1.
Autenticidade
O lirismo provençal levou ao
florescimento das cantigas de amor na Península, mas elas têm características
que as diferenciam.
De facto, a cantiga de amor nacional
é mais espontânea, mais sentida, mais autêntica, e relaciona-se com a nossa
alma romântica, saudosa, um pouco masoquista até (denota um certo prazer
mórbido no sofrimento, o gosto de estar triste, uma certa melancolia), enquanto
o lirismo provençal assenta no fingimento, na insinceridade.
Na cantiga "Proençais soen mui
ben trobar", D. Dinis acusa os trovadores provençais de não terem
"gran coita no seu coraçon", é um fingimento, pois sé "troban no
tempo da flor". É uma clara referência aos costumes dos trovadores saírem
de preferência na Primavera a exibir as suas cantigas de castelo em castelo.
2.
O formalismo do amor cortês
João Baveca, segrel galego da corte
de Afonso X de Castela, crê na autenticidade amorosa como sendo fonte de
inspiração e crítica, como D. Dinis, o formalismo do amor cortês, o fingimento
dos trovadores provençais, que prejudica os que amam de verdade, porque as
donas não acreditam naqueles que realmente as amam e, se elas soubessem como
alguém pode amar, teriam dó. Mas por causa dos outros, elas pensam "que
todos taes son" e, por isso, todos os que amam sinceramente perdem. E o
fingimento é tal que até parecem mostrar melhor que os outros o seu amor.
Em suma, através desta cantiga
sente-se bem o fingimento de amor cortês: o amor é apenas uma forma de atingir
um certo engrandecimento, valorização pessoal. Nesse aspirar podia encontrar-se
uma certa plenitude, um "comprazimento" até estético. Afinal, estamos
perante uma arte.
3.
Amor cortês versus amor erótico
O trovador vê o amor cortês como uma
força espiritual e mística em oposição ao amor erótico, sensual e carnal.
A mesura, o respeito pela sua
"senhor", leva-o a esquecer-se dele próprio, humilhando-se,
apagando-se, com medo de desrespeitar a mulher. É o código da mesura, é um amor
puro, desinteressado, cuja finalidade é aperfeiçoar-se moralmente. É o
amor-adoração, que se satisfaz na idolatração e veneração pela mulher, enquanto
o trovador cresce em espiritualidade.
O mal da senhora é também mal para o
trovador e o seu grande desejo é o bem dela, sem que a mulher perca algo da sua
dignidade e virtude. Todavia, há muitos namorados que só pensam em si e no seu
prazer, sem se preocuparem se fazem mal ou não às suas "senhores".
Estes, que amam a sua "senhor" para seu próprio "ben", sem
procurarem o "ben" dela, não a amam, mas a si próprios.
E o trovador que respeita a sua dama
chega a desejar-se mal, se tiver esse género de comportamento. Ele ama-a mais
do que a si próprio.
4.
Ver /Viver
A maior parte das vezes o trovador
sofre tanto com a não correspondência amorosa da sua senhora que até prefere
morrer. Ela exerce um grande fascínio nele, de tal forma que é,
simultaneamente, seu "mal" e seu "ben". Nota-se,
frequentemente, uma certa obsessão, um certo masoquismo e comprazimento na dor
do que são constantes da estética do amor cortês e típicos da forma de ser
lusitana.
Esta atitude submissa do trovador,
que tem a ver com a mesura provençal, reflecte bem a vassalagem amorosa do amor
cortês.
Por outro lado, a saudade da mulher
amada pode levar o trovador à morte, caso não consiga rapidamente vê-la. O
pedido do trovador é feito a Deus, uma presença constante na alma do trovador
como o único que pode ajudá-lo na sua "coita de amor", ou não seja
esta uma época de grande religiosidade, em que o próprio platonismo molda as
almas, num amor espiritual. Por vezes, quase responsabiliza Deus pela sua
"coita", pois foi Ele que a criou, que a fez superior a todas quantas
conhece. Este desejo de morte surge, à semelhança de Bocage, como forma de
libertação, como fuga ao sofrimento.
Numa cantiga de Pêro Garcia Burgalês
("Ai eu coitad', e por que vi"), encontramos a mesma temática: a
saudade, a mesma obsessão, a mesma ânsia de ver a mulher, modelo de virtude e
beleza, a mesma vassalagem amorosa, o mesmo masoquismo da dor... influência do
amor cortês. E também não falta a mesura: nunca ele pode forçar ou prejudicar a
sua "senhor", assim lhe ordena o rigoroso código de honra, de fidelidade
e vassalagem amorosa, porque ele quer mais à sua "senhor" que a si
próprio.
5. O cenário
Nas nossas cantigas de amor é raro
surgir a natureza, o espaço geográfico, como cenário, porque a "coita de
amor" domina a alma do trovador de tal forma que não há lugar para atentar
no espaço exterior. Tudo não passa de um lamento, de um imenso queixume que se
arrasta, invade o poeta e o leva a desejar a morte perante a indiferença da
mulher amada. Por vezes, contudo, o espaço está bem patente na alma do poeta,
mas é só porque a sua "senhor" está intimamente ligada a ele e uma
saudade imensa o desconcerta.
6. A interioridade do trovador,
seus sentimentos
1. A partida, a
separação da dama pode levar o trovador à loucura ou à morte – fatalismo de
amor.
2.
O amor-paixão leva ao sofrimento.
3.
O amor leva ao desconcerto do sujeito. A morte para ele é mal e bem (recorda os
sonetos de Camões sobre os efeitos contraditórios do amor).
4.
O amor-paixão cega o trovador, ao comprazer-se no amor infeliz, no masoquismo
da dor, no gostar de estar triste, ser cativo, estar preso sem conseguir fugir.
5.
O amor cruel dilacera e mata, mas o trovador não consegue fugir-lhe – masoquismo
de amor.
6.
Mas a vingança pode surgir por um amor não correspondido. O sujeito lírico, em
grande desespero e tensão, desabafa a sua dor, a sua revolta contra este amor
que prende, sufoca, mata, querendo vingança da sua "senhor". Todavia,
este desejo nunca se irá concretizar.
7.
O tormento de amor atinge o auge quando a mulher o proíbe de lhe confessar o
seu amor – fatalismo de amor. Ele quer-lhe pedir que corresponda ao seu amor,
mas receia que ela o trate mal, que se "assanhe" e, pior que tudo,
que nunca mais lhe queira dirigir a palavra.
8.
Afinal, a culpa é do coração, que engana, passa rasteiras ao trovador. Para seu
mal, apaixona-se por ela, que se recusa a acreditar na sua "coita de
amor".
9.
Os efeitos do amor na alma do trovador são terríveis: desesperado, confessa à
"senhor" que não é capaz de declarar todo o mal que lhe vem por causa
dela, a quem quer mais do que a outra coisa qualquer.
E confessa-lhe que a culpa foi de
Deus que, para seu mal, o levou a querer-lhe bem, a amá-la. Numa atitude de
desespero, confessa que está prestes a perder o juízo e não consegue dormir.
10.
A mesura e o segredo são indispensáveis para ele ser retribuído no seu amor:
nunca poderá mencionar o nome da mulher amada, para não a prejudicar, não
afectar a sua honra.