Português: A extinção das Ordens Religiosas e a venda dos bens do Clero

terça-feira, 19 de novembro de 2019

A extinção das Ordens Religiosas e a venda dos bens do Clero


            Mouzinho da Silveira secularizou, ainda nos Açores, alguns conventos. Mas foi o decreto de 1843, devido a Joaquim António de Aguiar (a que, por isso, se chamou depois o Mata-Frades), que pôs termo à maioria das ordens religiosas e lhes nacionalizou os bens. O processo de extinção e confisco prolongou-se depois por muito tempo e em 1864 e após a implantação do regime republicano voltaram a verificar-se secularizações em grande escala.
            A propriedade eclesiástica tinha, em 1820, uma extensão enorme. Começara a formar-se muito antes da monarquia; muitos solos nacionalizados durante o século XIX pertenciam à Igreja desde a época visigótica. Geração após geração, esse património tinha sido aumentado por dádivas e legados testamentários, porque, durante muitos séculos, os fiéis acreditaram que o que neste mundo dessem à Igreja seria levado em conta no julgamento dos pecados, habilitando-os, portanto, a um lugar no Paraíso. Os reis lutaram, a partir de D. Afonso II, contra essa acumulação de riqueza, mas nunca conseguiram impedi-la por completo; e o que entrava uma vez na posse da Igreja não voltava a sair, porque o direito canónico proibia a alienação de bens. Não existe um cálculo seguro sobre o valor da riqueza imobiliária da Igreja e do clero ao iniciar-se a revolução liberal, mas as estimativas andam à volta de uma terça parte do conjunto das terras cultivadas. Havia, além disso, muitas centenas de edifícios e avultados bens imóveis, designadamente valores artísticos. Era nos conventos e igrejas, não nos palácios dos nobres, que se acumulava o tesouro artístico nacional.
            Tudo foi posto em hasta pública e vendido. A afluência ao mercado imobiliário de muitos milhares de grandes e pequenas propriedades, numa fase de crise económica, provocou uma grande baixa de valores e a venda rendeu muito menos do que o previsto. Poucas pessoas tinham dinheiro para comprar; em 1837, o número de prédios vendidos era já de sete mil e quinhentos, mas o número dos compradores era dez vezes menor.  O resultado social também não correspondeu às expectativas; julgava-se que da venda iria resultar a divisão, o acesso à propriedade dos cultivadores pobres, e, portanto, uma reforma agrária. De facto, os pobres eram pobres de mais para poder comprar e a operação favoreceu especuladores que dispunham de dinheiro, ou principalmente de crédito, e levou à constituição da grande propriedade. Mesmo assim, não foi possível vender tudo. Durante muitos anos, os antigos bens da Igreja, agora denominados bens nacionais, foram uma espécie de reserva a que o Estado recorria nas alturas de aperto, que aliás eram constantes. Quando, por exemplo, foi preciso pagar à Câmara de Lisboa dezasseis contos pelo terreno em que se ia construir o Teatro Nacional, em Lisboa, o Governo, para realizar esse dinheiro, teve de mandar vender o Convento da Cartuxa, de Évora, e mais três grandes herdades no Alentejo, e tudo reunido não valeu mais do que quinze contos. Por fim, na posse do estado ficaram só os grandes conventos, onde foram instalados quartéis, repartições públicas e tribunais.

                                               José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal


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