A cena
inicial do quarto ato é breve e foca-se numa espécie de traição que Gertrudes
comete relativamente ao seu filho, concretamente por ter contado a Cláudio o
encontro que tivera com Hamlet, quando lhe havia prometido não o fazer. A
rainha mostra-se, pois, desleal para com o filho, ao contar ao atual marido que
aquele assassinara Polónio, embora não lhe dê conta que o jovem príncipe estava
a fingir ser louco. O que significa esta atitude da rainha? Acredita que Hamlet
está efetivamente louco, ou, astutamente, reflete e reconhece que o seu
interesse reside em se aliar ao marido? Por outro lado, não nos podemos
esquecer que Gertrudes é a rainha da Dinamarca, o que implica um conjunto de
deveres. Assim sendo, tendo em conta que Polónio era um nobre conhecido e, até
certo ponto, respeitado, pelo que esconder a notícia da sua morte poderia ser
considerado um ato de traição relativamente aos seus deveres enquanto soberana.
Por seu turno,
Cláudio esforça-se por aparentar calma enquanto ouve o relato da esposa, mas
claramente reconhece que os últimos acontecimentos constituem a oportunidade perfeita
para exilar Hamlet para Inglaterra. Cláudio é um rei oportunista, ambicioso e
egoísta, preocupado apenas em conservar o seu poder a todo o cisto, evitando
tudo o que possa constituir uma ameaça a essa ambição. Afinal, ele não hesitou
em assassinar o próprio irmão para conquistar a coroa e o poder que lhe está
inerente. Deste modo, mais do que nunca, Hamlet deve ser enviado para
Inglaterra, não para o punir por ter assassinado Polónio, mas porque a sua
presença na Dinamarca representa um perigo para o próprio Cláudio.
O leitor /
espectador facilmente se apercebe que o rei se está a aproveitar da situação
para dar andamento aos seus planos sinistros relativamente ao sobrinho, mas
também apreende uma diferença comportamental entre ambos: Cláudio age
rapidamente, enquanto Hamlet é uma figura hesitante. No entanto, apesar de não
perder tempo em pôr em marcha o seu plano, o rei não descura o modo como o
concretizar, preocupando-se em controlar os danos. É por isso que, após a saída
do Rosencrantz e Guildenstern, sugere que ele e Gertrudes procurem os seus mais
próximos para lhes narrar o que aconteceu. De facto, no seu pensamento, ao
divulgar os acontecimentos segundo a sua visão e interesses, evitará que o
crime de Hamlet o manche a si e justificará a premência da partida do sobrinho.
O seu caráter fingido e dissimulado acentua-se quando não tem pejo em afirmar
que não mandou Hamlet embora mais cedo por razões sentimentais, procurando transmitir,
desta forma, a imagem de alguém atencioso e generoso. Dada disto, obviamente,
corresponde à verdade.
No que diz
respeito a Hamlet, o assassinato de Polónio constitui um momento de viragem no
seu percurso e na sua caracterização. De facto, antes de ter matado um homem
inocente, era possível olhá-lo com olhar benévolo, compreensivo e até
solidário, pois estávamos na presença de alguém profundamente marcado pela
morte do pai e pelo confronto e as exigências do seu fantasma. Contudo, após o
assassinato de Polónio, essa imagem é fortemente afetada. A sua natureza
sensível e reflexiva – os traços de caráter que interferem, fazendo-o hesitar,
na capacidade de se vingar de Cláudio – dá lugar a uma atitude exatamente
oposta, concretizada num ato precipitado e extremamente violento. É verdade que
Hamlet age dessa forma por estar convencido de que é Cláudio quem se encontra
atrás da cortina, porém, seja como for, o seu gesto põe em xeque a sua
superioridade moral sobre o tio. Ambas as personagens assassinaram outras
pessoas; a única diferença reside no facto de o crime do príncipe não ter sido
premeditado, ao contrário do do tio, que foi planeado e motivado pela ambição.
Todavia, as consequências dos dois atos são semelhantes: Laertes e Ofélia
perderam o seu pai, tal como tinha sucedido com Hamlet.
Por outro
lado, toda esta sucessão de acontecimentos suscita a abordagem de questões como
a violência e o assassinato. Inicialmente, esses aspetos foram abordados de
forma algo abstrata, visto que a única violência que teve lugar – o assassinato
do velho rei Hamlet – é anterior ao início da peça. Porém, no momento em que o
seu filho assassina Polónio, a violência estrema e o assassínio concretizam-se,
presentificam-se aos olhos do leitor / espectador. Por outro lado, não podemos
esquecer que a morte de Polónio decorre do assassinato de Hamlet pai, o que
permite concluir que a violência e o crime só geram mais violência e mais sangue.
Por último,
não se pode deixar de dar uma palavra ao comportamento de Rosencrantz e
Guildenstern. Os dois são amigos de Hamlet, porém não revelam qualquer prurido
em se voltar contra ele, o que mostra, no mínimo, falta de lealdade e de uma
amizade verdadeira e autêntica. Se tivermos em consideração, porém, que a sua
obediência é devida a Cláudio, o rei, independentemente das suas crenças e
afetos, é natural que tenham de fazer aquilo que o monarca lhes ordenar, mesmo
que tal signifique trair um amigo de longa data. Regra geral, o ser humano tem
sempre uma opção e é da sua responsabilidade fazer essa escolha.
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