Zezé precisa de cerca de uma semana para começar a recuperar fisicamente. Psicologicamente, fica devastado e interioriza a ideia de que não tem qualquer valor e de que talvez nem devesse ter nascido, pois todos à sua volta o castigam e insultam. Perde a vontade de brincar e sente-se vazio, passando o tempo a observar, em silêncio, Luís a brincar. Decide então mudar os seus interesses: deixa de se interessar por filmes de cowboys e passa a ver apenas películas de amor, os quais lhe mostram pessoas que se amam e são felizes. Trata-se, no fundo, de uma forma de compensar a falta de afeto que sente.
Mal sente forças para sair de novo, procura o seu amigo português. Encontra-o numa confeitaria. Zezé mostra-se triste e, ao aperceber-se dessa tristeza, Manuel Valadares convida-o para dar uma volta de carro. No trajeto, o narrador desabafa toda a dor acumulada dentro de si, dando nota da violência sofrida em casa, da pobreza da família, e chega a confessar que tinha decidido atirar-se para baixo do Mangaratiba nessa noite, para terminar com todo o seu sofrimento. O Portuga, profundamente comovido com o que acabar de ouvir, consola-o, dizendo-lhe que é uma criança inteligente, sensível e querido. Além disso, promete-lhe um passeio a dois até ao Guandu, no sábado, para pescar. Preocupado com a desculpa que terá de inventar para justificar a sua ausência e com as possíveis consequências se for descoberta a mentira, Valadares questiona-o sobre o assunto, mas Zezé tranquiliza-o, dizendo-lhe que toda a família prometeu a Glória não lhe bater até ao final daquele mês.
No dia combinado e durante o caminho, a criança reflete sobre o seu próprio comportamento: apesar de se mostrar carinhoso e bem-comportado quando está na companhia do amigo português, por exemplo, reconhece que é travesso e que gosta de pregar partidas e fazer travessuras. Para ilustrar o que acaba de dizer, conta uma das suas traquinices mais ousadas: um dia, ao ver Tio Edmundo a dormir numa rede nova que acabara de comprar, aproveitou um momento de distração do homem e, com fósforos e pedaços de jornal, fez uma pequena fogueira debaixo da rede, causando um enorme susto no indivíduo, que acordou sobressaltado, pensando que o responsável pelas chamas tinha sido ele mesmo e o seu cigarro.
Chegados ao destino, escolhem um espaço aberto, com uma árvore enorme e imponente, para assentar arraiais. Manuel Valadares diz que a planta se chama Rainha Carlota e que deve ser tratada com respeito e reverência, como se fosse uma majestade, no que parece ser uma alusão à rainha D. Carlota Joaquina. Juntos, deixam os seus objetos à sombra da árvore, preparam os apetrechos de pesca, e o Portuga explica ao narrador onde poderá brincar sem perigo, enquanto ele se dedica à pescaria. A criança delicia-se com o ambiente que o rodeia, mergulha os pés na água, observa os sapos, as folhas e os seixos arrastados pela corrente e, enquanto o faz, recorda os versos ditos por Glória, compreendendo que a poesia se manifesta nas pequenas coisas.
Quando chega a hora do almoço, Valadares pede-lhe que se lave antes de comer, porém Zezé mostra-se renitente, porque não quer que o novo amigo veja as marcas e cicatrizes deixadas pelas sovas que tem levado. O homem percebe a hesitação da criança, por isso não o força e apenas lhe diz, com a voz embargada, que, se a higiene lhe causa dor, não precisa de entrar na água, porém o menino retorque que as feridas já não lhe doem.
Terminada a refeição simples (pão, salame, ovos, mariolas e bananas), aproveitam a sombra da grande árvore. Manuel Valadares deita-se para dormir a sesta, com o narrador preso nos seus braços, visto que receia que, endiabrado como é, se envolva nalguma confusão. Nesse momento, Zezé pergunta-lhe se é verdade que gosta muito dele, como afirmara na confeitaria a seu Ladislau. Perante a resposta afirmativa, levanta a possibilidade de ser adotado, ou mesmo comprado, pelo português. Na sua opinião, a família aceitaria bem a ideia, visto que seria uma boca a menos para alimentar, tal como já tinha sucedido com uma irmã, que fora «dada» para viver com uma prima no Norte. Manuel Valadares fica profundamente emocionado, com lágrimas a escorrer dos olhos, e explica-lhe que isso não será possível, que a vida não se resolve dessa forma e que ele não poderá tirá-lo à família, mas, em contrapartida, promete-lhe que, a partir daquele momento, passará a tratá-lo como se fosse, realmente, seu filho. Ao contínuo, Zezé beija-lhe o rosto, selando, desta forma, um vínculo profundo entre ambos.
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