À
violência da guerra civil sucedeu um período de decepção e de amolecimento
político. Entre 1874 e 1851 nada aconteceu: não se legislou nada de importante,
não houve conflitos graves, mas apenas rotinas parlamentares (a 1849 chamou-se
o «ano da caleche», porque o facto político dominante foi a revelação no Parlamento
de um caso de corrupção: Costa Cabral recebeu de um negociante uma caleche em
troca de uma encomenda). É nesta penumbra que ocorre o que parecia não ser mais
do que uma tentativa de revolução sem importância, porque não tinha ideias, e,
portanto, não tinha nem partidários nem adversários. O marechal Saldanha, que
tinha sido o comandante das tropas que combateram a Patuleia, aborreceu-se
porque o substituíram no lugar de mordomo-mor e foi proclamar a revolta num
quartel de Sintra. Ninguém aderiu. Dali foi a Mafra à procura de adeptos, mas
em vão. Correu os quartéis de Coimbra, Viseu, Porto: só decepções. Já estava
refugiado na Galiza quando soube que os regimentos do Porto resolviam aderir.
Voltou à cidade e foi aclamado com entusiasmo no Teatro de São João. Um orador
disse aí que não se tratava de uma revolução mais, mas do início de uma
regeneração da vida nacional. Essa ideia vinha ao encontro das aspirações de todos
depois dos escombros da guerra civil. E foi por Regeneração
que o movimento ficou conhecido.
A mesma dificuldade que Saldanha
teve em obter soldados encontrou-a o Governo para se opor à revolta. A rainha
teve de escrever para o Porto: “Faço justiça
aos sentimentos do marechal Saldanha. Peço-lhe que venha imediatamente a
Lisboa.”
E entregou-lhe o governo.
A política portuguesa entrou então
numa longa fase de estabilidade. A Carta continuou em vigor, mas o Acto
Constitucional deu satisfação a algumas reclamações setembristas: a eleição dos
deputados passou a fazer-se por sufrágio directo e o Parlamento ficou com o
direito de nomear comissões de inquérito aos actos do governo. Com essa emenda
deixava de haver cartistas e anticartistas; a corrente conservadora assumiu a
forma de Partido Regenerador, que é um cartismo adoçado, e a corrente democrática
deu origem ao Partido Histórico e um pouco mais tarde ao Partido Progressista,
de reminiscência setembrista. Eram, tanto um como outro, posições de centro. Ambos
afirmavam a sua dedicação à realeza, ambos eram sinceramente liberais, ambos se
propunham iniciar a reconstrução económica do país e meter mãos à solução da
questão financeira, que, entretanto, se tinha agravado constantemente.
Esta contiguidade ideológica e
programática tornou possível que a passagem do poder de um para outro partido
se processasse sem crises violentas. Estabeleceu-se então o rotativismo, que dominará
a actividade política até ao fim do século.
O rotativismo bipartidário era, na
Europa, um mecanismo típico do liberalismo parlamentar. O modelo era dado pela
Inglaterra: o rei, após cada acto eleitoral, entregava o Governo ao partido que
saísse vencedor nas eleições; deste modo obtinha-se que o Executivo exprimisse
a opinião da maioria. Mas no rotativismo português as coisas passavam-se ao
contrário: não era quem ganhava as eleições que subia ao poder, mas sim quem
subia ao poder que ganhava as eleições. O método para obter a concordância
entre Governo e resultado eleitoral era este: de cada vez que o rei nomeava
novo Ministério, decretava a dissolução das câmaras e marcava novas eleições.
Destas saía sempre vencedor o partido a que pertencia o Governo que o rei tinha
nomeado.
O sistema foi muito criticado. Ficou
famoso um epigrama do poeta João de Deus:
Há entre el-rei e o povo
Por certo um acordo eterno:
Por certo um acordo eterno:
Forma
el-rei Governo novo,
Logo
o povo é do Governo
Por
aquele acordo eterno
Que
há entre el-rei e o povo.
Graça
a esta harmonia,
Que
é realmente um mistério,
Havendo
tantas facções,
O
Governo, o Ministério, ganha sempre as eleições!
O “mistério” estava nas condições
sociais do país. A imensa maioria da população que o sistema de sufrágio
directo levava às urnas não tinha consciência política nem independência
económica e os partidos não dispunham de organização para a realização de
campanhas eleitorais. Para que o direito de voto se exercesse, era necessária a
intervenção dos “caciques” (palavra que, através da Espanha, nos veio das Caraíbas,
onde tinha o sentido de chefe de aldeia indígena). O caciquismo desempenhou
função básica no sistema eleitoral: era o cacique que estava em contacto com o
povo e era ele quem mandava votar. Mas, por sua vez, o cacique dependia de um
chefe político e este devia pagar a corretagem dos votos a favor do seu
partido. O pagamento fazia-se com nomeações, protecção e outros favores. O
Governo está em condições de fazer mais favores do que a oposição e isso, além
das irregularidades eleitorais, explicava que o Ministério ganhasse sempre as
eleições. O caciquismo foi, pois, um sistema de facto de sufrágio indirecto,
que se sobrepôs ao sistema de direito do sufrágio directo.
A vida política baseada nesta
engrenagem carecia de autenticidade; as eleições tornaram-se um dos temas
predilectos do sarcasmo e da caricatura nacional. Herculano chamou-lhes uma “vil comédia”. Perdeu-se a confiança nas
instituições e na representatividade dos quadros políticos. O aparelho político
não tinha raiz popular e o país popular não tinha expressão política. O
rotativismo foi-se assim esgotando a si mesmo e começou a desagregar-se nas
últimas décadas do século pelo processo das “dissidências”, isto é, por perdas
de unidade partidária que levavam ao aparecimento de novos partidos. O
bipartidarismo converteu-se em pluripartidarismo, tornando impossível o
funcionamento do sistema rotativo e acabando por conduzir à queda do
constitucionalismo monárquico.
José
Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal
Sem comentários :
Enviar um comentário