Português: Análise da cena 15 da Farsa de Inês Pereira - Monólogo de Inês

terça-feira, 19 de abril de 2022

Análise da cena 15 da Farsa de Inês Pereira - Monólogo de Inês

 
● Inês fica fechada em casa a lavrar e a cantar, lamentando a sua sorte. A cantiga que entoa (“Quem bem tem e mal escolhe / por mal que lhe venha nam s’anoje”) demonstra que a jovem que tem todas as condições para viver feliz e faz uma má escolha não pode queixar-se do mal que lhe acontece.
 
● Em que se baseia esta mágoa de Inês? Desiludida e desencantada, compreende que teve a oportunidade de casar com um homem de bem, Pero Marques, mas iludiu-se e rejeitou-o, não lhe restando outra alternativa que não resignar-se com a situação.
  De facto, ela acreditava que os fidalgos fossem homens gentis, simpáticos e cavalheiros com as suas mulheres, apesar de corajosos, audazes, destemidos e impiedosos na guerra, no entanto compreende que o facto de um homem ser nobre não significa que seja respeitador e educado, por isso renega o modelo de marido imaginado até então. Ela queria casar com um cavaleiro culto e de boas maneiras, mas Brás da Mata revela-se exatamente o oposto do que ela sonhara.
 
● Lembrando-se do seu marido, que a maltrata, Inês alude a um ditado popular que diz que quem procede como aquele procedeu é um homem covarde, o que reforça a sua convicção.
 
● Assim, Inês jura que, se ficar solteira de novo, como ela deseja, só se casará com um marido dócil, que lhe faça todas as vontades, que ela possa dominar e lhe permita fazer na vida o que bem entender. Deste modo, vingar-se-ia da situação que vive no presente (“Deste mal e deste dano”). Esta caracterização encaixa perfeitamente em Pero Marques, pois a sua simplicidade, a dedicação, a promessa de esperar pela decisão de Inês, apesar do desdém com que foi tratado, indiciam que ele será um marido humilde e submisso.
 
 
Estado de espírito de Inês
 
            Inês mostra-se desiludida e revoltada com a sua situação e constata que foi precipitada e imprudente aquando da escolha do marido. Além disso, arrepende-se de não ter optado por um pretendente mais dócil e promete vingar-se do seu destino.
 

 

Inês

Casamento com o Escudeiro

 

 

Antes

(Monólogo dos vv. 1-36)

Depois

(Monólogo dos vv. 834-862)

Estado de espírito e suas causas

aborrecida e irritada

dececionada e triste

Desejo manifestado

libertar-se da influência da Mãe através do casamento

ficar novamente solteira para poder escolher um marido diferente

Modelo de marido

um homem discreto, não necessariamente bonito ou rico e meigo

um homem honesto, pacífico, que a deixe fazer o que ela quiser

 
 
Paralelismo da situação atual com a do início da peça
 
            A situação que Inês vive atualmente é muito idêntica ao início da peça, com Inês enclausurada em casa, amargurada com a sua situação. A Mãe, tal como Brás da Mata, dá-lhe ordens e trata-a com descortesia (“Como queres tu casar / com fama de preguiçosa?”).
 

Inês solteira

=

Inês casada

Local onde está

Casa da Mãe, fechada

 

Local onde está

Sua casa (que lhe foi dada pela mãe, aquando do casamento), fechada.

Atividades a que se dedica

Bordado e canto

 

Atividades a que se dedica

Bordado e canto

Estado de espírito

Insatisfeita com a vida, lamentando a sua sorte

 

Estado de espírito

Insatisfeita com a vida, lamenta-se da sua sorte

Conteúdo do monólogo

Renega o que está a fazer, queixa-se de estar fechada e deseja sair do seu «cativeiro» casando

 

Conteúdo do monólogo

Renega o que está a fazer, queixa-se de estar fechada e espera sair do seu «cativeiro» depois da casada, arrependendo-se da decisão que tomou

 

Visão que tem do futuro marido

Homem “avisado”, de boas maneiras, tocador de viola e versejador, que lhe proporcione uma vida com diversão

 

Visão que tem do marido

Homem insensível e tirano, que quer mantê-la presa, não permitindo que saia de casa ou chegue à janela

 
 
Composição da personagem Inês Pereira
 
            Inês é uma personagem modelada, dado que evolui ao longo da peça. Assim, no início, mostra-se infeliz e aborrecida com a sua vida. Quando se casa, vive um momento fugaz de felicidade e alegria, retoma o estado de espírito do início do auto, lamentando a sua situação, reconhecendo que errou e arrependendo-se de ter casado com o Escudeiro.
 
 
● De notar, a nível estilístico, a anáfora dos versos 869 e 870 e a ironia na fala de Inês, fechada, tecendo considerandos sobre a sua situação e sobre o comportamento do marido. Por outro lado, está presente a metonímia: a referência a «cavalarias» e a «mouros» remete para os comportamentos e as virtudes que deveriam caracterizar um nobre – o ideal de cavalaria e a coragem na guerra contra os infiéis.

Sem comentários :

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...