Português: Análise da cena 3 do ato IV de Hamlet

domingo, 28 de julho de 2024

Análise da cena 3 do ato IV de Hamlet

    Esta cena volta a enfatizar uma diferença comportamental entre Cláudio e Hamlet: o primeiro age rapidamente, aproveitando de imediato a oportunidade fornecida pelo assassinato de Polónio para não só enviar o príncipe para Inglaterra, mas também o executar; o segundo passou a peça toda a hesitar e a protelar a concretização da vingança sobre o tio.
    Por outro lado, o leitor / espectador está plenamente consciente de que o assassinato impulsivo de Polónio veio dificultar a vingança da morte do velho rei Hamlet, o que é exclusivamente da responsabilidade do jovem príncipe. De facto, foi ele quem matou Polónio de forma precipitada e impulsiva e, por outro lado, hesitou constantemente se deveria ou não assassinar Cláudio. Curiosamente, quando decide agir, fá-lo sem pensar e acaba por matar a pessoa errada.
    Todos estes acontecimentos colocam o monarca numa posição vantajosa. Por um lado, ninguém, exceto Hamlet, suspeita que Cláudio tenha assassinado o anterior rei. Em segundo lugar, ele é o rei da Dinamarca, por isso encontra-se numa posição privilegiada e de grande poder. Em terceiro lugar, ao declarar que vai enviar o sobrinho para Inglaterra porque está preocupado com o seu bem-estar, o que lhe granjeia simpatia por se mostrar um homem atencioso, empático e preocupado com a família. Na verdade, tudo não passa de uma construção astuta e dissimulada, visto que se trata de mera encenação destinada a executar Hamlet. Porém, como ninguém tem conhecimento dos seus planos maquiavélicos, a imagem de Cláudio é a de um rei atencioso, afetuoso e benevolente, extremamente preocupado com o sobrinho e que só quer o seu bem.
    Apesar de agir como um louco há algum tempo já, Hamlet continua a ser amado pela população, o que indicia que é percecionado como uma pessoa íntegra e honrada. Porém, para o leitor, essa imagem pode estar a mudar, visto que ele acabou de assassinar uma pessoa sem culpa e não parece preocupado quer com o crime que acabara de cometer, quer com o destino que deu ao corpo, troçando de tudo com jogos de palavras.
    Outra curiosidade relativa à questão do corpo de Polónio prende-se com os comentários feitos pelo príncipe. De facto, este declara que o cadáver está a ser comido, ou seja, está a deteriorar-se e a ser consumido por vermes. Isto recorda-nos a afirmação de Marcelo na cena do ato I: algo está podre no reino da Dinamarca. Nesse instante, a personagem está a falar figurativa e metaforicamente, no entanto, presentemente, a frase adquire literalidade: o corpo de Polónio está a apodrecer em Elsinore.
    Por último, convém atentar num pormenor: Cláudio pede aos ingleses que executem eles mesmos Hamlet. Ora, por um lado, isto mostra o quanto receia o sobrinho, por isso necessita dele morto. Por outro lado, Hamlet era amado na Dinamarca, por isso teria de morrer fora do território local. Em suma, todos estes dados caracterizam Cláudio como um rei astuto, falso e extremamente ambicioso, preocupado unicamente com o fortalecimento do seu próprio poder, eliminando as ameaças ao seu poder e manipulando os que o rodeiam para daí retirar vantagens.

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