1. O recurso estilístico é a personificação.
1.1. As expressões são as seguintes: «a estátua lia perfeitamente», «estado de deslumbramento», «ler e indignar-se», «deliberou manifestar-se».
2. Após o processo de restauro e limpeza, a estátua do marechal Saldanha verificou que a sua existência tinha melhorado, conseguir até ver, a grande distância, pormenores impossíveis a qualquer ser humano. Foi ao ler um conto de Pere Calders, que estava a ser lido dentro de um autocarro por um jovem, que decidiu manifestar-se por não concordar com o conteúdo da obra: afinal, as estátuas tinham vontade própria e alma, não eram apenas habitadas por personagens que saíam delas à noite.
3.1. O pressuposto apresentado é o conhecimento de que as estátuas de Lisboa comunicam com facilidade entre si.
3.2. O recurso estilístico é a ironia, a qual procura transportar os leitores para a ficção que está a desenhar-se. O universo fantástico deixa de estar apenas no domínio da narrativa e do narrador para ser partilhado pelos leitores.
4.1. O conector «Mas» veicula uma ideia de contraste, de oposição.
4.2. Apesar de todas as estátuas estarem desejosas de assumir movimento, aguardavam a reação do rei fundador, daquele a quem mais autoridade reconheciam.
4.3. Embora constitua um símbolo de força e coragem, a estátua de D. Afonso Henriques ponderou durante longo tempo («umas horas») a atitude a assumir, simplesmente por estar a considerar o peso do escudo, da espada e da malha de ferro. O narrador parece estar a querer caracterizá-lo, comicamente, como preguiçoso e comodista.
5.1. Quem deu o alarme foi o guarda Malaquias de Sousa, que rapidamente informou o sargento. Todos eles correram à janela para verem o que se passava, ficando, naturalmente, cheios de medo, considerando o sargento que a situação exigia decisões dos seus superiores. No largo, a multidão de estátuas mostrava-se ameaçadora, com espadas, pistolas, canhões... Até os leões estavam irrequietos. No fundo da manifestação, porém, encontravam-se as estátuas de Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco a conversar na presença da Nudez Forte da Verdade.
5.2.1. O recurso expressivo é a hipálage, que faz transitar o sentimento da personagem (nervosismo) para um objeto que ela carrega - a espada. Parece intensificar-se, desta forma, a possibilidade de violência se vivia.
6.1. O que provocou este «frémito» foi a concentração de bustos que quiseram também manifestar-se e avançavam pela Alameda de D. Afonso Henriques. A consequência imediata que o narrador identifica é a reação de um homem que comia um bife no restaurante Portugália, que liberta um «Ena pá!», apercebendo-se da agitação. No entanto, o ruído era tão intenso que houve quem ligasse para a polícia a protestar.
7. O diminutivo «saltinhos» destaca a pequenez dos pulos possíveis aos bustos, enquanto no adjetivo «alegretes» o sufixo com valor diminutivo transporta uma ideia de ironia face à atitude dos bustos.
8. As frases conferem ao texto mais um elemento de comicidade. O uso do presente na primeira frase («Alguns agentes ainda estão hoje...») remete exatamente para o insólito da situação e para a falta de respostas legislativas e regulamentares.
9. Apesar da gravidade da situação e dos acontecimentos, o ministro responsável acabou por assumir uma atitude de indiferença («deixem lá, isso passa»), como se não ouvisse aquilo que estavam a dizer-lhe. E respondeu apenas por estar farto de telefonemas, não pela gravidade da situação.
10. Cansadas de estarem no largo a olhar, sem sequer ter havido qualquer acontecimento, as estátuas, quando se aperceberam da chegada dos bustos, decidiram retirar-se, Os bustos, depois de umas assobiadelas, regressaram também aos seus pedestais.
11. A relação entre estátuas e bustos não era boa. Em primeiro lugar, as estátuas decidiram manifestar-se e não convocaram os bustos, acabando por ser estes a decidirem-se também pela concentração, considerando que não seriam inferiores, apesar de não terem um corpo completo. Quando os bustos chegaram ao lugar da concentração, são as estátuas que decidem, numa atitude de superioridade, afastar-se com dignidade, não querendo misturas, como se a presença dos bustos fosse indigna. Repare-se que os bustos referidos são de poetas...
11.1. As estátuas e os bustos colocaram-se em posição contrária à que tinham anteriormente.
12. A imprensa, no dia seguinte, apesar de ter já títulos sobre a insegurança e o vandalismo, desconhecendo as verdadeiras razões dos acontecimentos, depressa os substituiu por algo que atrairia mais as atenções: «um jogador de bola agrediu a própria mão, ceguinha». Logo que possível, o poder político procurou legislar para que este tipo de manifestações não mais fosse possível, determinando que se prendessem com cabos de aço todas as estátuas e bustos, como se a solução para os problemas fosse «acorrentá-los». Os comentadores, formadores de opinião, criticaram a medida principalmente do ponto de vista financeiro: seria uma medida dispendiosa. Evitaria, porém, outros desassossegos, outras manifestações.
13. Não é possível precisar o momento exato do início das ações da estátua do marechal Saldanha, que ocorreu durante o dia, mas quando a manifestação começou efetivamente, após «umas horas» de ponderação da estátua de D. Afonso Henriques, «A noite já ia adiantada.». O decurso do cortejo e da concentração verificou-se durante a noite, sendo que «A manhã foi encontrar estátuas e bustos voltados para o lado oposto ao do costume». O dia seguinte trouxe novos acontecimentos; «nessa noite» outras notícias desviaram as atenções da manifestação das estátuas e dos bustos que, «um mês depois», tentaram repetir as suas ações.
14. No que diz respeito à ciência ou focalização, o narrador é predominantemente omnisciente («cá de longe, a estátua lia perfeitamente"; «D. Afonso Henriques sopesou os inconvenientes de acartar com o peso de escudo, espada e malha de ferro. Mas lembrou-se, ao fim dumas horas, de que era um rei enérgico.», apesar de, nalguns momentos, parecer apenas dedicar-se à focalização externa (como é o caso do momento em que assume o desconhecimento acerca do modo de comunicação das estátuas).
15. Os corpos dos protagonistas do conto são «corpos incompletos». O adjetivo «incompletos» pode remeter para o facto de as estátuas, como se refere no texto, serem apenas reproduções exteriores, «em corpo inteiro», do corpo humano, «(...) como se as estátuas fossem o invólucro ou repositório e não tivessem de próprio nem vontade nem alma», e os bustos serem, até no plano material/físico, corpos inacabados, «mutilados», embora compensassem essa deficiência com «mais concentração de espírito». Por outro lado, enquanto reprodução dos seres humanos e animais, no decorrer da ação do conto as estátuas procuram completar a inteireza daqueles, adotando capacidades e atitudes que lhes são próprias.
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