● Inês fica fechada em casa a lavrar e a
cantar, lamentando a sua sorte. A cantiga que entoa (“Quem bem tem e mal
escolhe / por mal que lhe venha nam s’anoje”) demonstra que a jovem que tem
todas as condições para viver feliz e faz uma má escolha não pode queixar-se do
mal que lhe acontece.
● Em que se baseia esta mágoa de Inês? Desiludida
e desencantada, compreende que teve a oportunidade de casar com um homem de
bem, Pero Marques, mas iludiu-se e rejeitou-o, não lhe restando outra
alternativa que não resignar-se com a situação.
De
facto, ela acreditava que os fidalgos fossem homens gentis, simpáticos e
cavalheiros com as suas mulheres, apesar de corajosos, audazes, destemidos e impiedosos
na guerra, no entanto compreende que o facto de um homem ser nobre não
significa que seja respeitador e educado, por isso renega o modelo de marido
imaginado até então. Ela queria casar com um cavaleiro culto e de boas
maneiras, mas Brás da Mata revela-se exatamente o oposto do que ela sonhara.
● Lembrando-se do seu marido, que a maltrata,
Inês alude a um ditado popular que diz que quem procede como aquele procedeu é
um homem covarde, o que reforça a sua convicção.
● Assim, Inês jura que, se ficar solteira de
novo, como ela deseja, só se casará com um marido dócil, que lhe faça todas as
vontades, que ela possa dominar e lhe permita fazer na vida o que bem entender.
Deste modo, vingar-se-ia da situação que vive no presente (“Deste mal e deste
dano”). Esta caracterização encaixa perfeitamente em Pero Marques, pois a sua
simplicidade, a dedicação, a promessa de esperar pela decisão de Inês, apesar
do desdém com que foi tratado, indiciam que ele será um marido humilde e
submisso.
● Estado de espírito de Inês
Inês mostra-se desiludida e
revoltada com a sua situação e constata que foi precipitada e imprudente
aquando da escolha do marido. Além disso, arrepende-se de não ter optado por um
pretendente mais dócil e promete vingar-se do seu destino.
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Inês
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→
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Casamento
com o Escudeiro
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↓
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Antes
(Monólogo
dos vv. 1-36)
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Depois
(Monólogo
dos vv. 834-862)
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Estado
de espírito e suas causas
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aborrecida
e irritada
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dececionada
e triste
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Desejo
manifestado
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libertar-se
da influência da Mãe através do casamento
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ficar
novamente solteira para poder escolher um marido diferente
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Modelo
de marido
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um
homem discreto, não necessariamente bonito ou rico e meigo
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um
homem honesto, pacífico, que a deixe fazer o que ela quiser
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● Paralelismo da situação atual com a do início da peça
A situação que Inês vive atualmente
é muito idêntica ao início da peça, com Inês enclausurada em casa, amargurada
com a sua situação. A Mãe, tal como Brás da Mata, dá-lhe ordens e trata-a com
descortesia (“Como queres tu casar / com fama de preguiçosa?”).
Inês
solteira
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=
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Inês
casada
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Local
onde está
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Casa
da Mãe, fechada
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Local
onde está
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Sua
casa (que lhe foi dada pela mãe, aquando do casamento), fechada.
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Atividades
a que se dedica
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Bordado
e canto
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Atividades
a que se dedica
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Bordado
e canto
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Estado
de espírito
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Insatisfeita
com a vida, lamentando a sua sorte
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Estado
de espírito
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Insatisfeita
com a vida, lamenta-se da sua sorte
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Conteúdo
do monólogo
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Renega
o que está a fazer, queixa-se de estar fechada e deseja sair do seu
«cativeiro» casando
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Conteúdo
do monólogo
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Renega
o que está a fazer, queixa-se de estar fechada e espera sair do seu
«cativeiro» depois da casada, arrependendo-se da decisão que tomou
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↓
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↓
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Visão
que tem do futuro marido
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Homem
“avisado”, de boas maneiras, tocador de viola e versejador, que lhe
proporcione uma vida com diversão
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Visão
que tem do marido
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Homem
insensível e tirano, que quer mantê-la presa, não permitindo que saia de casa
ou chegue à janela
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● Composição da personagem Inês Pereira
Inês é uma personagem modelada,
dado que evolui ao longo da peça. Assim, no início, mostra-se infeliz e
aborrecida com a sua vida. Quando se casa, vive um momento fugaz de felicidade
e alegria, retoma o estado de espírito do início do auto, lamentando a sua
situação, reconhecendo que errou e arrependendo-se de ter casado com o
Escudeiro.
● De notar, a nível estilístico, a anáfora dos versos 869 e 870 e a ironia na fala de Inês, fechada,
tecendo considerandos sobre a sua situação e sobre o comportamento do marido.
Por outro lado, está presente a metonímia: a referência a «cavalarias» e
a «mouros» remete para os comportamentos e as virtudes que deveriam
caracterizar um nobre – o ideal de cavalaria e a coragem na guerra contra os
infiéis.
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