De
facto, o título do texto remete exatamente para o traçar do próprio
retrato, tanto físico (as feições do rosto e do corpo) como psicológico (do
qual ressalta a angústia existencial interior, motivada pela consciência da
passagem do tempo).
O
sujeito poético começa por constatar a mudança operada no seu rosto, graças à
passagem do tempo: “Eu não tinha este rosto de hoje” – v. 1. No segundo verso,
são enumeradas três características desse rosto: “calmo”, “triste” e “magro”.
Destes traços ressalta a tristeza do «eu», originada talvez pela própria mudança
e pela consciência tardia da transitoriedade da vida. O tom negativo do retrato
é acentuado nos dois versos seguintes (anafóricos), que acrescentam mais duas
características: os olhos vazios e o lábio amargo. Os olhos azuis parecem sugerir
o vazio existencial que marca o presente do «eu», enquanto o lábio (note-se o
uso do singular) evidencia a sua amargura e, por extensão, sugere a ausência do
sorriso, motivados pela perda da beleza (do próprio «eu» e da vida).
Deste
modo, a primeira quadra destaca a preocupação, a tristeza, a amargura e a
melancolia do sujeito poético por causa da passagem do tempo e do
envelhecimento, bem evidentes nas mudanças que constata terem-se operado.
Note-se, ainda, o facto de os elementos corporais servirem não tanto para a
descrição de traços físicos, mas sim psicológicos. A única característica
física que é associada ao rosto é a magreza e, ainda assim, serve como
«justificação» para a sua tristeza.
No
verso inicial da terceira estrofe, o sujeito poético prossegue o seu
autorretrato descrevendo as mãos, que representam, frequentemente, a força e o
trabalho. No caso do poema, é destacada a sua fraqueza / fragilidade (“sem
força” – v. 5) e, logo de seguida, são descritas como “Tão paradas e frias e
mortas” (polissíndeto e tripla adjetivação), enfatizando a sua degradação e
frieza. O terceiro verso foca-se no coração, que perdeu o seu vigor e os
sentimentos, pois o «eu» observa-o e constata que está escondido: “Eu não tinha
este coração / Que nem se mostra.”
Na
terceira quadra, o sujeito lírico revela que não se apercebeu da ocorrência da
mudança ao longo dos anos: “Eu não dei por essa mudança”. Que mudança foi essa?
“Tão simples, tão certa, tão fácil.”. A tripla adjetivação, a anáfora e a
reiteração do advérbio «tão» reforçam o caráter da transitoriedade, que ocorreu
tanto física quanto interiormente. A mudança ocorreu de forma rápida e cruel.
Nos derradeiros
dois versos, está presente uma metáfora e uma interrogação em forma de discurso
direto, anunciado pelos dois pontos e pelo travessão: o espelho representa um tempo
passado, onde as feições eram outras e marcavam uma outra idade, e a face é o
reflexo da passagem do tempo e da velhice, em suma, do decurso da vida. O
último verso sintetiza uma reflexão existencial profunda: onde foi que a
essência do «eu» lírico se perdeu?
Em
suma, Cecília Meireles questiona, neste texto, a mudança na vida do ser humano decorrente
da passagem do tempo no sentido do envelhecimento. Os anos passam, o aspeto
físico das pessoas altera-se, as doenças surgem, as limitações físicas
acentuam-se e tudo isso se reflete na parte psicológica.
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