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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Historiografia anterior a Fernão Lopes

            1. Hagiografias (vidas de santos)


            2. Cronicões:
                        . Crónica Breve do Arquivo Nacional.
                        . Quatro Crónicas Breves de Santa Cruz de Coimbra.
                        . Crónica da Fundação do Mosteiro de S. Vicente.
                        . Crónica da Conquista do Algarve.
                        . Crónica Geral de Espanha, em galego-português, de 1344.
                        . Crónica Portuguesa de Espanha e Portugal (c. 1342).
                        . Crónica galego-portuguesa (1404).
                        . Segunda versão da Crónica Geral de 1344, redigida em 1400.
                        . Crónica do Mouro Rasis.
                        . Relação da Vida da Rainha Santa Isabel.
. Crónica de como D. Paio Correia tomou este reino do Algarve aos Mouros.
                        . O Livro da Noa.
                        . Crónica da Ordem dos Frades Menores (franciscanos).



            3. Livros de Linhagens ou Nobiliários, em número de quatro.




Os géneros da poesia trovadores - esquema-síntese


Valor documental da cantiga de escárnio e maldizer

            . Artístico: decoração, iluminuras.

. Histórico e social:       - a entrega dos castelos ao conde de Bolonha;
- a cruzada da Balteira;
- o escândalo das amas tecedeiras;
- as ambições dos pobres jograis, que até podiam ter talento para trovar, mas que os trovadores não permitiam e gozavam;
- a traição dos cavaleiros na guerra de Granada;
- a corrupção do clero (abades, bispos, papas);
- as soldadeiras;
- o amor cortês;
- o uso do latim macarrónico pelos padres;
- as relações entre fidalgos e plebeus;
- as disputas entre trovadores e jograis.
            Em suma, o que esta poesia retrata é a decadência da sociedade em geral.

            De facto, as cantigas de escárnio e maldizer têm um enorme valor documental, na medida em que constituem um vasto panorama crítico da sociedade medieval portuguesa nos aspectos político-religioso, social e cultural.
            Assim, no domínio político-religioso, assume especial relevo a denúncia da condenável actuação das autoridades eclesiásticas, que excomungam os alcaides que se mantêm fiéis à palavra dada, aquando da deposição de D. Sancho II por D. Afonso III. É a célebre questão da "entrega dos Castelos ao conde de Bolonha", que alguns alcaides recusaram terminantemente, por se sentirem vinculados pelo juramento de fidelidade e dever de vassalagem a D. Sancho II, enquanto este vivesse. Trata este tema a conhecida cantiga "Meu senhor arcebispo, and'eu escomungado", de Diego Pezelho.
            É, talvez, no aspecto social que a nossa sátira medieval é mais rica. Denuncia-se nela o eterno problema do "desconcerto" do mundo, em que a falsidade, a mentira e, de um modo geral, a injustiça parecem triunfar, tal é a "desordem" em que a sociedade se atolou. A cantiga "Vej' eu as gentes andar revolvendo", de Pero Mafaldo, é um bom exemplo da inversão de valores a que se tinha chegado: os mentirosos e desleais viam a sua reputação aumentar e, pelo contrário, os honestos e cumpridores apenas somavam fracassos. Então, ironicamente, o sujeito conclui que a melhor maneira de triunfar na vida é passar a mentir a toda a gente, "ao amigo e ao senhor".
            Também o "cavaleiro famélico" da cantiga "Quem a sesta quiser dormir", de Pero da Ponte, denuncia a grave crise por que passavam os infanções, em resultado das transformações sociais e políticas da época, que favoreciam a burguesia em detrimento da nobreza, sobretudo depois da conquista definitiva do Algarve, no reinado de D. Afonso III.
            No aspecto cultural, é sobejamente conhecida a ridicularização do convencionalismo do amor cortês, na conhecida cantiga "Roi Queimado morreu com amor", de Pero Garcia Burgalês, em que se critica o fingimento da morte de amor "por ua dona". Também na cantiga "Ai! dona fea, fostes-vos queixar", Joam Garcia de Guilhade elogia uma "dona fea, velha e sandia", ridicularizando deste modo o lugar-comum da beleza etérea da mulher amada, a "sem par", que os trovadores sempre idolatravam nas suas cantigas de amor.
            Podemos, então, concluir que, para além do seu inegável valor literário, as cantigas de escárnio e maldizer têm um enorme valor documental. Através da crítica, da ironia e do tom pejorativo, elas constituem um vasto e variado panorama dos males da nossa sociedade medieval: os escândalos sociais (as amas e tecedeiras), a  cultura (a ridicularização do amor cortês e da imagem da mulher ideal), a cumplicidade entre a política e a religião (a entrega dos castelos ao conde de Bolonha), a decadência da nobreza, o desconcerto do mundo, o privilégio da aparência, a imoralidade e a dificuldade em cumprir projectos ou promessas (a cruzada da Balteira), a covardia (a traição dos cavaleiros na Guerra de Granada), etc. Estas cantigas constituem, realmente, as raízes de um dos mais ricos filões do nosso oiro literário, que terá continuadores tão ilustres como Gil Vicente, Camões ("Esparsa ao desconcerto do mundo" e alguns passos d' Os Lusíadas), António José da Silva, o Judeu, e Nicolau Tolentino (no século XVIII), Guerra Junqueiro e Gomes Leal (no século XIX) e, no século XX, Alexandre O'Neill, entre outros.

Características das cantigas de escárnio e maldizer

            A sátira do período trovadoresco reveste-se das seguintes características:
1ª) é concreta e particular: são raras as cantigas que visam defeitos de carácter geral e dum modo abstracto (mentira, cobardia, luxúria, insinceridade, avareza); atacam os viciosos em concreto, isto é, pessoas mentirosas, por exemplo, e não o vício em si;
2ª) tem carácter social: os trovadores satirizavam tipos sociais, tal como Gil Vicente o fará mais tarde:
. membros do clero com costumes pouco edificantes;
. os nobres (cobardes, pobres, mentirosos);
. ofícios vários (jograis, militares);
. os vilãos;

3ª) é, em parte, muito obscena (ex.: as composições que se referem à Balteira).

Variedades da cantiga de escárnio e maldizer

            Consoante a temática ou a forma, as cantigas satíricas trovadorescas recebem as seguintes designações:
            a) joguete de arteiro: composição de escárnio propriamente dita;
b) risadilha: composição que provoca o riso, mas pouco fina, quase sempre obscena;
c) cantiga de seguir: composição parodiada de outra poesia, da qual adopta a música e a rima;
            d) tenção: composição dialogada entre dois trovadores que se contradizem.


Tipos de sátira

                        . Pessoal.
                        . Social (moral e religiosa).

                        . Política.

Temas da cantiga de escárnio e maldizer

                        1. Sátira política e religiosa

            * A cobardia dos cavaleiros (guerra de Granada).
            * A corrupção e os desmandos do clero.
            * O ciclo dos castelos  -  a traição dos alcaides (deposição de D. Sancho II).


              2. Sátira social e moral

* A decadência da nobreza: a ambição e pelintrice dos infanções.
* O escudeiro famélico, pelintra, mas fanfarrão e pretensioso.
* Crítica contra as mulheres.
* A imoralidade feminina: a cruzada da Balteira.
* Os amores duvidosos entre fidalgos e plebeias.
* A ridicularização dos maus trovadores.
* As polémicas entre trovadores e jograis.
* O desconcerto do mundo – a decadência da sociedade.
* Reflexões sobre a moral e os bons costumes.


Cantigas de maldizer

            As cantigas de maldizer são aquelas em que a pessoa satirizada é nomeada. Não velavam o ataque sob formas ambíguas, como acontecia nas de escárnio. Estas ferem directamente, sem subterfúgios; o sujeito diz o que tem a dizer, com uma linguagem baixa, vil e bruta.

Cantigas de escárnio

            As cantigas de escárnio são as que satirizam, atacam directamente, a descoberto, escarnecem de alguém com palavras de dois sentidos, sob formas ambíguas, "per palavras cubertas que hajam dous entendimentos", ou seja, feriam delicadamente.
            Eram impessoais, de crítica velada e indirecta.

            O recurso estilístico predominante é a ironia.

(Sub)géneros da poesia satírica portuguesa


O sirventês provençal e a sátira trovadoresca

            A sátira trovadoresca vestiu-se muito cedo pelo figurino da literatura provençal, que explorava o género em grande escala. As composições satíricas cultivadas na Provença tinham o nome de sirventês, cantiga satírica provençal de alcance moral ou social.

            Havia três espécies:
1ª) o sirventês moral ou religioso: ridicularizava a decadência do ideal da cavalaria e a rudeza dos barões, as leviandades das mulheres, os costumes duvidosos, a corrupção e os desmandos do clero;

2ª) o sirventês político: explorava e ridicularizava os sucessos da época, sobretudo a luta dos reis ingleses com os senhores feudais da França, as guerras civis, a cruzada dos Albigenses;

3ª) o sirventês pessoal: ridicularizava determinados aspectos da vida íntima ou profissional dos indivíduos, mormente a variedade ridícula e as pretensões dos jograis ("sirventês joglaresc").


            Ao contactar com a estética provençal, os nossos poetas começaram a satirizar os mesmos tipos e pelos mesmos processos. É às produções desta espécie que chamamos cantigas de escárnio e maldizer.

Artifícios poéticos da cantiga de amor de influência provençal

            * Coblas: segundo a "Arte de Trovar", as estrofes tinham o nome de coblas ou cobras e o seu número ficava ao sabor do trovador.
            As estrofes podem classificar-se como:
                        - uníssonas: têm a mesma rima;
                        - singulares: apresentam rimas diferentes;
                        - doblas ou pareadas: cada grupo de duas coblas tem a mesma rima.
            As cantigas galaico-portuguesas têm, regra geral, três ou quatro coblas, com excepção das paralelísticas. Cada copla pode apresentar número variável de versos. Em todas se encontra o isossilabismo, o mesmo número de sílabas, reforçado pelo princípio da isometria, a mesma medida, dentro de cada composição.
            Pode ter um predomínio de quatro versos na cantiga de refrão e de sete na cantiga de mestria.
            O número máximo de versos numa copla era de dez e o número mínimo de dois (paralelísticas).

            * Refrão: é o estribilho, ao qual regressava o coro ou o solista entre a execução de duas coplas. Podia estar ligado ao corpo da copla pelo sentido, ou ser independente dela.
            Surge nas paralelísticas e, em geral, nas cantigas de amigo, mas não aparece nas de mestria.

            * Finda: é uma copla de menor extensão, de um a quatro versos, que encerra a cantiga em jeito de conclusão.
            A "arte de Trovar" define-a como "acabamento de rrazon", "versos-remate".
            Nas cantigas de mestria, rima, geralmente, com a segunda parte da última estrofe; nas de refrão, a rima faz-se, regra geral, com o refrão.
            Uma cantiga pode possuir mais do que uma finda.

            * Atafinda: é um processo de ligação de coplas, feita pela continuação do último verso de uma estrofe na copla seguinte. Essa ligação faz-se através de partículas como "e", "ca", "pois", "quando", "pero", "que", etc.
            Ocorre tanto nas cantigas de mestria como nas de refrão.

            * Verso / palavra perduda: verso/palavra sem correspondência temática/rimática que aparece no meio, início ou fim da copla e deve repetir-se no mesmo lugar.

            * Enjambement / transporte / encavalgamento: consiste em completar o sentido de um verso no verso seguinte. D. Dinis chegou até a dividir a palavra.
            Este processo é uma constante na poesia de todas as épocas.

            * Dobre: repetição da mesma palavra de rima duas ou mais vezes em lugares simétricos da estrofe, de preferência no primeiro e no último verso.


            * Mordobre / mozdobre: repetição da mesma palavra em lugares simétricos, porém jogando com as suas várias flexões.

Características e estética da cantiga de amor

            . Análise profunda da interioridade dos que amam, sendo surpreendente uma certa racionalização dos efeitos do amor sobre o sujeito, à maneira de Camões.

            . A idolatração da mulher amada, a atitude de veneração, de submissão perante ela, recorda-nos Petrarca.

            . O sujeito sente que não é senhor do seu coração. Este enganou-o, fê-lo apaixonar-se por uns olhos verdes, temática que nos remete para a lírica camoniana, tal como acontece com a confissão do poeta de ser "sandeu", "já o sen non á", tudo por causa de uns olhos verdes.

            . A simbologia dos olhos.

            . O amor espiritual conduz a um aperfeiçoamento através da aspiração ao objecto amado. A mulher é a ponte para a plenitude, para o infinito, nela se realiza e por ela se esquece de si próprio, para pensar só no ben da dama (conferir a cantiga "Desej' eu ben de mha senhor" com o soneto "Transforma-se o amador na cousa amada").
            Mas o trovador sofre imenso, desespera e chega a desejar vingar-se da "senhor", mas tudo não passa de um desejo, porque não consegue deixar de a amar, não pode enganar o seu coração (é a temática do poder cruel do amor que novamente nos recorda Camões).

            . Os trovadores valorizam sobretudo as qualidades morais da mulher, qualificando-a através de expressões convencionais: "tan comprida de todo o ben", "a que prez nem fermosura non fal", "Deus fez sabedor de todo ben", "mui comunal", "Deus deu-lhe bon sen / e falar mui ben e rir melhor", "é leal muit", "olhos verdes", "ben talhada", "tan poderosa", "boõ semelhar", Deus fê-la "das melhores melhor", "ben talhada", "de muito ben saber".
            Muitas destas qualidades da "senhor" serão mais tarde recuperadas pelos petrarquistas.

            . Refletindo a profunda religiosidade do ser medieval, Deus está sempre presente, quase como um confidente. O trovador desabafa com Ele e pede-Lhe até conselho.

            . A simbologia da luz, com o seu poder de fogo.


            . O amor do trovador pela mulher é um amor idólatra, absorvente, torturado, saudoso, de um fatalismo passional.

Classificação das cantigas de amor

* Cantigas de mestria: são cantigas sem refrão; são as mais perfeitas. Os versos têm sete a dez sílabas e o número de estrofes raramente ultrapassava as três ou quatro.
            Seguem alguns formalismos, denotando a influência provençal:
                        . o dobre;
                        . o mordobre;
                        . a finda;
                        . a atafinda;
                        . o verso perdudo.
            Nas cantigas de mestria, podiam aparecer subgéneros:
                        . prantos: poesias de carácter fúnebre para exprimir a dor de uma morte;
                        . tenções: retratam um diálogo entre dois trovadores.

* Cantigas de refrão: no fim da cada estrofe, repete-se um ou mais versos, à laia de estribilho, à maneira das cantigas de amigo. São mais espontâneas, mais naturais, mais líricas, menos artificiais.

* Descordos: são cantos magoados, de variedade métrica, estrutura estrófica diferente e de difícil compreensão. Existem apenas três nos nossos cancioneiros. Exprimem os conflitos do amor, um amor tumultuoso, revolto, em convulsão no peito.

* Tenções: cantigas dialogadas entre trovadores, em que um procura contrariar o outro.

* Prantos / lais: desabafos plangentes com lágrimas de coita de amor.


            Todos estes subgéneros são de origem provençal.

Temática da cantiga de amor

                        1. Autenticidade

            O lirismo provençal levou ao florescimento das cantigas de amor na Península, mas elas têm características que as diferenciam.
            De facto, a cantiga de amor nacional é mais espontânea, mais sentida, mais autêntica, e relaciona-se com a nossa alma romântica, saudosa, um pouco masoquista até (denota um certo prazer mórbido no sofrimento, o gosto de estar triste, uma certa melancolia), enquanto o lirismo provençal assenta no fingimento, na insinceridade.
            Na cantiga "Proençais soen mui ben trobar", D. Dinis acusa os trovadores provençais de não terem "gran coita no seu coraçon", é um fingimento, pois sé "troban no tempo da flor". É uma clara referência aos costumes dos trovadores saírem de preferência na Primavera a exibir as suas cantigas de castelo em castelo.


                        2. O formalismo do amor cortês

            João Baveca, segrel galego da corte de Afonso X de Castela, crê na autenticidade amorosa como sendo fonte de inspiração e crítica, como D. Dinis, o formalismo do amor cortês, o fingimento dos trovadores provençais, que prejudica os que amam de verdade, porque as donas não acreditam naqueles que realmente as amam e, se elas soubessem como alguém pode amar, teriam dó. Mas por causa dos outros, elas pensam "que todos taes son" e, por isso, todos os que amam sinceramente perdem. E o fingimento é tal que até parecem mostrar melhor que os outros o seu amor.
            Em suma, através desta cantiga sente-se bem o fingimento de amor cortês: o amor é apenas uma forma de atingir um certo engrandecimento, valorização pessoal. Nesse aspirar podia encontrar-se uma certa plenitude, um "comprazimento" até estético. Afinal, estamos perante uma arte.


                        3. Amor cortês versus amor erótico

            O trovador vê o amor cortês como uma força espiritual e mística em oposição ao amor erótico, sensual e carnal.
            A mesura, o respeito pela sua "senhor", leva-o a esquecer-se dele próprio, humilhando-se, apagando-se, com medo de desrespeitar a mulher. É o código da mesura, é um amor puro, desinteressado, cuja finalidade é aperfeiçoar-se moralmente. É o amor-adoração, que se satisfaz na idolatração e veneração pela mulher, enquanto o trovador cresce em espiritualidade.
            O mal da senhora é também mal para o trovador e o seu grande desejo é o bem dela, sem que a mulher perca algo da sua dignidade e virtude. Todavia, há muitos namorados que só pensam em si e no seu prazer, sem se preocuparem se fazem mal ou não às suas "senhores". Estes, que amam a sua "senhor" para seu próprio "ben", sem procurarem o "ben" dela, não a amam, mas a si próprios.
            E o trovador que respeita a sua dama chega a desejar-se mal, se tiver esse género de comportamento. Ele ama-a mais do que a si próprio.


                        4. Ver /Viver

            A maior parte das vezes o trovador sofre tanto com a não correspondência amorosa da sua senhora que até prefere morrer. Ela exerce um grande fascínio nele, de tal forma que é, simultaneamente, seu "mal" e seu "ben". Nota-se, frequentemente, uma certa obsessão, um certo masoquismo e comprazimento na dor do que são constantes da estética do amor cortês e típicos da forma de ser lusitana.
            Esta atitude submissa do trovador, que tem a ver com a mesura provençal, reflecte bem a vassalagem amorosa do amor cortês.
            Por outro lado, a saudade da mulher amada pode levar o trovador à morte, caso não consiga rapidamente vê-la. O pedido do trovador é feito a Deus, uma presença constante na alma do trovador como o único que pode ajudá-lo na sua "coita de amor", ou não seja esta uma época de grande religiosidade, em que o próprio platonismo molda as almas, num amor espiritual. Por vezes, quase responsabiliza Deus pela sua "coita", pois foi Ele que a criou, que a fez superior a todas quantas conhece. Este desejo de morte surge, à semelhança de Bocage, como forma de libertação, como fuga ao sofrimento.

            Numa cantiga de Pêro Garcia Burgalês ("Ai eu coitad', e por que vi"), encontramos a mesma temática: a saudade, a mesma obsessão, a mesma ânsia de ver a mulher, modelo de virtude e beleza, a mesma vassalagem amorosa, o mesmo masoquismo da dor... influência do amor cortês. E também não falta a mesura: nunca ele pode forçar ou prejudicar a sua "senhor", assim lhe ordena o rigoroso código de honra, de fidelidade e vassalagem amorosa, porque ele quer mais à sua "senhor" que a si próprio.


                        5. O cenário

            Nas nossas cantigas de amor é raro surgir a natureza, o espaço geográfico, como cenário, porque a "coita de amor" domina a alma do trovador de tal forma que não há lugar para atentar no espaço exterior. Tudo não passa de um lamento, de um imenso queixume que se arrasta, invade o poeta e o leva a desejar a morte perante a indiferença da mulher amada. Por vezes, contudo, o espaço está bem patente na alma do poeta, mas é só porque a sua "senhor" está intimamente ligada a ele e uma saudade imensa o desconcerta.


                        6. A interioridade do trovador, seus sentimentos

            1. A partida, a separação da dama pode levar o trovador à loucura ou à morte – fatalismo de amor.

            2. O amor-paixão leva ao sofrimento.

            3. O amor leva ao desconcerto do sujeito. A morte para ele é mal e bem (recorda os sonetos de Camões sobre os efeitos contraditórios do amor).

            4. O amor-paixão cega o trovador, ao comprazer-se no amor infeliz, no masoquismo da dor, no gostar de estar triste, ser cativo, estar preso sem conseguir fugir.

            5. O amor cruel dilacera e mata, mas o trovador não consegue fugir-lhe – masoquismo de amor.

            6. Mas a vingança pode surgir por um amor não correspondido. O sujeito lírico, em grande desespero e tensão, desabafa a sua dor, a sua revolta contra este amor que prende, sufoca, mata, querendo vingança da sua "senhor". Todavia, este desejo nunca se irá concretizar.

            7. O tormento de amor atinge o auge quando a mulher o proíbe de lhe confessar o seu amor – fatalismo de amor. Ele quer-lhe pedir que corresponda ao seu amor, mas receia que ela o trate mal, que se "assanhe" e, pior que tudo, que nunca mais lhe queira dirigir a palavra.

            8. Afinal, a culpa é do coração, que engana, passa rasteiras ao trovador. Para seu mal, apaixona-se por ela, que se recusa a acreditar na sua "coita de amor".

            9. Os efeitos do amor na alma do trovador são terríveis: desesperado, confessa à "senhor" que não é capaz de declarar todo o mal que lhe vem por causa dela, a quem quer mais do que a outra coisa qualquer.
            E confessa-lhe que a culpa foi de Deus que, para seu mal, o levou a querer-lhe bem, a amá-la. Numa atitude de desespero, confessa que está prestes a perder o juízo e não consegue dormir.

            10. A mesura e o segredo são indispensáveis para ele ser retribuído no seu amor: nunca poderá mencionar o nome da mulher amada, para não a prejudicar, não afectar a sua honra.


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