A inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais é mera "retórica"
A actual legislação sobre
educação especial “deixa desamparado um conjunto considerável de alunos e
alunas que manifestam necessidades educativas especiais e para os/as quais não
é possível construir respostas educativas ajustadas”, diz o Conselho Nacional
de Educação (CNE) numa recomendação tornada pública nesta sexta-feira. Os
conselheiros sugerem várias alterações legais e sublinham a necessidade de
garantir recursos, que por vezes falham – desde o apetrechamento das escolas
até à afectação de profissionais.
A pedido da Assembleia da
República, o CNE debruçou-se sobre as respostas dadas aos alunos com
necessidades educativas especiais – no ano lectivo de 2012/2013 havia cerca de
62 mil, dos quais quase 61 mil frequentavam escolas do ensino regular.
Das audições e análises feitas
resultam algumas preocupações. O CNE diz, por exemplo, que, embora as políticas
públicas neste sector adoptem “o princípio da educação inclusiva”, e até sejam
objecto de reconhecimento internacional, “a atitude voluntarista do legislador
não encontra respaldo” na capacidade de mobilizar recursos. Exemplos: por
vezes, os estabelecimentos de ensino só têm técnicos muito depois do ano
lectivo começar; há escolas de referência para alunos cegos e de baixa visão
que apenas têm acesso aos manuais em Braille no final do ano lectivo; há
tecnologias de apoio que só chegam aos alunos quando já não são adequadas...
Em suma: existem escolas que têm
na sua população escolar alunos com necessidades especiais mas que não têm, “em
tempo útil, os recursos e profissionais que permitam dar resposta apropriada” a
essas crianças e jovens.
“Estas situações representam um
desperdício de recursos, mas sobretudo de tempo, essencial e irrecuperável num
processo de aprendizagem”, lê-se no texto do CNE. “A existência destas
respostas, nomeadamente no que concerne aos meios e profissionais que servem na
e com a escola, em toda a extensão do ano lectivo, é condição fundamental, sem
a qual o princípio da inclusão não passa de mera retórica.”
Por isso, entre as recomendações
enumeradas pelos conselheiros, está a de que é preciso clarificar e adequar os
critérios de atribuição de recursos e profissionais aos estabelecimentos de
ensino.
O CNE acha ainda que o Sistema
Nacional de Intervenção Precoce funciona, mas que há zonas do país que não
estão abrangidas, o que põe em causa a equidade. Por outro lado, há o risco de
meninos com necessidades especiais “transitórias” não terem acesso a
“intervenção especializada”, o que pode levar a que essas necessidades se
tornem “crónicas”. O CNE entende que a legislação deve ser alterada de forma a
que seja possível desenvolver “medidas educativas temporárias”, que contemplem
aquelas situações.
Formação duvidosa
A qualidade da formação dos
docentes de educação especial que, em anteriores pareceres, já tinha sido
apontada como uma fragilidade não está a melhorar, prossegue o CNE. Os
conselheiros sugerem que seja desenvolvido, “com urgência”, um plano de
formação contínua.
De resto, há cursos de educação
especial no mercado com qualidade duvidosa, diz-se. E as próprias motivações
dos professores que escolhem esta via nem sempre serão as mais indicadas. “Em
alguns casos, a apresentação a concurso em educação especial não decorre da
escolha intencional de um percurso profissional, mas antes da possibilidade de
obtenção de emprego ou de aproximação à residência.”
Na sua recomendação, o CNE
sugere, entre outros, que “sejam desenvolvidos processos urgentes e rigorosos
de regulação dos cursos de formação especializada”, que seja dada especial
atenção à “qualidade científica” das formações e que se clarifique o “perfil” e
as “competências” dos docentes de educação especial. Mais: é preciso definir
critérios rigorosos de recrutamento. Recomenda-se ainda que se desenvolvam
mecanismos legais que permitam ter professores com estabilidade nas escolas, a
trabalhar com estes alunos.
Exames desadequados?
As dúvidas do CNE estendem-se à
forma como estes alunos são avaliados. “A existência de avaliação externa das
aprendizagens” – exames – “tendo como referência os curricula e as metas de
aprendizagem”, sem que estes estejam adaptados às condições especiais dos
alunos do ensino especial, “poderá pôr em causa a qualidade e a equidade na possibilidade
de obtenção de sucesso”.
Dúvidas são também levantadas em
relação à forma como estará a decorrer a transição para a vida activa. O CNE
acha que parece não estar a ser garantida uma “plena integração social e
laboral depois de concluída a escolaridade obrigatória”. E diz que é preciso
“repensar a certificação decorrente deste percurso escolar”.
O texto acima transcrito está disponível no
Público on-line. Com tudo o que as generalizações, mesmo que tendo origem em estudos, possuem de abusivo, o panorama descrito não está muito longe da realidade, pelo menos aquela com que contactamos diariamente.
Os alunos com necessidades educativas especiais são, frequentemente, um estorvo, que ainda por cima dá trabalho, exige custos superiores, e cuja utilidade se resume à diminuição do número de discentes por turma. Muitos professores, pelo menos muitos mais do que seria desejável ou expectável, pensam assim. No interim, há muitos outros que pensam e agem de forma diferenciada.
Para o MEC são uma despesa acrescida.