Português: Motivo e tema de Vidas Secas

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Motivo e tema de Vidas Secas

    Há determinados motivos centrais e o tema é construído através deles.

    Se este é um romance regionalista, o núcleo do romance deve ser a região e também o modo de vida e de ser das personagens. A paisagem e a seca são elementos omnipresentes em todo o romance e, por isso, é inútil separá-los de todos os outros motivos e temas.

    Os motivos principais são:

            1. Viagem: relacionada com um trânsito de caráter cíclico e toda a vida das personagens tem como polos a viagem. A vida das personagens acaba por ser a própria viagem com um tempo de esperança no meio.
    Como o que leva as figuras a viajar são motivos exteriores, a viagem acaba por ser errância, que se caracteriza pela ausência de um plano e tempo específicos. É como se o destino das personagens as levasse a andarem sempre errantes de lugar para lugar. Se as personagens viajassem por motivos interiores, então seria verdadeiramente viagem; como tal não acontece, é errância, sempre condicionada por questões externas, que se identificam com o destino.
    Logo no capítulo I, temos um contraste entre um presente de desespero e u  futuro que poderá ser de esperança e é isto que os leva continuamente a viajar e a viagem suscita dois estados: desalento e anseio. A viagem tem um sentido místico de procura e esperança. Mas esta ideia não é constante no romance. Se em determinadas alturas, as personagens estabelecem esta dualidade são elas próprias que ganham a consciência de que ela não é constante. Fabiano tem consciência do seu destino de errância; há uma sina que os leva a mudarem constantemente de lugar. Mas no final do romance, Fabiano e Sinhá Vitória sentem necessidade de acreditar num futuro melhor, porque confiam um no outro. Este afinal tem como centro o sertão, núcleo fundamental de mão de obra que envia para a cidade.
    A viagem equivale a uma mudança, que é constante e, assim, aparece uma referência universal nu romance regional. Se a viagem é um motivo provocado pelas características de uma determinada região, ela consegue adquirir uma dimensão universal, através do destino e da fatalidade que rege a vida das personagens.

            2. Problema da linguagem: a linguagem é uma preocupação essencial de Fabiano e, neste campo, há uma referência constante a Tomás da bolandeira. São vários os exemplos disto ao longo do romance: Fabiano tem consciência de que o conhecimento das coisas, a cultura, dão uma certa superioridade ao indivíduo. Elas estão ao serviço de outros elementos, como o poder, a exploração e a revolta, que se tornam efetivos e eficazes pela linguagem. Pela sua dificuldade de comunicação, Fabiano tem consciência da sua inferioridade e incapacidade de exercer um poder; ele sabe que é pelo poder da linguagem que é explorado, e como não a domina nunca será capaz de exercer o poder e explorar. Por outro lado, Fabiano também tem a noção de que a linguagem exige uma certa perícia e domínio da língua que ele não tem. Mas ele coloca em causa a necessidade de conhecer as coisas e o interesse desse conhecimento. Isto acontece quando as crianças o interrogam e ele põe em causa o conhecimento, pois através do domínio do conhecimento, as crianças podiam pôr em causa o seu poder. Também fabiano usa o seu restrito poder para se impor na família. Também Seu Tomás conhecia tudo, mas isso não o impediu de sofrer as vicissitudes da seca.
    A própria revolta acaba por não ter sucesso: o patrão tem a autoridade e ele tem apenas que a acatar. A linguagem e o conhecimento são fontes de poder, nas não valem nada, porque acima de tudo está um poder superior: destino, que submete todas as personagens.
    O problema da linguagem é também sentido pelas crianças; elas sentem a necessidade de nomear as coisas para lhes retirarem o mistério e delas se apoderarem.
    A linguagem também se impõe como problema em Sinhá Vitória. É pela linguagem que estabelece ligação com os outros.
    É ainda pela linguagem que as personagens podem mostrar os seus sonhos; é pela linguagem que surge o desejo e a esperança, dá-lhes a possibilidade de se revoltarem. É pela construção de um discurso de esperança e revolta que Sinhá Vitória leva Fabiano a mudar a sua atitude. A revolta no domínio do sonho e esperança é a única possível.

            Relação entre os 2 motivos: viagem e dificuldade de comunicação. Temos entre os dois motivos uma relação de implicação. A viagem é causada pela fatalidade, mas a linguagem seria um momento de revolta. A fatalidade é o símbolo da viagem e a revolta o símbolo da dificuldade de linguagem e ambos se implicam. Esta revolta que a linguagem podia possibilitar acaba por ser inútil, por causa desse destino imutável que determina a viagem.
    No fundo, as personagens caem num beco sem saída. A viagem e a dificuldade de comunicar são dois motivos essenciais, cujas consequências se cruzam ao longo do romance. Fica a ideia da impossibilidade de mudança. É perante isto que Fabiano aceita o poder do patrão, pois a revolta é impossível. Ele não tem capacidade de argumentar e, por isso, o poder de soldado amarelo aumenta também pela autoridade de que está investido. A única revolta de Fabiano consiste na questionação da legitimidade da opressão exercida. É uma revolta íntima e nunca exteriorizada. Daí o isolamento a que se votam; aceitam o inevitável, não fogem ao destino e apenas se revoltam em sonho.

    No final, Sinhá Vitória constrói um mundo de sonho e Fabiano é aliciado por isso, mas o sonho condu-lo a uma cidade onde vão perder a sua liberdade. Assim, abdicar da região que lhes dava uma certa liberdade é outro motivo.
    Do romance fica a ideia da impossibilidade de mudança, do destino e uma imagem de rudeza e opressão.
    A viagem e suas implicações, todo o destino e fatalidade, a revolta íntima e automática e a impossibilidade de comunicação constituem um tema único e geral: denúncia da opressão, que é uma necessidade do homem universal e não apenas do homem do sertão. É pelo uso de motivos regionais que se alcança um tema universal e é pela conquista deste tema que o romance regional se torna universal.

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