"A palavra heterónimo deriva do grego e significa «outro nome». Pessoa usou este neologismo, o qual se distingue da palavra pseudónimo, pois esta é entendida como um nome suposto que substitui o nome próprio do autor, sem que isso altere a sua personalidade literária.
O caso de Pessoa ganha um sentido muito especial, porque a heteronímia afeta o sentido mesmo da sua obra considerada na sua globalidade. Tendo em vista Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, Pessoa procura ser «esses outros», que se constituem «não eus sintetizados num eu-postiço». Daí o ter considerado essas personagens autorais - para as quais elaborou biografias que, curiosamente, não fez em relação a si próprio - como sendo «minhamente alheias».
O recurso aos heterónimos consiste, pois, numa passagem da expressão pessoal, isto é, de uma personalidade que seria a do autor, para uma personificação estética que é já a do texto ou da escrita. É com este sentido que Pessoa utilizou aquela expressão, de modo que a rotação que se faz da personalidade propriamente dita para a personificação estética implica múltiplas questões que foram abordadas pelo poeta ou estão implícitas em tal noção: o papel desempenhado pelo autor, a sinceridade ou autenticidade, o fingimento (expressão que se torna central na sua poética e que o início de um poema seu consagrou: «o poeta é um fingidor»), o caráter dramático da poesia, a redução da subjetividade, etc.
Pessoa afirma, referindo-se aos heterónimos: «Não há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.». Passa-se, numa afirmação como esta, do plano da escrita poética para o da leitura, havendo nesta uma circularidade que a vai fixar, finalmente, na própria realidade textual; ler os heterónimos «como estão» circunscreve a sua realidade à do texto que, por sua vez, lhes confere a realidade que é a da própria escrita."
Pessoa afirma, referindo-se aos heterónimos: «Não há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.». Passa-se, numa afirmação como esta, do plano da escrita poética para o da leitura, havendo nesta uma circularidade que a vai fixar, finalmente, na própria realidade textual; ler os heterónimos «como estão» circunscreve a sua realidade à do texto que, por sua vez, lhes confere a realidade que é a da própria escrita."
Fernando Guimarães, «Heteronímia - Poética»,
in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português
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