Português

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Análise do poema "O Capoeira", de Oswald de Andrade


  
– Qué apanhá sordado?
– O quê?
– Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.
 
            Este poema de Oswald de Andrade traz para a poesia um facto quotidiano: nos quatro versos, o «eu» poético sugere um confronto entre um capoeirista e um soldado. Esse confronto sucede, porque o capoeirista provoca o soldado (“Qué apanhá sordado?”) e o chama para a luta.
            Durante muito tempo, os capoeiristas foram vistos de forma preconceituosa, isto é, como arruaceiros, e muitas vezes eram presos por praticar a sua arte. No caso desta composição, o «eu» propõe uma inversão: em vez de o capoeirista ser vítima da arbitrariedade da polícia, é ele quem provoca o soldado.
            O último verso indicia a concretização da luta: o capoeirista investe contra o soldado, derruba-o, provavelmente com um golpe de capoeira. Note-se que o conflito é descrito à maneira cubista, isto é, em partes, como um mosaico de imagens.
            O registo de língua predominante no diálogo é o popular: “qué”, “apanhá”, “sordado”, vocábulos repetidos anaforicamente no terceiro verso, à exceção do último. Qual é o objetivo do poeta ao colocar na boca do capoeirista a linguagem popular? Deste modo, ele reproduz a fala de um indivíduo simplório, uma linguagem dinâmica que traduz a visão da briga, semelhante à capoeira. No último verso, chave de ouro do texto, terminado o diálogo, a sintaxe está correta, isto é, de acordo com a norma gramatical.
            O diálogo e a linguagem quotidiana são características do Modernismo. Temos então a anulação das fronteiras que encontramos no Manifesto. Outra coisa que é típica do Modernismo, mas principalmente de Oswald de Andrade, é a ideia de progresso, de rapidez; é a poesia feita rapidamente. Por outro lado, no poema está presente a visão da literatura nacionalista, fundamentada nas características naturais do povo brasileiro.

Análise do poema "Canto do regresso", de Oswald de Andrade


             Este poema foi escrito por Oswald de Andrade em 1924, quando o poeta regressou ao Brasil após a sua estadia na Europa, e publicado pela primeira vez na revista “Pau Brasil”, aparecendo posteriormente no livro homónimo, de 1925.

            Por outro lado, a composição constitui uma paródia de “Canção do Exílio”, da autoria de Gonçalves Dias, de 1843, uma paródia forte e profundamente crítica contra a alienação social, marcada pelo humor. Dito de outra forma, estamos perante um diálogo entre um modernista do século XX (Oswald de Andrade) e um romântico do século XIX (Gonçalves Dias). O poema deste último, de cariz romântico, foi publicado na obra Primeiros Cantos, de 1857, e apresenta um sujeito lírico que, distante da sua terra natal, expressa a saudade da sua pátria através da lembrança da fauna e da flora características do Brasil. O título é diferente; possuem praticamente as mesmas palavras, mas, em vez de idealizar, ele exagera. Além disso, ambos os textos abordam o nacionalismo ao citarem a saudade da terra natal, paisagens brasileiras e riquezas do país.

            A intenção de Oswald de Andrade ao parodiar o poema de Gonçalves Dias passa por romper com as estruturas do passado, fazer uma revisão crítica histórico e cultural e evidenciar uma nova identidade brasileira, tudo características do Modernismo.

            O tema da composição prende-se com o nacionalismo, outro traço modernista, mas, apesar disso, o poema não deixa de evidenciar os aspetos negativos que fizeram parte da história brasileira ao mencionar o termo «palmares», que constitui uma alusão ao Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência à escravidão. De facto, ao referir-se-lhes, em vez de «palmeiras», faz uma alusão a Zumbi dos Palmares, um escravo fugido, símbolo da abolição, configurando, pois, uma referência crítica à escravidão no Brasil. De forma sintética, a referida substituição vocabular não foi aleatória, visto que «palmares” se refere ao local de resistência em que os negros escravizados se refugiavam, liderados por Zumbi dos Palmares. Assim sendo, este poema aponta para algo que é ignorado na poesia de Gonçalves Dias: o período da escravatura, que marca a identidade nacional (do Brasil). Por outro lado, quando o poeta usa o diminutivo «passarinhos», em vez de «aves», usado por Gonçalves Dias, rompe com a estética do Romantismo, uma forma de aproximar a linguagem da forma mais simples e livre possível, característica do Modernismo.

            Oswald de Andrade joga, logo nos versos iniciais, com os advérbios de lugar «aqui»/«lá», que sugere a distância espacial que separa o «eu» da sua terra, sendo que, no caso deste poema, a sua saudade é delimitada a São Paulo, à Rua 15, ao progresso de São Paulo. Ainda na primeira estrofe regista-se a quebra do canto do sabiá, na palmeira. A “terra” do «eu» “tem palmares”, onde quem gorjeia é o mar, facto geograficamente correto. No terceiro verso, o sujeito poético refere o canto dos passarinhos, desvinculando-os do espaço-referência da canção matriz (o sabiá a cantar na palmeira).

            A segunda estrofe gira em torno de uma ideia nacionalista, visto que o «eu» relaciona as virtudes da sua terra (“mais rosas, mais ouro, mais terra”).

            A terceira estrofe é uma sequência que confirma a ideia da anterior e nela o sujeito poético dirige uma súplica a Deus: que não o deixe morrer sem voltar à sua terra (“Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”). O último verso desta estrofe é retomado / repetido no primeiro da quarta e, no seguinte, em sequência, o «eu» especifica e delimita o «lá»: “Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”. Assim, a sua terra é São Paulo e o que lhe causa saudade é a Rua 15 (“Sem que veja a Rua 15”), símbolo do progresso e da pujança económica do Estado.

            Este poema expressa a saudade da sua terra, mas de modo menos idealizado do que os românticos faziam, já que, por exemplo, os elementos naturais, muitos valorizados pelos poetas românticos, como as “rosas” e os “passarinhos”, são referidos ao lado de elementos característicos do século XX, época em que esta composição foi dada à estampa, como a referência ao “progresso de São Paulo”, a qual sugere a ideia de um país que se industrializava. Por outro lado, São Paulo sintetiza toda a pátria brasileira.

            Outro traço modernista presente no poema prende-se com o uso da forma reduzida da preposição «para» no antepenúltimo do verso do poema, muito comum na oralidade e que se afasta da norma gramatical, em razão de os modernistas subvertem os padrões gramaticais com o intuito de aproximar a literatura da oralidade do português do Brasil.

Análise do "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade


             O Manifesto Antropófago (ou Manifesto Antropofágico) foi escrito por Oswald de Andrade e publicado na primeira edição da Revista de Antropofagia, lançada em 1928, constituindo o principal texto do movimento modernista brasileiro.

            Este manifesto tem como vertentes a recusa da importação literária e a ideia de uma poesia e literatura realmente brasileiras: “olhar com olhos livres” foi a ideia que ficou como grande marca, pois significa que não se deve seguir nenhuma escola, mas usar as coisas como elas são. De facto, antes a cultura brasileira em geral limitava-se a reproduzir o que era feito no estrangeiro; agora, este texto clama aos artistas brasileiros por originalidade e criatividade, pretendendo celebrar o multiculturalismo, a miscigenação.

            A intenção passava por não negar a cultura estrangeira, mas absorvê-la, processá-la e misturá-la com os elementos da cultura brasileira, visando a promoção de uma independência cultural, a partir da intertextualidade e do beber em diversas fontes.

            O manifesto foi buscar a designação ao grego «Anthropos» (antropo), termo que significava “homem” e que está na origem de múltiplas palavras da língua portuguesa (antropologia, antropólogo, etc.). Por seu turno, “fagia” (fago) advém do grego «phagein», que queria dizer “comer”. Assim sendo, “antropófago” remete para a ideia de canibalismo, que, no manifesto, ganha um sentido simbólico e metafórico. Logo no início, o autor afirma o seguinte: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Ora, estas frases sintetizam a ideia central do documento. Já no título encontrávamos uma palavra que remetia para o mesmo campo semântico. Neste caso, a ideia é a de que a cultura brasileira deve «comer», «deglutir» a cultura do «outro» (estrangeira) e incorporá-la na brasileira, expandindo-se para outros setores: social, económico e filosófico. Por outro lado, estamos na presença de outro dado simbólico: o canibalismo do índio tinha como objetivo incorporar as características positivas da sua vítima.

            Em sentido semelhante vai a apropriação adulterada de um extrato de Hamlet, peça de Shakespeare (“To be or not to be”): «Tupi, or not tupi that is the question». Trata-se de intertextualidade, da apropriação da cultura de outro povo para a adaptar à realidade local. Por outro lado, estamos na presença de uma forma de homenagem ao autor britânico e um gesto de criatividade ao proceder-se à reinterpretação de uma frase clássica.

            Por outro lado, o termo «manifesto» remete para uma “declaração pública em que se expõem os motivos que levaram à prática de certos atos que interessam a uma comunidade” ou para um “texto programático de uma escola literária ou de um movimento literário” (in Infopédia). Assim sendo, a escrita de um manifesto possui um viés político e ideológico e visa a persuasão.

            A ideia do manifesto surgiu quando Tarsila do Amaral, casada com Oswald de Andrade, lhe deu como presente de aniversário o quadro “Abaporu” (aba = homem; poru = que come), pintado em 1928. Ao ver a pintura, o poeta Raul Bopp questionou Oswald: “Vamos fazer um movimento em torno desse quadro?”


domingo, 11 de setembro de 2022

Análise do Manifesto modernista brasileiro


     O Manifesto é escrito de uma forma parodística. A paródia é uma composição paralela, podendo ser corrosiva ou não. Pode, então, ser só mera paráfrase ou corrosiva; normalmente, teve o sentido corrosivo. É o que acontece aqui.
    O primeiro poema que vai abrir o Manifesto Pau-Brasil intitula-se "escapulário". Foi escrito em minúsculas, porque os autores não pretendiam valorizar coisa alguma; apenas igualar. O poema é o seguinte:
                No Pão de Açúcar
                De cada dia
                Dai-nos senhor
                A Poesia
                De cada dia.
    Escapulário é um saco com algo bento para proteger o seu usuário. O texto reitera o título, pedindo proteção. Em vez da poesia ser elaborada, ela já está pronta. A paródia é evidentemente ao Pai Nosso, escapulário e à religião. O Modernismo entra nesse tipo de paródia para mostrar que a poesia está em tudo.
    O primeiro nome do Brasil foi Ilha de Vera Cruz; nasce, portanto, sob o signo da religião católica. Os autores iniciais da literatura brasileira mostram a sua preocupação em salvar as almas e no lucro da terra. Temos a associação entre a fé e o império.
    O Pão de Açúcar é um tipo de forma de montanha da idade terciária. O escapulário dá a ideia de proteção. A ideia de usar a paródia serve para mostrar que a poesia está em tudo e não vem do trabalho de elaboração nem de exploração.
    As correntes anteriores baseavam-se na elaboração no trabalho. A grande crítica que tecem é dirigida ao Parnasianismo: veem este movimento como uma importação descabida.

            Análise do Manifesto

    1. Não vai atrás se coisas elevadas. Em nenhum momento procura coisas poéticas; vai acabar com a distinção entre factos poéticos e não poéticos, palavra poética e palavra não poética.
    Também é evidente o gosto pela cor forte ("acre", "verde", "azul"), que vai ser acatado também pelo Cubismo, que defende a geometria da forma.
    O Modernismo brasileiro vão aceitar a mestiçagem. Na poesia barroca, temos a recusa da ancestralidade da mestiçagem indígena. Temos também uma crítica à componente negra do Brasil. Por seu lado, no Romantismo valoriza-se o índio, mas não é colocado em papéis principais. O Parnasianismo não fala nela. Cruz e Sousa, casado com uma negra, quando fala dela, é como se a visse como uma deusa.
    Aqui as coisas são aceites como elas são. O Carnaval é uma festa, tão importante como qualquer outra festa religiosa, apesar de pagã.
    Temos também a desvalorização da música de elite: "Wagner submerge ante os cordões do Botafogo".
    O Pau-Brasil é constituído por uma mistura de tudo, aceitando a miscigenação, Apagam-se as fronteiras entre a fé e o pagão, entre música de composição erudita e a popular: vatapá / o ouro / dança - coisas díspares.
    N.B.
        - Rompe as fronteiras entre arte e não arte.
        - Usa elementos considerados poéticos e não poéticos.
        - Vale-se da paródia.

    2. Nesta parte, começa a falar de um aspeto importante da cultura do Brasil.
    Rui Barbosa, autor da viragem do século, foi um grande orador baiano: defendeu o Brasil na questão das fronteiras, nos tribunais de Haia na Holanda, conseguindo ganhar a causa. O mito que o rodeia fez dele um homem mais inteligente do que o que é na realidade.
    É um representante daquela linha de Parnasianismo/Positivismo que inspira a Academia Brasileira de Letras.

    3. Alusão à saudade de Coimbra. A ideia que a poesia do Brasil vem sempre da Europa, tinha de ser importada.

    4. Alusão à especialização.

    5. Crítica às correntes anteriores. O teatro é algo mais popular; a invenção e a imaginação pertencem a uma visão algo romântica.

    6. O Modernismo inspira-se mesmo na "língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neo- / lógica. A contribuição milionária de todos os erros. / Como falamos. Como somos."

    7. Critica a advocacia: desde a colonização que temos estudantes de Direito; a primeira faculdade criada foi precisamente a de Direito.

    8. "Houve um fenómeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo". A obra de arte única cai por terra e todas as pessoas podem ser artistas.
    A escultura como obra única também cai por terra: "Só não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta parnasiano." Temos a paródia dos parnasianos.
    Fica a ideia de que o progresso faz cair a ideia da obra de arte única.

O Modernismo no Brasil


     Como reação à poesia de viragem do século XIX (Simbolismo, Parnasianismo...), vai aparecer, já em pleno século XX, um movimento que teve os seus antecedentes, mas cujo marco foi uma semana de três dias: a "Semana de Arte Moderna", que decorreu nos dias 20, 21 e 22 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.
    Porquê São Paulo? É que, no final do século, houve um facto que provocou uma grande alteração na economia brasileira: a abolição da escravatura e a consequente falta de mão de obra nas grandes fazendas. Isto fez surgir a necessidade de importar mão de obra barata e estrangeira. Esta imigração tem várias precedências: Portugal (temos como exemplo de emigrantes portugueses o bem sucedido representado por Miranda, o razoavelmente sucedido - Romão, e o que tenta ganhar o pão do dia a dia, de que são exemplo Jerónimo e Piedade); Itália e Alemanha, depois da guerra. Esta imigração vai trazer o desenvolvimento económico de S. Paulo e o consequente desenvolvimento cultural.
    Mas a Semana de Arte Moderna congrega também artistas do Rio de Janeiro e vai projetar-se noutros estados, que não apenas São Paulo.
    Os modernistas eram vistos como pessoas doidas; na Semana de Arte Moderna, recusaram com fundamento as estéticas anteriores, aludindo que eram importadas. As estéticas podem ser construtivistas e não construtivistas. As primeiras são aquelas que dizem como deve ser a nova estética; as segundas só dizem como não deve ser. O Futurismo e o Cubismo são movimentos construtivistas.
    O movimento Dada, que teve origem em Berlim no início do século XX, não deixa coisas escritas, porque não é construtivista. As suas ideias consistem em acabar com toda a perenidade da arte; assim, insurgem-se contra os museus, porque estes são vistos como elementos de consagração.
    As suas primeiras exposições de arte plástica continham objetos que não eram dignos de serem expostos: esta era uma forma de dizer que cada um consagra aquilo que quer. Criam uma forma de arte designada «ready-made» - já pronto. Passou-se do conceito de arte elaborada para o já feito; a poesia é o que se diz a qualquer momento.
    Este movimento teve por chefe Tzvetan Tzara. A palavra «dada» tem várias interpretações: não quer dizer coisa nenhuma; cavalo. Ao que parece, não queria dizer nada. Quando os elementos que pertencem a este movimento tentaram escrever algo, o «Dada» desapareceu porque ele pretendia a desconstrução.
    O Futurismo tenta consagrar o progresso, a máquina, o movimento, etc. É isto que vamos encontrar no movimento Pau-Brasil e nos poemas de Oswald de Andrade. Este movimento também tem o seu lado Dada, porque rompe com as correntes anteriores. Tem como objetivo voltar às origens do Brasil.

HM Queen Elizabeth II (VIII)


Ruben Oppenheimer

 

Análise do poema "Crê"


    O uso do soneto serve para o desenvolvimento racional do tema, mas serve também para sugerir. O «crê» é uma exortação, um incentivo que já estava presente no poema anterior. O clima de exortação vai conferir ao poema um tom de idealização, que é próprio do Romantismo, usando uma forma do Parnasianismo. É um poema herdeiro do idealismo romântico: "Toda a alma necessita / De uma esfera de cânticos, bendita, / Para andar crendo e para andar gemendo!" Assim, neste poema temos ideias e tópicos de escolas diferentes: a exortação remete-nos para o idealismo romântico; o partir do particular para o genérico é uma técnica parnasiana e a ideia de transcendência aproxima-o do Simbolismo.
    A ideia de transcendência também aparece em Antero, mas neste o alcance do «êxtase bendito» é feito por uma depuração do espírito; é muito racionalista, ao contrário de Cruz e Sousa, que é mais emocional: é a dor que transcendentaliza. Há quase um certo gozo na dor.
    O último terceto envolve o poema num certo clima etéreo, clima este que nos vai ser proporcionado pelo Simbolismo.

sábado, 10 de setembro de 2022

Análise do poema "Acrobata da dor"


     Este poema está mais próximo do Parnasianismo. O tema - o contraste entre o interior e o exterior - é desenvolvido de forma racional, sem apelo à sugestão. É um soneto com todos os requisitos que esta forma impõe:
        . colocação
        . desenvolvimento
        . síntese do tema
    O tema fala da superação da dor pelo palhaço, designado por quatro diferentes: "palhaço", "clown", "gravoche" e "acrobata da dor".
    Enquanto o Parnasianismo preferia paisagens físicas, aqui temos alguém que fala do sentimento de um palhaço, mas mascarado pelo riso. Há um distanciamento do «eu» lírico. Esta forma racional de abordar o tema é já parnasiana.
    Mas quem é o palhaço? O palhaço é o coração: "Ri! coração, tristíssimo palhaço." Ao usar a terceira pessoa, há um distanciamento relativamente ao objeto: o coração pode ser o dele ou o de outro qualquer.
    Esta forma de abordar o interior sem cair no lirismo derramado do Romantismo, mas abordando-o de forma racionalista é o que vamos encontrar em Antero de Quental, que procurou um Romantismo racionalista. Ora, também o soneto era uma forma cara a Antero, que foi apreciado por Cruz e Sousa.

Análise do poema "Arte", de Cruz e Sousa


     "Arte" é um poema claro, conciso e com certa objetividade. A maneira de expor é parnasiana, mas a busca de palavras raras, velhas mostra já um certo simbolismo. Está numa confluência de estilos. Há a ideia simbolista do conteúdo se sobrepor à forma. Daí a ideia de que o verso deve ser certeiros, mas ter um grande alcance. Não há o submeter da ideia à forma, como em Bilac.
    Neste poema, temos ainda presentes as ideias de sugestão e de apelo a todos os sentidos, o que é típico do Simbolismo. Mas ao longo de todo o texto, assistimos a uma tenção entre o Parnasianismo e o Simbolismo, alternando estrofe a estrofe, ora ideias parnasianas, ora simbolistas.

    No Brasil, foram os poetas parnasianos que tiveram projeção; os simbolistas eram vistos como poetas de subúrbio. Isto acontece por aspetos variados. Por exemplo, quando Bilac era rico e médico, Cruz e Sousa era negro e filho de escravos e um autodidata. É a imagem do poeta marginal. Isto é importante inclusive para ver como a cultura brasileira se organiza nesta época. Daí o Modernismo ir contra o Parnasianismo.

HM Queen Elizabeth II (VII)


Dave Whamond

 

Análise do poema "In Extremis"


     Não é um soneto, que é a forma privilegiada do Parnasianismo, mas possui algo característico desse movimento: gosto pelos títulos em latim. O Parnasianismo volta-se para as formas clássicas em busca do seu equilíbrio. A própria ideia do escultório tem a ver não com a grandiosidade, mas com o equilíbrio. O título está por conta desse gosto pelos clássicos.
    Este poema, pelo contrário, não mostra equilíbrio, mas o desenrolar de diversas emoções. Bilac não se consegue conter nos limites do equilíbrio parnasiano. As emoções são traduzidas através do contraste entre o exterior da paisagem e o seu interior.
    A morte é fruto da imaginação e daí advém a grande proposta que contraria o Parnasianismo: a paisagem suscita uma emoção no poeta: "Nunca morrer num dia / Assim de um sol assim". A paisagem interior é imaginada a partir do exterior.
    Além do contraste, há outras formas de mostrar a emoção: pontuação, repetição de vocábulos, gradação. Apesar disso, há o gosto parnasiano pela descrição objetiva da paisagem. Apesar deste descritivismo, o poeta emociona-se e imagina algo que pudesse acontecer.
    Bilac, embora muito parnasiano, é um parnasiano onde o sentimento e uma certa sensualidade começam a aflorar. Mas é uma sensualidade deslocada e mórbida: "Tu, desgrenhada e fria...". Mas o que escolhe para falar do mórbido é o beijo, o que é uma valorização sensual do mórbido. Isto acontece, porque a estética parnasiana no Brasil convive já com a estética do Decadentismo simbolista. Daí encontrarmos no Parnasianismo penetração do Simbolismo decadentista e neste, com em Cruz e Sousa, penetração do Parnasianismo.
    Bilac convive, assim, com o movimento de fim de século, que é o Simbolismo decadentista. Este movimento procura uma exacerbação do Parnasianismo, a palavra rara. O Parnasianismo procurava a melhor palavra, enquanto o Simbolismo busca a palavra rara, não pela sua precisão, mas pela sua imprecisão, pois é aquela que não é muito conhecida e, por isso, apenas sugere algo das pessoas. Os simbolistas vão entrar nesta inexatidão e sugestão através das palavras raras.
    Usam outras formas que não o soneto, pois não pretendem que os seus poemas caibam numa forma. Usam também as reticências, exclamações, pois serão a base da sugestão. Procurando contrariar o espírito parnasiano, vão gostar muito das paisagens interiores e exteriores, mas em vez de descrevê-las, vão sugeri-las. Daí a frase sem verbo.
    O Simbolismo decadentista vai ser o reflexo de toda a deceção, do esvaziamento da euforia para com a ciência (visível no Fradique de Eça). Abel Botelho, Teixeira Queiroz fazem romances como teses científicas, mas neles deixam perpassar um certo desencanto. A poesia do fim de século caracteriza-se pela inércia.

O Parnasianismo brasileiro


     Paralelamente ao Realismo, mais no final do século XIX (década de 80) surge uma nova corrente de poesia, que convive ainda com a poesia romântica, que é o Parnasianismo.
    O Parnasianismo, que em Portugal não teve grande repercussão (o representante do Parnasianismo português foi "importado" do Brasil: Gonçalves Crespo) obteve no Brasil uma larga aceitação: tão larga que, até hoje, ainda encontramos pessoas a escrever sob a forma parnasianista e estarem dentro destes cânones. Mas este movimento literário acabou por perder, exagerado que foi com a forma e sem cuidado com o conteúdo.
    Os maiores representantes do Parnasianismo (século XIX) no Brasil foram os seguintes:
        - Olavo Bilac;
        - Raimundo Correia;
        - Alberto de Oliveira.
    Destes três autores, o que teve maior público e mais popularidade foi Olavo Bilac, embora o mais ortodoxo fosse Alberto de Oliveira. Bilac foi eleito por uma revista feminina chamada "Fon-Fon" (revista que buzina notícias) o príncipe dos poetas. Bilac era interessado por problemas cívicos, tendo criado no Brasil o serviço militar obrigatório.
    Escreveu um livro de poesias infantis e, juntamente com outro escritor da viragem do século, Manuel Bonfim, escreve também o livro intitulado Contos Pátrios, destinado às escolas. Isto revela-nos a dimensão de Bilac na cultura brasileira do final do século XIX.
    Dentro do espírito cívico e parnasianista, Bilac foi um grande cultor da língua. Tem um poema importante chamado "Língua Portuguesa". Talvez por este e outros poemas louvarem a língua e os cânones parnasianos, é que tiveram uma grande importância e repercussão na língua portuguesa. Bilac pertenceu ao Parnasianismo.

    Mas o que é o Parnasianismo? De onde provém o nome?

    O poema máximo do Parnasianismo brasileiro é de Bilac. Nele, expõe tudo o que pensa que vai ser a poesia: intitula-se "Profissão de Fé".
    O nome Parnasianismo vem de uma revista francesa chamada "Parnasse Contemporaine", editada entre 1866 e 1876 e que congregava vários poetas franceses, como: Heredia, Sully Prudhome e Coppé, três dos principais poetas parnasianos. Tentaram fazer uma poesia objetiva, nada intimista, onde a forma fosse bem trabalhada e o vocabulário usado fosse bastante rico, mesmo difícil. A objetividade pretendida começou a tender para o ornamental e a poesia foi ficando esvaziada do seu conteúdo, acabando por ser uma poesia do tipo "arte pela arte".
    Isto é importante para ver o que o que acontece no Brasil. Muitos poetas vão inclusive pensar numa poesia descritiva, pois identificam objetividade com descritivismo. Havia também o gosto pelo uso da mitologia clássica, numa tentativa de distanciação do «eu» lírico com o sujeito.
    Os parnasianos dão preferência ao uso do soneto, que é uma forma fixa e rígida, o que faz com que o poeta tenha de dominar muito bem o assunto para escrever nuns parcos versos tudo o que quer. O soneto é uma forma racionalista por excelência.
    No Brasil, o Parnasianismo só entra mais ou menos nos anos 80. Há quem aponte a data de 79, pois foi quando surgiu um soneto de António Carvalho Júnior, onde diz que odeia as "virgens pálidas", numa reação nítida ao Romantismo. Mas só nos anos 80 o Parnasianismo entra em vigor. O primeiro grande poeta deste movimento publica em 1822 - Raimundo Correia; Olavo Bilac só vai publicar em 1888.

Análise do poema "Uraguai", de Basílio da Gama


     Este poema, enquanto épico, é constituído por:
        👉 Invocação ("musa");
        👉 Proposição ("honremos o herói que o povo rude/Subjugou do Uraguai");
        👉 Dedicatória;
        👉 Invocação: pede proteção ao Marquês;
        👉 Início da narração de uma ação, onde vai falar do homem já referido por Cláudio e onde mostra a luta entre os portugueses e os espanhóis pela província cisplatina.
    Gama lança mão de elementos indígenas como:
        - Sepê - figura da mitologia indígena (canto III);
        - O herói é um índio do Paraguai, o que antecede o que vai acontecer no Romantismo com Alencar e G. Dias (ex.: "Juca Pirama"). Mas este é o único momento (canto III) em que B. Gama explora esta situação. Nos outros casos, fala do índio como um europeu, sem verdadeira noção dessa realidade.
        - Morte de Lindóia (canto IV): é o único episódio de amor (entre índios) do poema. Posteriormente, "Vila Rica" já apresenta episódios de amor entre branco e índia, passo em frente para o que vai acontecer no Romantismo.

HM Queen Elizabeth II (VI)


Mike Luckovich

 

Análise do poema "Vila Rica", de Cláudio Manuel da Costa


     Este poema foi escrito já no fim da sua vida e vem na linha de um outro poema épico, "Uraguai" (Basílio Gama), que trata da conquista dos sete povos das missões. É uma composição elaborada não em função do Brasil, mas de interesses pessoais.
    "Vila Rica" segue um pouco o estilo de "Uraguai", mas é diferente, porque é construído com mais sentimento e onde podemos ver o nativismo de Cláudio. Neste poema, podemos encontrar dois planos:
        👉 um com fundamento épico: história da fundação de Vila Rica;
        👉 outro com um fundamento lírico-amoroso: paixão de uma índia por um colonizador bandeirante.
    Ele não consegue equilibrar os dois planos e chegamos ao fim sem saber qual o mais importante, embora pareça ser o primeiro. Mas o poeta desequilibra o poema, a contar a história amorosa e ao introduzir lendas para marcar a brasilidade do poema. Isto acaba por o desorientar como poema épico.
    Enquanto pertencente ao género épico, tem uma Dedicatória, que é feita dentro e fora do poema, ao conde de Bobadela. É escrito em decassílabos e é constituído por dez cantos. Apresenta uma característica que denuncia a sua inspiração num poema épico francês, Henriade, de Voltaire: a rima emparelhada, que no português dá um péssimo efeito.
    Outra fonte inspiradora foi o já referido poema "Uraguai", de B. Gama, além de ter algo a ver com Iracema. É que é o primeiro poema a celebrar os amores de uma índia com um branco. São os três poemas épicos que, em fins do século XVIII, falam do índio. Ele já nos aparece em Gregório e Bento Teixeira, mas com referências depreciativas.
    O poema começa com a Dedicatória, que se estende por quatro versos, seguida da Proposição (oito versos) e a Invocação, também constituída por oito versos. É uma estrofação irregular. Primeiro, prepara o cenário para a narração e só depois começa a narrar. Traça em rápidas pinceladas a história da descoberta do Brasil, para depressa chegar à história da descoberta de Minas. A fundação de Vila Rica é uma consequência da deslocação da economia para o interior.
    O canto VIII diz respeito ao plano lírico-amoroso do poema, que conta a paixão de uma índia, Aurora (nome clássico), com um bandeirante. A mulher apaixona-se pelo bandeirante e dele recebe uma moeda de ouro  que, mais tarde, quando ambos são mais velhos e se reencontram permite a reconciliação.
    Mas no poema vamos ainda encontrar uma outra história amorosa: Eulina é uma espécie de ninfa que mostra ao bandeirante os tesouros escondidos no leito do rio, que é o Ribeirão do Carmo. O rio tem as águas vermelhas, porque têm o sangue do namorado de Eulina, que se mata por não poder casar com ela.
    Este episódio tem semelhanças com a "Ilha dos Amores" (influência camoniana): Eulina mostra essa riqueza ao bandeirante como recompensa pela sua coragem. Um aspeto que marca a diferença em relação a Camões é que as ninfas andavam enfeitadas não com flores, mas com pedras preciosas, elemento de exploração brasileira.
    Encontramos ainda outra lenda, inspirada pelo episódio do Adamastor, que é a do Gigante Itamonte, que aterrorizava os bandeirantes e lhes barrava o caminho. Mas depois, admirado pela sua coragem, acaba por lhes abrir o caminho e mostrar todas as suas riquezas,
    A composição termina, no canto X, com uma visão de glória e triunfo. Pertence ao primeiro plano já apontado. 
    Em suma, este poema aborda algumas lendas de matéria indígena de forma afetiva, não só pelo espaço que ocupam, mas também pela admiração demonstrada pelo narrador. Esta admiração não aparece no poema "Uraguai", construído por Basílio Gama como uma espécie de alibi para fugir à perseguição do Marquês, falando contra os jesuítas. São precisamente as guerras que os jesuítas travam no Sul que constituem o motivo do poema. Os índios são apenas motivos de decoração. Gama não lhes dá muita importância, embora os seus índios tenham um contorno menos idealizado do que os de Cláudio Manuel da Costa ou mesmo de José de Alencar.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...