1.
Não se deve avaliar as pessoas pela sua aparência: o Gato era temido por todos
e acusado de várias maldades, porque todos consideravam que tinha olhos
maldosos. Por outro lado, é a imagem do Gato que a Andorinha tinha dele
(“feio”, “feiíssimo”, “tolo”, “convencido”) que a leva a querer conhecê-lo
melhor e a falar com ele. A importância da aparência física e de ser aceite
ressaltam noutro passo: a Goiabeira faz uma cirurgia plástica para ficar mais
bela e ser aceite pelos outros, nomeadamente pelo Gato. Todavia, o resultado
não foi o que esperava, pois, desde esse dia, o Gato nunca mais olhou para ela
(vide ponto X. 7).
2.
Os preconceitos são a causa de muitos conflitos e sofrimento. À partida,
poder-se-ia pensar que a relação amorosa entre o Gato e a Andorinha seria
impossível porque as leis da natureza não permitem que duas espécies inimigas e
distintas acasalem. Todavia, a citação dos versos de Estêvão da Escuna permite
imaginar um mundo onde é possível o casamento entre um gato maltês e uma
andorinha, um mundo sem discriminação e onde o amor e a felicidade são o mais
importante. No entanto, o verso “Saindo os dois a voar” coloca o leitor perante
uma situação que rompe com o conhecimento do mundo e que não é explicada: como
é que o Gato aprendeu a voar? Foi a força do amor? Foi uma forma de se adaptar
à espécie a que pertence a amada? Ora, este dado evidencia a dificuldade com
que o relacionamento entre o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá seria visto e
criticado no parque.
Os preconceitos relativos ao Gato,
baseados no seu comportamento, no seu temperamento mal-humorado, nos seus
hábitos solitários, na forma como se dirige e trata os outros animais, nunca
diminuem, nem mesmo quando ele os salva da Cobra Cascavel. De facto, em vez de
reconhecerem e agradecerem o seu ato heroico, todos, à exceção da Andorinha,
procuram denegri-lo ainda mais: para uma parte, a expulsão do réptil não passa
de “exibicionismo primário”; para outros, é o reflexo da sua suposta doença
incurável. O parque é um local pequeno e a postura dos seus habitantes mostram
quão difícil é combater e eliminar o preconceito, sobretudo em pequenas
comunidades, em que todos se conhecem. A única forma de combater esta situação passa
por uma reforma social que abranja todos os planos: social, religioso,
político, cultural, educacional. Não obstante, convém não esquecer que entre o
Gato e a Andorinha existem, de facto, diferenças assinaláveis, como, por
exemplo, o facto de um voar e o outro não, ou de as aves dormirem em ninhos e
não no chão, em pedaços de veludo.
3.
As pessoas têm de aceitar as diferenças e ser mais tolerantes com os outros. As
diferenças entre os dois animais são diversas, bem como os obstáculos ao seu
amor: a pertença a espécies diferentes (este elemento corresponde às diferenças
étnicas entre os seres humanos); a idade (o Gato é muito mais velho que a
Andorinha, ainda uma adolescente); a religiosidade (ela é aluna da catequese do
Papagaio, ele não tem “lei nem Deus”); o estatuto social (o Gato é pobre, ela é
de uma classe mais alta); a experiência amorosa (o Gato é a primeira paixão da
Andorinha, enquanto ele é conhecido pelas suas várias aventuras amorosas, tendo
na sua juventude partido o coração de muitas gatas, de uma coelha e de uma
raposa inclusive); a personalidade e o caráter (Sinhá mantém uma boa relação
com todos os habitantes do parque; Malhado é temido pelos outros animais e tido
como malvado, egoísta, ladrão e assassino, mesmo que não haja provas que
comprovem estes dois últimos traços, além da sua feiura e malvadez).
Um exemplo claro de não aceitação das
diferenças encontra-se no “Parêntesis das Murmurações”: “pombo com pomba, pato
com pata, pássaro com pássaro, cão com cadela e gato com gata”. Todos os pares
de machos e fêmeas pertencem à mesma espécie, exceto quando toca aos pássaros.
Neste caso, não se foca a espécie, mas a família, o que significa que existe
uma duplicidade na interpretação das diferenças. O casamento da Andorinha Sinhá
é bem visto e aceite, mesmo que os noivos não pertençam à mesma espécie, mas
apenas ao mesmo subgrupo. O pai de Sinhá apresenta vários argumentos a favor do
futuro genro, todos de caráter superficial (aspeto físico: é belo; educação: é
gentil; idade: é jovem; profissão: canta bem; origem étnica: é de “raça
volátil”), enquanto a mãe apenas se preocupa em a casar para não enfrentar o
“mau comportamento” da filha. Ou seja, nenhum dos progenitores se preocupa com
os sentimentos e a felicidade da filha.
4.
As relações amorosas deveriam basear-se no amor e não ser “definidas” em função
da idade, de tradições, do estatuto social ou de casamentos arranjados. A
existência de muitas diferenças entre dois seres que se apaixonam pode querer
dizer que o amor supera todas as barreiras e subverte, pelo menos
temporariamente, aquilo que se espera que aconteça e procura anular os
preconceitos. Tudo isto aponta para a necessidade de as pessoas serem
tolerantes com as diferenças, respeitem os afetos e formas diversos de viver a
sexualidade e combater qualquer tipo de discriminação.
5. As
convenções sociais e diversas tradições condicionam as decisões: de acordo com
a lei, a Andorinha nunca poderia casar com um animal que não fosse da sua
espécie e isso tornou-a infeliz e levou ao seu casamento com o Rouxinol, que
ela não amava.
6.
Nem todas as histórias de amor têm um final feliz. O amor é o tema central da
obra e são vários os relacionamentos amorosos nela focados. Um deles é
protagonizado pelo Vento e pela Manhã. Ele declara-lhe o seu amor e ela faz um
cálculo em torno de um possível casamento entre ambos, apontando como vantagens
a oportunidade de viajar pelo mundo e de ser ajudada na realização de algumas
tarefas quotidianas. No entanto, o facto de o Vento gostar de levantar as saias
das mulheres e de ser uma figura instável, cheia de defeitos e aventuras
vividas, levam-na a repudiar a ideia. Estamos, pois, perante não um caso de
amor correspondido, mas de sentimentos amorosos não correspondidos por
incompatibilidade de personalidades e de interesses.
Por seu lado, a declaração de amor que
o Gato faz à Andorinha indicia, desde logo, a impossibilidade do amor entre
amos: “se eu não fosse um gato”. Por seu turno, Sinhá poderia responder com
outra condicional, do género “se eu não fosse andorinha, casava-me contigo”. No
entanto, a Andorinha nem sequer tem a coragem de contar aos pais que o ama. Por
outro lado, nenhum dos dois defende esse amor e deixam que os seus próprios
medos os separem, muito mais do que os preconceitos sociais, a intolerância dos
outros ou as leis da natureza. À medida que o tempo passa e a relação entre
ambos se torna cada vez mais impossível, a história adquire tons mais sérios e
tristes, os protagonistas afastam-se, até o seu destino infeliz ficar selado
com a pétala de uma rosa, que antes parece uma ferida a sangrar e uma lágrima.
7. O
amor: todos os relacionamentos amorosos (dos pombos, dos patos, do galo, dos
pais de Sinhá), além de maioritariamente serem protagonizados por pássaros,
portanto por seres da mesma espécie, são superficiais, estando ausentes
sentimentos fortes e sinceros. Chegam mesmo a estar associados ao adultério e à
traição. Todavia, nada disto impede que os habitantes do parque julguem,
critiquem e condenem o único par que se mostra verdadeiramente apaixonado: o
Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. A paixão da Goiabeira pelo Gato é a mais
incomum de todas. Diariamente, o bicho ia coçar-se na árvore, que se apaixonou
por ele. Querendo ficar mais bela, consultou um cirurgião plástico, que lhe
retirou todas as irregularidades do tronco. A partir desse dia, o Gato deixou
de olhar para ela, pois não gostava de estar na sua presença, dado que o que o
atraía nela eram precisamente as suas curvas e rugas. Esta passagem da obra
simboliza a capacidade de as pessoas se aceitarem como são: se um indivíduo não
gosta de si, os outros não o respeitarão e não lhe darão o seu amor.
O assunto central da obra é, porém, o
amor contrariado e impossível entre dois animais perfeitamente diferentes: um
gato e uma andorinha. Por um lado, este relacionamento levanta questões muito
importantes: a (im)possibilidade de ultrapassar as diferenças, a aceitação do
outro e de si mesmo, a (im)possibilidade de superar os preconceitos, o modo
como os protagonistas deveriam defender os seus sentimentos. Por outro, permite
refletir sobre o futuro da relação a longo prazo, caso ela fosse possível,
tendo em conta as muitas diferenças existentes entre ambos, desde o meio social
até à personalidade. Como sucede em muitas relações, é possível que, após a
primeira fase da paixão, as suas diferenças fossem gradualmente ganhando
preponderância e afetando o casal, bem como a possibilidade de os outros
animais do parque não os aceitarem. Neste contexto e como recorda a Velha
Coruja, a lei das andorinhas que existe “desde que o mundo é mundo” e que
estipula que é proibido as andorinhas casarem com gatos, visto que aquelas
fazem parte da cadeia alimentar dos felinos, vem acentuar a dúvida acerca da
duração da relação a longo prazo. Em “Parêntesis das murmurações”, a Cadela
acrescenta outro pormaior: visto que nunca houve um relacionamento como aquele,
ela comenta que “o Gato é ruim, só quer almoçar a pobre Andorinha”. Além de
perigosa, a relação seria também imoral e feia, apenas e só porque o Gato era mau,
criminoso, etc. O que mais se ouve da parte dos habitantes do parque é “onde já
se viu?”, expressão que é repetida diversas vezes.
8.
Jorge Amado visa também alguns estereótipos literários. Por exemplo, a relação
tem início na primavera, quando a natureza renasce, as flores brotam e tudo
parece propício ao amor, tópico que encontramos logo nas cantigas de amigo.
Mais à frente, o narrador afirmará que o amor também pode acontecer no inverno,
dependendo do que vai no coração de cada pessoa. A ideia de conhecer melhor o
Gato Malhado por parte da Andorinha começa como uma brincadeira de adolescente,
quando se escondia e lhe atirava gravetos, o que remete para um preconceito
muito comum, o de que os amores adolescentes não são para levar a sério e não
são profundos. Para desmentir esse estereótipo, Jorge Amado refere que a
Andorinha deixou de fazer esse joguinho quando tomou consciência de que poderia
magoar os sentimentos do Gato. Outro estereótipo tem a ver com a noção de que o
amor transforma as pessoas, tornando-as melhores, o que, de facto, aconteceu
com o Gato. Depois de se apaixonar, deixou de agredir outros animais, mostrou
que era capaz de sentimentos e ações nobres e tornou-se mais sociável.