Português: A guerra civil

terça-feira, 19 de novembro de 2019

A guerra civil


            A situação de guerra civil dominou o país de 1828 até 1834. A primeira reacção militar contra o novo absolutismo deu-se logo em 1828, com uma revolta que, centrada no Porto, alargou a quase todas a s cidades para o norte do Mondego, com a adesão de oficiais que sublevaram as guarnições. Já nessa altura estavam refugiados em Inglaterra os principais chefes da causa liberal: Palmela, Terceira, Saldanha. Ao saberem dos acontecimentos de Portugal, fretaram um velho vapor, o Belfast, que os levou ao Porto, onde instalaram um Governo provisório. O mesmo navio lhes serviu para abandonarem a cidade à aproximação do exército miguelista. Esse episódio serviu para crismar a revolta, que ficou conhecida como a Belfastada. As tropas liberais saíram da cidade e conseguiram chegar à Galiza, onde uma parte embarcou para Inglaterra. O rescaldo da revolta foi o ensejo da primeira grande manifestação de terror miguelista: mais de mil prisões, julgamentos sumários, numerosas condenações à forca, das quais só se puderam cumprir doze porque a maioria dos condenados estava em Inglaterra. As profissões dos enforcados são boa amostra da composição social do partido liberal: quatro juristas, quatro funcionários públicos, quatro militares (três oficiais e um sargento). Desde 1820, as ideias liberais tinham conquistado muita gente e agora já não apenas no sector intelectual, mas em todas as camadas da população. A lista dos seiscentos e dezoito presos políticos que, entre 1828 e 1833, entraram na cadeia de São Julião da Barra é muito expressiva: 277 militares, 93 estudantes, professores e membros de profissões universitárias, 87 de profissões ligadas com o comércio, 78 com profissões populares, 52 funcionários públicos, 44 eclesiásticos, 31 proprietários e lavradores.
            Pela mesma altura revoltaram-se a favor dos liberais a Madeira e a ilha Terceira. A primeira foi dominada pelos miguelistas, mas a revolta terceirense aguentou-se firmemente e veio a ter consequências decisivas. Para ali se dirigiram os refugiados da Inglaterra quando o Governo inglês lhes começou a criar dificuldades e ali se puderam reunir forças dispersas do liberalismo perseguido.
            Mas em 1830 deu-se uma viragem na política europeia. Em Paris, a revolução de julho derrubou de vez a sobrevivência do Antigo Regime, representada pela monarquia aristocrática de Carlos X. A Santa Aliança revelou ter perdido então toda a sua força de dique anti-revolucionário e os movimentos liberais reanimaram-se fogosamente na Europa. Em Lisboa houve duas revoltas em 1831, uma delas movida pelos sargentos e liquidada por furiosos combates que fizeram mais de duzentos mortos. No próprio Brasil o vento de 1830 se fez sentir, aumentando a oposição popular ao Governo do imperador. Em 7 de Abril de 1831, perante um tumulto, D. Pedro abdicou da coroa imperial e embarcou para Inglaterra, parece que com a intenção de recuperar o trono português. Mas não encontrou apoio político da França nem da Inglaterra e passou a usar o título de duque de Bragança, regente de Portugal até que a rainha, sua filha, pudesse exercer o poder.
            Durante os meses que passou em Londres, conseguiu dinheiro emprestado, comprou navios de guerra, armas, recrutou mercenários. No ano imediato seguiu para os Açores e ali organizou a expedição que, em 8 de julho de 1832, desembarcou no Mindelo, numa praia escusa que ficava a cerca de três léguas da cidade do Porto.
            A esperança em que D. Pedro ia de ser recebido triunfalmente como libertador não se confirmou. O primeiro oficial enviado a terra para convencer as tropas miguelistas a aderir foi ameaçado de fuzilamento e reembarcou entre apupos e vivas a D. Miguel. A resistência ao desembarque ficou por aí. O exército invasor avançou sobre o Porto, que o exército miguelista abandonou sem combater.
            Durante um ano, a guerra limitou-se ao cerco do Porto. A desproporção das forças era grande: cerca de 80000 homens do lado miguelista, 7500 liberais. Mas uma hábil linha de fortificação foi criada à volta da cidade todos os esforços esbarraram contra ela. A esquadra garantiu sempre o acesso ao mar e isso permitiu o abastecimento de armas, mantimentos e soldados comprados ou recrutados em Inglaterra e França. A população portuense aderiu com firmeza à causa de D. Pedro e ajudou-o com dinheiro, trabalho, contingentes de soldados. Mas a situação agravava-se de mês para mês. A derrota chegou a parecer inevitável e fizeram-se diligências para uma mediação inglesa.
            Em junho de 1833 foi enviado ao Algarve um corpo de tropas para obrigar o exército absolutista a distrair forças, aliviando a pressão sobre o Porto. As províncias do Sul não estavam preparadas para a guerra e a pequena expedição pôde, quase sem resistência, apoderar-se do Algarve e marchar depois para Lisboa, onde entrou sem luta em 24 de julho.
            A ocupação da capital decidiu a guerra. A Inglaterra e a França reconheceram o Governo liberal. A luta continuou ainda, sangrenta e movimentada, por mais um ano, mas os absolutistas, enfraquecidos pelo desânimo, pelas deserções e pelas sucessivas derrotas, acabaram por depor as armas em maio de 1834 (Convenção de Évora Monte). D. Miguel embarcou para o exílio entre vaias populares, protegido por um esquadrão de cavalaria do exército vencedor.

                                               José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal


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