Português: Análise de "A Carne é triste depois da felação", de C. Drummond de Andrade

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Análise de "A Carne é triste depois da felação", de C. Drummond de Andrade


             Este poema integra o livro póstumo de Carlos Drummond de Andrade, O amor natural, publicado em 1992, e é caracterizado por um tom claramente melancólico.
            O sujeito poético começa por declarar que “A carne é triste depois da felação”. O nome «carne» materializa a humanidade que há no homem, ou seja, “A carne é triste” corresponde à humanidade, ao homem, à própria existência, que é (são) triste(s). Por seu turno, o nome «carne» é o tecido muscular, o músculo, pelo que podemos entender a «carne» como referindo-se ao pénis, que, por sua vez, constituirá uma metonímia do corpo. Assim sendo, o pénis é triste depois da felação, nome que se refere ao gozo sexual provocado pela sucção.
            Será que antes da felação a carne já era triste? Ou se é apenas “Depois do sessenta-e-nove [que] a carne é triste”? A repetição do adjetivo «triste», caracterizando o pós-felação e o pós-sessenta-e-nove, indicia que o «eu» se sente dececionado e insatisfeito, ideia que parece ser confirmada pelos versos “Não há mais nada / após esse tremor?” O gozo parece conduzir ao vazio, à incompletude e, desse modo, à melancolia. O próprio prazer é posto em questão, por causa da sua natureza aparentemente contraditória (“tão fundo na aparência mas tão raso / na eletricidade do minuto?” e até antonímica: “fundo na aparência” mas “tão raso”.
            A forma do poema parece mimetizar o sexo oral: os dois primeiros versos têm 11 sílabas métricas; os dois seguintes, 10; os dois pares subsequentes são formados por um eneassílabo (9 sílabas métricas) e um decassílabo. A alternância 9-10, 9-10 forma em si mesma um par e, também, aponta para um vai e volta. Assim sendo, este emparelhamento e movimento entre pares de versos (dois hendecassílabos, dois decassílabos e dois eneassílabos) parecem remeter (mimetizar) para o sexo oral, sugestão que é reforçada pelo penúltimo verso: “e gosma”. Note-se como este verso é breve, sugerindo o instante pontual do prazer do orgasmo. O último verso – “escorre lentamente de tua vida” – indicia o momento da ejaculação. Estes dois versos complementam-se: “e gosma” significa “e goza” e de “escorre lentamente de tua vida” parecem pulsar jatos de sémen (inclusive na alternância entre sílabas tónicas e átonas). Convém ainda atentar no predomínio de sons consonânticos oclusivos (/g/, /k/, /t/ e /v/),que se pronunciam fechando-se totalmente o aparelho fonador, sem dar espaço para o ar sair, o que sugere o “emparedamento” do sujeito poético perante a constatação imediatamente posterior ao orgasmo de que “Já se dilui o orgasmo na lembrança”, não havendo “mais nada”. O que resta? A melancolia e a tristeza que sucede à felação.

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