A situação de guerra civil dominou o
país de 1828 até 1834. A primeira reacção militar contra o novo absolutismo deu-se
logo em 1828, com uma revolta que, centrada no Porto, alargou a quase todas a s
cidades para o norte do Mondego, com a adesão de oficiais que sublevaram as
guarnições. Já nessa altura estavam refugiados em Inglaterra os principais
chefes da causa liberal: Palmela, Terceira, Saldanha. Ao saberem dos
acontecimentos de Portugal, fretaram um velho vapor, o Belfast, que os
levou ao Porto, onde instalaram um Governo provisório. O mesmo navio lhes
serviu para abandonarem a cidade à aproximação do exército miguelista. Esse
episódio serviu para crismar a revolta, que ficou conhecida como a Belfastada. As tropas liberais saíram da cidade e
conseguiram chegar à Galiza, onde uma parte embarcou para Inglaterra. O
rescaldo da revolta foi o ensejo da primeira grande manifestação de terror
miguelista: mais de mil prisões, julgamentos sumários, numerosas condenações à
forca, das quais só se puderam cumprir doze porque a maioria dos condenados
estava em Inglaterra. As profissões dos enforcados são boa amostra da composição
social do partido liberal: quatro juristas, quatro funcionários públicos,
quatro militares (três oficiais e um sargento). Desde 1820, as ideias liberais
tinham conquistado muita gente e agora já não apenas no sector intelectual, mas
em todas as camadas da população. A lista dos seiscentos e dezoito presos
políticos que, entre 1828 e 1833, entraram na cadeia de São Julião da Barra é
muito expressiva: 277 militares, 93 estudantes, professores e membros de
profissões universitárias, 87 de profissões ligadas com o comércio, 78 com
profissões populares, 52 funcionários públicos, 44 eclesiásticos, 31
proprietários e lavradores.
Pela mesma altura revoltaram-se a
favor dos liberais a Madeira e a ilha Terceira. A primeira foi dominada pelos
miguelistas, mas a revolta terceirense aguentou-se firmemente e veio a ter
consequências decisivas. Para ali se dirigiram os refugiados da Inglaterra
quando o Governo inglês lhes começou a criar dificuldades e ali se puderam
reunir forças dispersas do liberalismo perseguido.
Mas em 1830 deu-se uma viragem na
política europeia. Em Paris, a revolução de julho derrubou de vez a
sobrevivência do Antigo Regime, representada pela monarquia aristocrática de
Carlos X. A Santa Aliança revelou ter perdido então toda a sua força de dique anti-revolucionário
e os movimentos liberais reanimaram-se fogosamente na Europa. Em Lisboa houve
duas revoltas em 1831, uma delas movida pelos sargentos e liquidada por
furiosos combates que fizeram mais de duzentos mortos. No próprio Brasil o
vento de 1830 se fez sentir, aumentando a oposição popular ao Governo do
imperador. Em 7 de Abril de 1831, perante um tumulto, D. Pedro abdicou da coroa
imperial e embarcou para Inglaterra, parece que com a intenção de recuperar o
trono português. Mas não encontrou apoio político da França nem da Inglaterra e
passou a usar o título de duque de Bragança, regente de Portugal até que a rainha,
sua filha, pudesse exercer o poder.
Durante os meses que passou em
Londres, conseguiu dinheiro emprestado, comprou navios de guerra, armas,
recrutou mercenários. No ano imediato seguiu para os Açores e ali organizou a expedição
que, em 8 de julho de 1832, desembarcou no Mindelo, numa praia escusa que
ficava a cerca de três léguas da cidade do Porto.
A esperança em que D. Pedro ia de
ser recebido triunfalmente como libertador não se confirmou. O primeiro oficial
enviado a terra para convencer as tropas miguelistas a aderir foi ameaçado de
fuzilamento e reembarcou entre apupos e vivas a D. Miguel. A resistência ao
desembarque ficou por aí. O exército invasor avançou sobre o Porto, que o
exército miguelista abandonou sem combater.
Durante um ano, a guerra limitou-se
ao cerco do Porto. A desproporção das forças era grande: cerca de 80000 homens
do lado miguelista, 7500 liberais. Mas uma hábil linha de fortificação foi criada
à volta da cidade todos os esforços esbarraram contra ela. A esquadra garantiu
sempre o acesso ao mar e isso permitiu o abastecimento de armas, mantimentos e
soldados comprados ou recrutados em Inglaterra e França. A população portuense
aderiu com firmeza à causa de D. Pedro e ajudou-o com dinheiro, trabalho,
contingentes de soldados. Mas a situação agravava-se de mês para mês. A derrota
chegou a parecer inevitável e fizeram-se diligências para uma mediação inglesa.
Em junho de 1833 foi enviado ao
Algarve um corpo de tropas para obrigar o exército absolutista a distrair
forças, aliviando a pressão sobre o Porto. As províncias do Sul não estavam
preparadas para a guerra e a pequena expedição pôde, quase sem resistência,
apoderar-se do Algarve e marchar depois para Lisboa, onde entrou sem luta em 24
de julho.
A ocupação da capital decidiu a
guerra. A Inglaterra e a França reconheceram o Governo liberal. A luta
continuou ainda, sangrenta e movimentada, por mais um ano, mas os absolutistas,
enfraquecidos pelo desânimo, pelas deserções e pelas sucessivas derrotas,
acabaram por depor as armas em maio de 1834 (Convenção de Évora Monte). D.
Miguel embarcou para o exílio entre vaias populares, protegido por um esquadrão
de cavalaria do exército vencedor.
José
Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal
Sem comentários :
Enviar um comentário