta exploração  impedia-os de se estabelecerem, pois nunca conseguiam nada de seu, além de que as condições da terra eram péssimas. O sistema económico baseava-se na exploração e não havia sistemas alternativos.
    A região e a seca passam a ser a substância da personalidade e dos acontecimentos. Tudo o que se passa no romance está subordinado à seca, o próprio sentimento das personagens.

Graciliano Ramos

    Graciliano Ramos nasceu em Alagoas em 1892 e morreu no Rio de Janeiro em 1953. Pertencia a uma classe média de comerciantes e tinha 14 irmãos. Conviveu com muitos escritores nacionais e estrangeiros.

    Em 1933, foi preso por subversão e, em 1945, era já um escritor muito conhecido e lido.

    O romance regionalista Vidas Secas é de 1938 e debruça-se sobre a vida de uma família de agricultores transferida para uma zona do nordeste brasileiro, onde é atingida por uma terrível seca. Este seu romance é o quarto; antes escrevera:
                - Caetés (1933)
                - S. Bernardo (1934)
                - Angústia (1936)

    Depois escreveu Memórias do Cárcere e outros livros de literatura infantil e autobiográfica.

Romance regionalista

        . A cor epocal não é suficiente para que um romance seja regionalista. Mais do que a cor epocal, o romance regionalista implica uma relação muito profunda com o espaço, o tempo e as gentes. Assim, esta relação tem que ser substancial e tem que se adequar a formas de tratamento do tema escolhido à região. Todo o romance tem um tema, mas no caso do romance regional o tema tem que ser a própria região com as suas características. A própria estrutura cíclica do conteúdo está na forma.
    O romance regionalista, opondo-se ao romance urbano, não deixa de ser universal, porque ele não é só a descrição do espaço, mas a vivência profunda desse espaço.

            . Relação do romance regionalista com o Neorrealismo: a década de 30 retoma princípios do Realismo e é essa feição neorrealista que confere as preocupações de natureza social e ideológica.

            . O romance regionalista pode aparecer como forma de luta mais ou menos empenhada, mas mesmo que apareça só a descrição duma região isto já é importante, pois mostra os desejos de mudança. Tanto o Modernismo como o Regionalismo têm princípios diferentes, mas também semelhantes. As características de cada um entram em ligação com as preocupações das regiões onde surgiram. Na década de 30, o Modernismo foi o amadurecimento da "Semana de Arte Moderna", que foi impulsiva e espontânea. Agora, apercebem-se da importância de inovar, mas preservando a tradição.
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