Mouzinho da Silveira secularizou,
ainda nos Açores, alguns conventos. Mas foi o decreto de 1843, devido a Joaquim
António de Aguiar (a que, por isso, se chamou depois o Mata-Frades), que
pôs termo à maioria das ordens religiosas e lhes nacionalizou os bens. O
processo de extinção e confisco prolongou-se depois por muito tempo e em 1864 e
após a implantação do regime republicano voltaram a verificar-se secularizações
em grande escala.
A propriedade eclesiástica tinha, em
1820, uma extensão enorme. Começara a formar-se muito antes da monarquia;
muitos solos nacionalizados durante o século XIX pertenciam à Igreja desde a
época visigótica. Geração após geração, esse património tinha sido aumentado
por dádivas e legados testamentários, porque, durante muitos séculos, os fiéis
acreditaram que o que neste mundo dessem à Igreja seria levado em conta no
julgamento dos pecados, habilitando-os, portanto, a um lugar no Paraíso. Os
reis lutaram, a partir de D. Afonso II, contra essa acumulação de riqueza, mas
nunca conseguiram impedi-la por completo; e o que entrava uma vez na posse da
Igreja não voltava a sair, porque o direito canónico proibia a alienação de
bens. Não existe um cálculo seguro sobre o valor da riqueza imobiliária da
Igreja e do clero ao iniciar-se a revolução liberal, mas as estimativas andam à
volta de uma terça parte do conjunto das terras cultivadas. Havia, além disso,
muitas centenas de edifícios e avultados bens imóveis, designadamente valores
artísticos. Era nos conventos e igrejas, não nos palácios dos nobres, que se
acumulava o tesouro artístico nacional.
Tudo foi posto em hasta pública e vendido. A afluência ao
mercado imobiliário de muitos milhares de grandes e pequenas propriedades, numa
fase de crise económica, provocou uma grande baixa de valores e a venda rendeu
muito menos do que o previsto. Poucas pessoas tinham dinheiro para comprar; em
1837, o número de prédios vendidos era já de sete mil e quinhentos, mas o
número dos compradores era dez vezes menor.
O resultado social também não correspondeu às expectativas; julgava-se
que da venda iria resultar a divisão, o acesso à propriedade dos cultivadores
pobres, e, portanto, uma reforma agrária. De facto, os pobres eram pobres de
mais para poder comprar e a operação favoreceu especuladores que dispunham de
dinheiro, ou principalmente de crédito, e levou à constituição da grande
propriedade. Mesmo assim, não foi possível vender tudo. Durante muitos anos, os
antigos bens da Igreja, agora denominados bens nacionais, foram uma espécie de
reserva a que o Estado recorria nas alturas de aperto, que aliás eram
constantes. Quando, por exemplo, foi preciso pagar à Câmara de Lisboa dezasseis
contos pelo terreno em que se ia construir o Teatro Nacional, em Lisboa, o
Governo, para realizar esse dinheiro, teve de mandar vender o Convento da Cartuxa,
de Évora, e mais três grandes herdades no Alentejo, e tudo reunido não valeu
mais do que quinze contos. Por fim, na posse do estado ficaram só os grandes
conventos, onde foram instalados quartéis, repartições públicas e tribunais.
José Hermano Saraiva, História
Concisa de Portugal
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