Português: O regresso ao Absolutismo

terça-feira, 19 de novembro de 2019

O regresso ao Absolutismo


            A evolução política espanhola decidiu a sorte da primeira experiência constitucional portuguesa. Fê-la nascer e fê-la morrer. Em 1823, um exército francês, agindo na execução do programa político antiliberal da Santa Aliança, penetrou em Espanha, derrotou os partidários da Constituição de 1812 e restaurou a monarquia absoluta. O facto não demorou muito a repercutir-se em Portugal.
            Por outro lado, a independência do Brasil (setembro de 1822) infligiu um golpe mortal nas Cortes e emprestou aos liberais grande impopularidade. Muita gente notava agora que um dos principais objectivos da Revolução, o de trazer de novo o Brasil à condição de colónia, falhara, disso culpando as Cortes. De forma semelhante, a crise económica iniciada por volta de 1817 e que afetava sobretudo a burguesia, impelindo-a para a Revolução, chegara ao seu termo, retirando a esta a sua justificação principal e empurrando aquela para uma prudência compreensível. O partido liberal, no poder, depressa se viu isolado e falho de apoio.
            Em Lisboa, o próprio palácio real conduzia a reacção às novas instituições. Os conspiradores uniam-se à volta de D. Carlota Joaquina, irmã do rei de Espanha e aguerrida adversária dos liberais, que chegou a recusar-se a jurar a Constituição. O infante D. Miguel, servia-lhe de instrumento para os manejos contra-revolucionários. Entretanto, o entusiasmo nos milagres que se esperavam da Constituição ia arrefecendo; o clero e a nobreza hostilizavam abertamente a revolução e o Governo parlamentar, cujas leis já não deixavam dúvidas de que os seus privilégios iam acabar. A burguesia ligada aos negócios sentiu-se desapontada com o rumo tomado pela questão do Brasil.
            Em 27 de Maio de 1823, o infante D. Miguel lançou em Vila Franca de Xira o pregão da revolta e proclamou a restauração do Absolutismo: “É tempo de quebrar o férreo jugo em que ignominiosamente vivemos.” O jugo era o liberalismo. A guarnição de Lisboa foi juntar-se aos revoltosos. Sem forças para resistir, as Cortes dissolveram-se e o rei aceitou os factos consumados, suspendendo a vigência da Constituição de 1822 e prometendo a promulgação de nova lei fundamental que garantisse «a segurança pessoal, a propriedade e os empregos». A essa revolta, que marca o fim do primeiro período constitucional, se ficou a chamar a Vila-Francada.
            Embora o infante D. Miguel se apresentasse como a cabeça do movimento anticonstitucional conhecido por Vila-Francada, não era de facto mais do que um instrumento nas mãos de vasto grupo de pessoas, onde alguns dos revoltosos de 1820 desempenhavam papel de relevo. Todavia, e exactamente como sucedera em 1820, a contra-revolução podia agora definir-se como um movimento «contra» qualquer coisa, mais do que a favor de um ideário e de uma acção precisos. Tudo isto se tornou claro à medida que o tempo foi passando e os contra-revolucionários se dividiram numa ala direita extremista chefiada por D. Miguel e por sua mãe, e numa ala moderada do centro, simbolizada pelo rei e pelo Governo. Descontente e impaciente, a primeira voltou a conspirar e revoltou-se uma vez mais em abril de 1824 (Abrilada).
            D. João VI procurou refúgio a bordo de um navio de guerra inglês surto no Tejo e, daí, apoiado pela Inglaterra, obrigou D. Miguel a submeter-se. O infante deixou o país e o partido do centro voltou ao poder. Até à morte do rei (março de 1826), Portugal foi governado por um absolutismo moderado, ainda que, sem dúvida, mais virado para a Direita do que para a Esquerda. A prometida Constituição nunca se concretizou, anunciando até o monarca a sua intenção de convocar as Cortes á maneira antiga. Numerosos liberais fugiram do país, exilando-se em Inglaterra e em França.
            A morte de D. João VI veio criar um problema de difícil resolução. O filho primogénito, D. Pedro, era o imperador do Brasil. E embora ninguém tivesse, até à data, posto em dúvida os seus direitos ao trono de Portugal, parecia óbvio que nem brasileiros nem portugueses aceitariam uma reunião das suas coroas, mesmo com estatutos separados e autónomos. Assim, D. Pedro, aclamado em Portugal como D. Pedro IV logo que seu pai morreu, abdicou sem demora (uma semana depois de o falecimento do rei ser conhecido no Brasil) a favor de sua filha Maria da Glória – uma menina de sete anos – sob a condição de ela casar com seu tio D. Miguel, ao qual era confiada a regência do Reino. Ao mesmo tempo, D. Pedro outorgava a Portugal uma constituição conservadora (Carta Constitucional), apressadamente redigida. Concedeu também uma amnistia e nomeou os primeiros Pares do Reino, escolhidos tanto entre os partidários do Absolutismo como do Liberalismo. D. Pedro tentava assim continuar a política de compromisso de seu pai, até ao extremo de chamar D. Miguel, cabeça da facção extremista, e de lhe confiar plenos poderes governativos durante, pelo menos, onze anos.
            Em Portugal, e apesar de muita gente criticar as abruptas decisões de D. Pedro (tomadas sem primeiramente jurar o tradicional voto de fidelidade à Nação) e rejeitar a ideia de uma Constituição, aquela solução foi geralmente aceite. A regente interina, infanta Isabel Maria, fez aclamar a nova rainha (D. Maria II) e jurara a Carta em todo o país, organizando ao mesmo tempo as eleições para as novas Cortes. Em Viena (onde D. Miguel estava a residir), o infante e futuro regente aceitou as condições do seu irmão, jurou a Carta e realizou os esponsais com a sobrinha. Nos fins de 1827 deixou a Áustria, chegando a Portugal, via Paris e Londres, em fevereiro de 1828.
            Já então se desvanecera por completo o primitivo clima de conciliação. Os liberais, dotados novamente de uma constituição e de um Parlamento, gritavam vitória e exibiam-se nas ruas em manifestações arrogantes. Os absolutistas davam-se conta de que a manutenção do statu quo significava derrota e um regresso ao odioso período constitucional. Não tardaram a invocar toda a espécie de razões para provar que D. Pedro não tinha direito à coroa – visto que proclamara a independência do Brasil e traíra, consequentemente, Portugal – e que, portanto, não a podia transmitir a ninguém. D. Miguel, alegavam, era o legítimo herdeiro e soberano. Aqui e além registaram-se levantamentos militares e guerrilhas. Por curto espaço de tempo, em 1826-27, houve mesmo um esboço de guerra civil com auxílio espanhol.
            O Governo tinha pouca força e menos decisão para conter as erupções de violência. Mas era claro que se inclinava mais para a corrente absolutista do que para a liberal. A fim de se proteger a si próprio e à situação vigente, solicitou até ao Governo inglês o envio de um contingente militar que se manteve estacionado em Lisboa durante algum tempo.
            De regresso ao país, D. Miguel jurou novamente fidelidade a D. Pedro e a D. Maria II, assim como à Constituição. Estava, todavia, sujeito a pressões constantes, oriundas de todos os grupos sociais e, principalmente, dos seus conselheiros mais chegados, para esquecer juramentos e se fazer proclamar rei absoluto. Os Governos austríaco e espanhol também se mostravam favoráveis à restauração do Absolutismo. Em março de 1828, D. Miguel dissolveu as Cortes, voltando a convocá-las em maio seguinte, mas à maneira antiga, por ordens. Nelas foi proclamado rei (julho de 1828), ao que imediatamente anuiu. As potências estrangeiras retiraram os seus representantes diplomáticos até 1829, data em que quase todas elas – mas não as três principais, Inglaterra, França e Áustria – formalmente reconheceram a realeza miguelista.

                                               A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal


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