Português: Análise da cantiga "A mim dam preç’, e nom é desguisado", de Afonso Anes do Cotom

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Análise da cantiga "A mim dam preç’, e nom é desguisado", de Afonso Anes do Cotom

    Esta cantiga de escárnio e maldizer, da autoria de Afonso Anes do Cotom, chegou até nós incompleta: uma única estrofe (sétima) com rima interpolada e emparelhada. Nela, compara-se o aspeto físico de três maljeitosos: o próprio trovador, João Fernandes e Pero da Ponte, o qual levaria a palma aos outros dois.
    O sujeito poético começa por referir que tem a fama ou reputação – que não é despropositada, ou seja, é certeira – de ser maljeitoso. Para que não haja dúvidas, volta a confirmar que concorda com essa apreciação: “e nom erram i”.
    O verso três refere-se a um tal Joam Fernandes, figura de difícil identificação, desde logo por se desconhecer o seu apelido. Se considerarmos que a cantiga datará de cerca de 1241 e terá sido produzida em Castela, poder-se-ia tratar de Juan Fernández Valdés, senhor de Beleña, que faleceu na batalha de Martos, em Jaen, em 1275. Um outro candidato seria João Fernandes de Lima, marido da Ribeirinha, a famosa barregã de D. Sancho I, após a morte do monarca, e que antes tinha sido casado, em primeiras núpcias, com Berenguela Afonso de Baião, tia do trovador D. Afonso Lopes Baião. Desempenhou cargos importantes nos reinos de Leão e Portugal, tendo falecido por alturas de 1245.
    Joam Fernandes pertence também ao grupo dos maljeitosos. Ele é conhecido pela alcunha de “o mouro” por causa do seu aspeto físico, como é confirmado pela rubrica de uma cantiga de Martim Soares (“Joam Fernándiz, um mour’est aqui”).
    Outro dos homens que faz parte do grupo é o trovador Pero da Ponte, que supera os dois anteriormente citados. De facto, se alguém o visse em «cós», isto é, sem manto, em corpo bem feito, parecer-lhe-ia “moi peor talhado”, ou seja, o mais maljeitoso.
    Em suma, esta cantiga constitui uma sátira dirigida a três figuras específicas (o próprio Afonso do Cotom, João Fernandes e Pero da Ponte) e à sua aparência. Ironicamente, o sujeito poético inclui-se no grupo dos maljeitosos, o que pode configurar uma forma de autoironia, através da qual ri de si mesmo, enquanto satiriza os demais.

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